segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Aparecido Raimundo de Souza (parte 47) Na cumeeira do telhado

EPARMINONDAZINHO RESOLVEU mandar bilhetinhos para Luluzinha, a menina mais bonita da sala. Aliás, não só da sala. Da escola inteira, da rua e do bairro onde moravam. Ele paquerava com ela onde desse pé. Nos corredores, na hora do recreio, na entrada e na saída, na porta do banheiro, na cantina, no instante em que ela se sentava reservadamente para falar ao telefone celular com a mãe. Embora nunca tivessem permutado um toque de mãos, ou um beijinho, o menino insistia em espalhar para seus amiguinhos  que ela era a sua namoradinha oficial.

Luluzinha sabia de tais conversas. Não dizia nem sim, nem não, não confirmava, nem desconfirmava. Simplesmente aceitava, de bom grado os olhares compridos, as espiadelas carinhosas e brejeiras pelos corredores. Se sentia lisonjeada e saltitante. Quando as amigas próximas vinham tirar satisfações, saia com elegância estudada, fugia pela tangente, sorria, mudava de assunto.  Eparminondazinho, com o passar do tempo, resolveu usar uma tática diferente, com a princesa que povoava seu mundinho vazio e carente, desejoso, todavia, daquela bonequinha charmosa.

Extremamene tímido e pessimista, sempre que queria dizer alguma coisa à adorável, fazia um bilhetinho, ou melhor, compunha um versinho e mandava entregar diretamente em mãos da sua doce amada. O escolhido, não outro, senão o Dirceu, um garoto cadeirante que dava todo apoio ao colega que torcia pelos pombinhos de forma incondicional. Nesse tom de romance solto por todos os poros, logo que a donzela atravessava o portão da escola, o piá chamava o Dirceu. Um dia se excedeu. Foi mais longe. Na emoção, escreveu:

...Você que amo tanto,
Sei não quer me escutar...
para aumentar o meu encanto,
só me falta te beijar...


Luluzinha, de antemão, tinha pleno conhecimento que bastava o Eparminondazinho vê-la em algum lugar dentro das dependências do estabelecimento de ensino, logo a seguir  seria procurada pelo Dirceu. Curiosa, ela lia com a rapidez que atropelava a sua alma em festa e respondia, em seguida, igualmente da mesma forma. Aproveitava a boa vontade do coleguinha que se prestava a se fazer de arauto e a esperar para devolver a réplica. Luluzinha se baseava no gancho das palavras que o ‘apaixonado’ lhe endereçava. Num deles, ousou:

...Sem querer te ofender,
Fale o que pensa, de frente.
Caso contrário irá perder,
O meu amor muito ‘eloquente...’.


Eparminondazinho, neste dia, com o sabor adocicado da imediata e inesperada resposta, se abarrotou de alegria. Ficou eufórico. Manhã  seguinte foi o primeiro a chegar e o primeiro a entrar em sala. Endereçou uma rápida olhadela à Luluzinha (quatro carteiras atrás da sua) que não desviou às vistas e se manteve firme à fitá-lo. Sem se desfazer do sorriso que bailava em seu rosto, o moleque se acomodou e abriu o caderno. De dentro, em meio às folhas, sacou um papel de guardanapo. E lá, de novo, os acuros do porta-voz Dirceu, na sua barulhenta cadeira de rodas.

Desta  feita, o emissário retornou ligeiro e entregou à Eparminondazinho o que ela escrevera com uma emoção diferente e uma tremura nunca vista em suas mãos. Ao findar a aula, ele mesmo resolveu seguir por um caminho diferente.   Levantou, catou as suas coisas e,  antes de deixar o recinto, se dirigiu à jovenzinha. Sem pensar duas vezes, lhe atirou o bilhetinho. Saiu correndo, estabanado, o coração quase a lhe saltar do peito. Luluzinha, ato contínuo leu, devorou cada palavrinha com um misto de satisfação a lhe inundar o semblante:   

...Se seu amor é ‘eloquente?’.
o meu há muito pegou fogo...
Você é o meu melhor presente
Em breve farei de seu pai, meu sogro!...


Luluzinha leu e releu e se sentiu imensamente feliz. Mais que feliz. Amada, admirada, querida. Pretendia dizer algo ao moleque, mas não o fez porque ele chegou ligeiro, atirou o papel no colo dela, e, no mesmo pique, saiu em desabalada carreira. Aline e Sandrinha, duas bisbilhoteiras que sentavam lá nos fundos, marcavam em cima. E não foi igual neste dia. Não deram espaço de Luluzinha raciocinar. A mocinha só teve tempo de esconder o papel.

- E aí, tá rolando um clima? - perguntou, de chofre a Aline.

Luluzinha se fez de boba.

- Rolando? Rolando um clima? Que clima, Aline?

- Você sabe. Não se faça de besta...

- Não estou me fazendo...

- Então está fazendo a nós —, berrou a Sandrinha. – Pensa que já não sacamos que rodopia, à solta, no ar, uma paquera entre você e o Eparminondazinho?

- Eparminondazinho, aquele chato? - desdenhou fingindo  não ter entendido onde ambas queriam chegar.

- Chato de verdade, amiga? — voltou à carga a Aline - Cadê o bilhetinho que ele acabou de jogar pra você?

- Não era nenhum bilhetinho...

- O que, então? - completou Sandrinha - Um sorvete de chocolate?

- Desde quando eu tenho que dar satisfações à vocês, uma dupla de mal amadas?  

- Somos amigas ou não?

- Neste caso, acho que se enganaram. As minhas melhores amigas, sou eu mesma e a minha querida sombra...

Sem dar mais trela às fofoqueiras, Luluzinha virou as costas e foi embora.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

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