segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Figueiredo Pimentel (A Princesa dos Cabelos de Ouro) parte I

Quantos séculos correram depois da história que vamos narrar, não sei, nem pessoa alguma poderá sabê-lo, só se sabe que, por esse tempo, existiu o reino das Maravilhas, e nele uma jovem tão linda, que nada neste mundo se podia comparar.

Chamava a princesa dos Cabelos de Ouro, porque os seus cabelos eram louros, tão louros, que pareciam feitos de raios de sol, e tão grandes e crespos que chegavam aos pés.

O seu nome, porém, era Mirtes.

A princesa andava sempre com os cabelos desenastrados (soltos); tinha uma coroa de flores na cabeça, e usava vestidos bordados a ouro, diamantes e pérolas, de sorte que, quem a via, ficava logo apaixonado pela sua formosura.

Existia em Gabor, país vizinho, um rei ainda moço e solteiro, chamado Frederico, e possuidor de extraordinária riqueza. Sabendo da existência da princesa dos Cabelos de Ouro, conquanto nunca a tivesse visto, ficou apaixonadíssimo, resolvendo enviar um embaixador pedindo-a em casamento. Para isso mandou preparar um carro de ouro, puxando por cavalos brancos, e seguido de mais de cem criados, recomendando que lhe trouxessem a princesa Mirtes, a todo o custo.

O embaixador chegou ao reino das Maravilhas e entregou a mensagem. Mas, ou porque nesse dia não estivesse de bom humor, ou aquela comitiva toda não lhe parecesse a ela suficiente para uma princesa tão linda, o fato é que respondeu que agradecia muito ao rei Frederico, tão alta distinção, mas que não pensava ainda em casar.

O embaixador saiu, da corte muito triste por não regressar com ela para Gabor, voltando com todos os presentes que levara da parte de seu senhor.

Mirtes, que era sensata, sabia que uma moça não deve receber presentes de um rapaz, mas, para o rei não tomar essa recusa, como ofensa, aceitou apenas uma carta de alfinetes.

Assim que o embaixador chegou à cidade, onde era esperado impacientemente, todo o mundo se afligiu por não haver ele trazido a princesa dos Cabelos de Ouro; e o rei chorou, sabendo do resultado da embaixada.
***

Ora, havia na corte um pajem de beleza extraordinária, tão lindo que era conhecido pelo apelido de Formoso.

Todos o estimavam muito, menos os cortesãos invejosos que se incomodavam com a preferência que lhe dava o rei Frederico encarregando-o dos seus mais importantes negócios.

Formoso, estando uma vez a conversar num grupo, onde se falava da volta do embaixador, criticando de sua inépcia em comissão tão melindrosa, sem refletir no que dizia, assim se externou:

– Se o rei me tivesse enviado em embaixada à princesa dos Cabelos de Ouro, estou certo que a traria comigo.

Não faltaram alcoviteiros que fossem ao rei e dissessem:

– Saiba vossa real majestade que o pajem se gaba de ser capaz de trazer a princesa dos Cabelos de Ouro, assim que vossa majestade o mande. Considere bem vossa majestade no seguinte: Formoso, com isso quer ter a pretensão de ser mais belo que o nosso rei, pensando que se a princesa o visse, o amaria tanto que o acompanharia.

O rei ficou desesperado ouvindo tão pérfida intriga, e exclamou:

– Ah! esse pajem brinca com a minha desgraça! Pois bem: prendam-no na torre grande e que o deixem lá até morrer de fome.

Os soldados do rei foram à casa de Formoso, que já nem se lembrava mais do que dissera; arrastaram-no à prisão, e aí fizeram-lhe as maiores atrocidades.

O pobre rapaz só tinha um bocado de palha para se deitar; e teria morrido de sede se não fosse pequena uma fonte que corria perto da torre onde estava preso.

Um dia em que já não podia mais, exclamou suspirando:

– De que se queixa El-rei meu senhor? Nunca fui infiel, nunca o ofendi. Porque estou preso, quase a morrer de fome?

Frederico, por acaso passava perto da torre. Quando ouviu a voz daquele que tanto estimara, parou para ouvi-lo, apesar dos vassalos que estavam ao pé do rei e que odiavam Formoso, dizerem:

– Não lhe ouvidos, real majestade. Não sabe que Formoso é um tratante?

O rei respondeu:

– Deixem-me quero ouvi-lo.

Tendo escutado aquelas queixas, as lágrima subiram-lhe aos olhos.

Abriu a porta da prisão e chamou o seu pajem favorito.

Formoso veio muito triste se ajoelhar aos pés do rei dizendo:

– Que lhe fiz, senhor, para me tratar tão cruelmente?

– Zombaste de mim e do meu infortúnio, dizendo que se eu te houvesse enviado como embaixador à princesa, traze-la-ia com certeza.

– É verdade, disse Formoso, eu teria feito a princesa conhecer as qualidades de tão ilustre monarca, e estou persuadido que ela não recusaria aceitar o meu ilustre rei por esposo. Suponho que isto não é caçoar nem falar mal de vossa majestade.

Frederico achou que não tivera razão para ser tão cruel.

Mandou que lhe tirassem os ferros e levou-o consigo, arrependido da maldade que fizera.

Depois de mandar Formoso jantar em sua companhia, chamou-o aos seus aposentos e lhe disse:

– Ainda amo apaixonadamente a princesa Cabelos de Ouro, e apesar da recusa que tive, não desanimo de me vir a casar com ela. Queres ser meu embaixador?

– Senhor, respondeu o pajem: Estou pronto para cumprir vossas ordens. Se quiserdes partirei amanhã.

– Amanhã, não, disse o rei: quero mandar uma embaixada mais rica do que a primeira.

– Perdoe-me vossa majestade, mas não desejo levar comitiva alguma. Desejo apenas que me mande dar um bom cavalo e as cartas que devo entregar à princesa.

O rei abraçou-o, vendo a disposição com que estava ele de o servir.

No dia seguinte de manhã, Formoso partiu sem pompa nem ruído, pensando no meio que empregaria para fazer Mirtes dar o sim.

Levava consigo uma pasta, onde havia tudo quanto era necessário para escrever: papel, pena, tinta, lápis, etc., e quando vinha à sua cabeça um bonito pensamento, escrevia-o no seu livrinho de notas para o não esquecer e poder dizê-lo à princesa.

Assim procedendo o fiel pajem, pensava apenas na maneira de ser agradável à princesa para ver se ela consentia em se casar com seu amo.

Uma manhã, passando ele por um prado extensíssimo, apeou-se do cavalo em que ia montado, e sentou-se em uma pedra, à margem do rio que atravessava o campo. Admirava a beleza do lugar quando viu uma piaba pular fora da água e debater-se durante alguns segundos.

O pobre peixinho ia morrer quando Formoso o apanhou, atirando-o ao rio. Assim que a piaba se sentiu outra vez na água, nadou rapidamente para longe da margem, voltando, porém, logo após para dizer:

– Formoso, agradeço-te muito o serviço que acabas de me prestar. Se não fosses tu, estaria morta. Talvez algum dia te pague esta dívida.

Disse e desapareceu.

O pajem ficou admirado de ver um peixe falar, mas não se importou mais com o caso e seguiu viagem.

Em outro dia viu um corvo perseguido por uma águia.

O corvo voava para um lado e para outro, mas sempre perseguido. Estava prestes a cair no bico do seu inimigo, quando o rapaz que assistia àquela luta apanhou a espingarda e fazendo boa portaria, matou a águia.

Vendo-se livre, o corvo fugiu para longe, dizendo:

– Formoso, livraste-me de uma morte certa. Se não fosse o teu socorro estaria nas garras do meu perseguidor. Nada valho; sou apenas um pobre corvo, mas talvez algum dia te possa pagar esta dívida, porque não sou ingrato.

Mais admirado ficou ainda Formoso, vendo um pássaro falar.

Seguiu adiante e já estava muito distante, quando ouviu uma coruja piando desesperadamente.

O pajem disse consigo:

– Eis aí uma coruja que está piando demais. Com certeza caiu em algum laço que caçadores armaram.

Adiantou-se mais e viu uma grande coruja presa numa armadilha colocada no galho de uma árvore.

Tirou da bainha uma faca, que trazia e cortou o barbante que a prendia.

– Não é necessário, Formoso, fazer discursos para agradecer o bem que me acabas de fazer. Sou uma coruja que para nada presta. Mas, se algum dia precisares de mim, estarei pronta para te servir. Talvez ainda te pague este beneficio que me fizeste.

Foram estas as três aventuras mais importantes que aconteceram ao jovem pajem Formoso, no trajeto de Gabor até o palácio do reino das Maravilhas, onde residia Mirtes, a linda princesa dos Cabelos de Ouro.
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Continua… II – Aventuras do Pajem Formoso no Reino de Gabor

Fonte:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896.

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