O CONVITE ENDEREÇADO à Felisbina Monteverde, estava sobre uma espécie de aparador de canto, sobressaindo, ao lado dele, um espelho oval enorme. Enfiado entre um monte de porta-retratos, um esquecido envelope branco, de tamanho grande, jazia silencioso, à espera de que alguém, ao menos, se lembrasse de que ele estava ali. Também marcando presença, no velho móvel, dois castiçais que ela havia trazido de uma viagem de fim de semana, numa excursão que fizera à Rua Vinte e Cinco de Março, em São Paulo. Nessa peça, ficavam também, o telefone de linha, e, praticamente, todas as chaves das portas da casa. Enfeitando o rosto do envelope, um punhado de coraçõezinhos azuis e algumas rosas de cores às mais diversas, em cima do que parecia ser uma mesa com xícaras repousando sobre pires coloridos, destoando, entretanto, do bule que dava a impressão de ser de alumínio.
Também se destacavam quadrados brancos e pretos, como um tabuleiro de xadrez, com os guardanapos, ao lado, dobradinhos e à espera de serem usados. Felisbina pegou o curioso envelope, abriu e leu um bilhete que veio grampeado a um cartão-convite. Dizia o seguinte. “Amiga, finalmente vou desencalhar. Deixarei de ser solteira Meu casamento está marcado e será dentro em breve”. CONVIDO VOCÊ PARA O MEU CHÁ DE PANELA QUE DAREI NO DIA DE HOJE”. Abaixo, vinha o dia e a hora, sublinhados com uma caneta esferográfica vermelha, e, claro, o nome de quem promovia o tal encontro: “JULIETA”. Em seguida, o local onde aconteceria o evento. Terminando a singela convocação, uma frase simples, mas de certa forma impositiva: “CONTO COM A SUA PRESENÇA. NÃO FALTE!”. A seguir, um “EM TEMPO” e, na frente, uma pequena linha pontilhada onde a beldade que deixaria a solteirice colocou o que gostaria de ganhar.
E o que exatamente a Julieta gostaria de ganhar da amiga Felisbina Monteverde? Com a mesma caligrafia feia, de quem escreveu o nome dela, como anfitriã, porém, em letras garrafais, o desejo incontido: “ESCUMADEIRA PARA ARROZ COM CABO AZUL”, destaque, entre parentes, a loja e o endereço onde o tal apetrecho poderia ser encontrado. Casa dos Quebra Galhos. E uma observação de suma importância: “FAVOR DISFARÇAR O PRESENTE”. Terminava, por sinalizar o endereço da casa de festa onde aconteceria o encontro. “RUA DAS OLIVEIRAS, 1743 ao lado do EDIFÍCIO POLPA DE LARANJA. O referido prédio é uma torre alta e magra (dá a impressão de estar fazendo regime para se manter em pé), de trinta andares com pastilhas brancas desbotadas de ambos os lados. Em frente a ele, tem uma farmácia. Depois de passar a 100% DVD, uma loja que aluga fitas e bolachões antigos, verá a casa onde receberei as minhas convivas. Não tem como errar”.
Na verdade, o que fez a Felisbina lembrar do tal chá de Panela foi o telefone que, de repente, passou a tocar insistentemente. Ao atendê-lo, sem querer, topou com o convite. Tratou de se livrar do chato que estava do outro lado da linha, assim que leu o dia e a hora. Deu um tapinha na testa, apreensivamente apavorada:
— Caraca. É hoje. Tenho menos de uma hora!
Ligou imediatamente para uma vizinha que morava dois andares acima do seu.
— Malvina? Sou eu, Felisbina...
— Quem? Felisbina? Não conheço nenhuma...
— Do seu prédio, apartamento 405.
— Ah, Felisbina, claro, desculpa pela gafe. Esposa do falecido Carlos Bolinha. Que cabeça, a minha. O que você manda, amiga?
— Estou com um problema. Aliás, um problemão...
— Posso ajudar?
— Tenho de estar em um chá de cozinha, ou de panela, sei lá, qual a diferença, dentro de uma hora e ainda não comprei o presente...
— Calma. O que a pessoa quer ganhar?
— Espere. Deixa ver aqui... li e esqueci.
— Achei: uma escumadeira com cabo azul.
— Fácil, amiga. Vá até o centro, na Casa dos Quebra Galhos e encontrará o que precisa.
— Eu sei. O problema não é esse...
— E qual é?
— A Julieta...
— Quem é Julieta?
— A do chá...
— Ah!, tá bom. E ai?
— Ela quer que eu disfarce o presente. Como é que se disfarça uma porcaria de um presente?
— Qual é mesmo o bagulho que ela pediu?
— Uma escumadeira com cabo azul.
Silêncio momentâneo. Aflição de ambos os lados.
— Amiga, vou ligar para a Chiquinha. Ela deve saber. Nunca soube que alguém disfarçasse um presente...
— Nem eu! O que é que eu faço?
— Aguarde. Ligarei para ela e, em seguida, voltarei a falar com você.
Malvina desligou o telefone com um “tchau, não saia daí”. Menos de um minuto depois, retornou a ligação.
— Amiga, desculpe. Qual é mesmo o seu telefone?
— Malvina, você acabou de me ligar...
— É verdade. Desculpe. Que cabeça!
Felisbina estava a ponto de arrancar os cabelos quando o telefone gritou, de novo, dez minutos depois. Chegou a tomar um baita de um susto.
— Alô? Quem é?
— Sou eu.
— Eu quem?
— Malvina, sua amiga, dois andares acima do seu pavimento.
— Ah, desculpe. Fala minha amiga. Conseguiu contato com a Chiquinha?
— Sim.
— E o que ela falou com relação a disfarçar um presente?
— Ele me disse para você ser prática. Nada de ir em loja e gastar dinheiro com bobagens. Simplesmente se dirija a uma papelaria qualquer aí no centro e encomende uma caixinha de presente bem bonita e, dentro dela, não coloque nada.
— OK. E quanto a Julieta abrir?
— Ela não irá encontrar absolutamente nada, é evidente.
— Mas e a escumadeira de cabo azul?
— Diz a ela que, como pedido, você disfarçou.
— Ela vai saber que é sacanagem de minha parte. Poderá até cortar a nossa amizade...
— Qual o quê! Se ela reclamar, você alega que ela foi com tanta sede e afoiteza ao embrulho, na hora de abrir, que não notou a escumadeira azul no fundo da embalagem. Joga aquela balela do “você não olhou para o meu presente com os olhos da alma, e, sim com a visão da ganância desenfreada". Apimente a cena com umas gotinhas de “magoei”. Sempre cola...
E terminou, acrescentando:
— ...Precisa ter sensibilidade, amiga. Aprenda a ter sensibilidade que você verá a linda escumadeira de cabo azul que lhe trouxe.
— Sei não. Parece esquisito...
— Vai na fé. Dará certo. Confia.
Felisbina passou numa papelaria, comprou uma embalagem chamativa, pediu um embrulho caprichado com direito a lacinho e tudo e se mandou para o local indicado no bilhetinho.
Logo na chegada, por sorte, deu de testa com a Julieta recebendo a galera na porta de entrada. Assim que avistou a amiga, tremeu na base. Não poderia desistir. Já estava lá, carecia seguir em frente. Tentou se achegar à jovem o mais rápido possível e entregar o pacote lindamente preparado. Três ou quatro pessoas, todavia, ao mesmo tempo, se aboletaram ao seu entorno. Sem perder tempo, Felisbina passou-lhe o presente, ou seja, a caixa vazia, o que não causou nenhum alvoroço, de pronto, em face, claro, das demais criaturas que se abraçavam à felizarda, em jubilosa efusividade. Uma semana depois, o telefone tocou. Era a Julieta.
— Oi, Felisbina. Tudo bem? Desculpe, aquele dia quando me entregou o presente, não pude lhe dar muita atenção. Me perdoa, por favor.
— Nada a desculpar. Fique tranquila. E aí, gostou da escumadeira de cabo azul?
Nesse momento, Julieta começou a chorar copiosamente.
— O que foi minha amiga? Não gostou da escumadeira?
— Felisbina, você não vai acreditar. Em meio ao furdunço, alguém me roubou a lembrança que você tão carinhosamente me deu de coração...
— Credo, amiga, logo o meu presente que lhe dei com todo o amor do fundo de minha alma?! Como tal fato pode acontecer?
— Não faço a menor ideia. O sem vergonha ou a vagabunda, sei lá, teve a ousadia de levar o presente e deixar a caixa vazia...
Felisbina, por pouco, não caiu na gargalhada. Achou melhor conter o riso e se solidarizar às frustrações da amiga.
— Meu Deus, Julieta, que horror!
— Bota horror nisso, amiga Felisbina. Estou pasma!
— Eu idem. Você não imagina o meu espanto. A que ponto as pessoas chegaram.
Também se destacavam quadrados brancos e pretos, como um tabuleiro de xadrez, com os guardanapos, ao lado, dobradinhos e à espera de serem usados. Felisbina pegou o curioso envelope, abriu e leu um bilhete que veio grampeado a um cartão-convite. Dizia o seguinte. “Amiga, finalmente vou desencalhar. Deixarei de ser solteira Meu casamento está marcado e será dentro em breve”. CONVIDO VOCÊ PARA O MEU CHÁ DE PANELA QUE DAREI NO DIA DE HOJE”. Abaixo, vinha o dia e a hora, sublinhados com uma caneta esferográfica vermelha, e, claro, o nome de quem promovia o tal encontro: “JULIETA”. Em seguida, o local onde aconteceria o evento. Terminando a singela convocação, uma frase simples, mas de certa forma impositiva: “CONTO COM A SUA PRESENÇA. NÃO FALTE!”. A seguir, um “EM TEMPO” e, na frente, uma pequena linha pontilhada onde a beldade que deixaria a solteirice colocou o que gostaria de ganhar.
E o que exatamente a Julieta gostaria de ganhar da amiga Felisbina Monteverde? Com a mesma caligrafia feia, de quem escreveu o nome dela, como anfitriã, porém, em letras garrafais, o desejo incontido: “ESCUMADEIRA PARA ARROZ COM CABO AZUL”, destaque, entre parentes, a loja e o endereço onde o tal apetrecho poderia ser encontrado. Casa dos Quebra Galhos. E uma observação de suma importância: “FAVOR DISFARÇAR O PRESENTE”. Terminava, por sinalizar o endereço da casa de festa onde aconteceria o encontro. “RUA DAS OLIVEIRAS, 1743 ao lado do EDIFÍCIO POLPA DE LARANJA. O referido prédio é uma torre alta e magra (dá a impressão de estar fazendo regime para se manter em pé), de trinta andares com pastilhas brancas desbotadas de ambos os lados. Em frente a ele, tem uma farmácia. Depois de passar a 100% DVD, uma loja que aluga fitas e bolachões antigos, verá a casa onde receberei as minhas convivas. Não tem como errar”.
Na verdade, o que fez a Felisbina lembrar do tal chá de Panela foi o telefone que, de repente, passou a tocar insistentemente. Ao atendê-lo, sem querer, topou com o convite. Tratou de se livrar do chato que estava do outro lado da linha, assim que leu o dia e a hora. Deu um tapinha na testa, apreensivamente apavorada:
— Caraca. É hoje. Tenho menos de uma hora!
Ligou imediatamente para uma vizinha que morava dois andares acima do seu.
— Malvina? Sou eu, Felisbina...
— Quem? Felisbina? Não conheço nenhuma...
— Do seu prédio, apartamento 405.
— Ah, Felisbina, claro, desculpa pela gafe. Esposa do falecido Carlos Bolinha. Que cabeça, a minha. O que você manda, amiga?
— Estou com um problema. Aliás, um problemão...
— Posso ajudar?
— Tenho de estar em um chá de cozinha, ou de panela, sei lá, qual a diferença, dentro de uma hora e ainda não comprei o presente...
— Calma. O que a pessoa quer ganhar?
— Espere. Deixa ver aqui... li e esqueci.
— Achei: uma escumadeira com cabo azul.
— Fácil, amiga. Vá até o centro, na Casa dos Quebra Galhos e encontrará o que precisa.
— Eu sei. O problema não é esse...
— E qual é?
— A Julieta...
— Quem é Julieta?
— A do chá...
— Ah!, tá bom. E ai?
— Ela quer que eu disfarce o presente. Como é que se disfarça uma porcaria de um presente?
— Qual é mesmo o bagulho que ela pediu?
— Uma escumadeira com cabo azul.
Silêncio momentâneo. Aflição de ambos os lados.
— Amiga, vou ligar para a Chiquinha. Ela deve saber. Nunca soube que alguém disfarçasse um presente...
— Nem eu! O que é que eu faço?
— Aguarde. Ligarei para ela e, em seguida, voltarei a falar com você.
Malvina desligou o telefone com um “tchau, não saia daí”. Menos de um minuto depois, retornou a ligação.
— Amiga, desculpe. Qual é mesmo o seu telefone?
— Malvina, você acabou de me ligar...
— É verdade. Desculpe. Que cabeça!
Felisbina estava a ponto de arrancar os cabelos quando o telefone gritou, de novo, dez minutos depois. Chegou a tomar um baita de um susto.
— Alô? Quem é?
— Sou eu.
— Eu quem?
— Malvina, sua amiga, dois andares acima do seu pavimento.
— Ah, desculpe. Fala minha amiga. Conseguiu contato com a Chiquinha?
— Sim.
— E o que ela falou com relação a disfarçar um presente?
— Ele me disse para você ser prática. Nada de ir em loja e gastar dinheiro com bobagens. Simplesmente se dirija a uma papelaria qualquer aí no centro e encomende uma caixinha de presente bem bonita e, dentro dela, não coloque nada.
— OK. E quanto a Julieta abrir?
— Ela não irá encontrar absolutamente nada, é evidente.
— Mas e a escumadeira de cabo azul?
— Diz a ela que, como pedido, você disfarçou.
— Ela vai saber que é sacanagem de minha parte. Poderá até cortar a nossa amizade...
— Qual o quê! Se ela reclamar, você alega que ela foi com tanta sede e afoiteza ao embrulho, na hora de abrir, que não notou a escumadeira azul no fundo da embalagem. Joga aquela balela do “você não olhou para o meu presente com os olhos da alma, e, sim com a visão da ganância desenfreada". Apimente a cena com umas gotinhas de “magoei”. Sempre cola...
E terminou, acrescentando:
— ...Precisa ter sensibilidade, amiga. Aprenda a ter sensibilidade que você verá a linda escumadeira de cabo azul que lhe trouxe.
— Sei não. Parece esquisito...
— Vai na fé. Dará certo. Confia.
Felisbina passou numa papelaria, comprou uma embalagem chamativa, pediu um embrulho caprichado com direito a lacinho e tudo e se mandou para o local indicado no bilhetinho.
Logo na chegada, por sorte, deu de testa com a Julieta recebendo a galera na porta de entrada. Assim que avistou a amiga, tremeu na base. Não poderia desistir. Já estava lá, carecia seguir em frente. Tentou se achegar à jovem o mais rápido possível e entregar o pacote lindamente preparado. Três ou quatro pessoas, todavia, ao mesmo tempo, se aboletaram ao seu entorno. Sem perder tempo, Felisbina passou-lhe o presente, ou seja, a caixa vazia, o que não causou nenhum alvoroço, de pronto, em face, claro, das demais criaturas que se abraçavam à felizarda, em jubilosa efusividade. Uma semana depois, o telefone tocou. Era a Julieta.
— Oi, Felisbina. Tudo bem? Desculpe, aquele dia quando me entregou o presente, não pude lhe dar muita atenção. Me perdoa, por favor.
— Nada a desculpar. Fique tranquila. E aí, gostou da escumadeira de cabo azul?
Nesse momento, Julieta começou a chorar copiosamente.
— O que foi minha amiga? Não gostou da escumadeira?
— Felisbina, você não vai acreditar. Em meio ao furdunço, alguém me roubou a lembrança que você tão carinhosamente me deu de coração...
— Credo, amiga, logo o meu presente que lhe dei com todo o amor do fundo de minha alma?! Como tal fato pode acontecer?
— Não faço a menor ideia. O sem vergonha ou a vagabunda, sei lá, teve a ousadia de levar o presente e deixar a caixa vazia...
Felisbina, por pouco, não caiu na gargalhada. Achou melhor conter o riso e se solidarizar às frustrações da amiga.
— Meu Deus, Julieta, que horror!
— Bota horror nisso, amiga Felisbina. Estou pasma!
— Eu idem. Você não imagina o meu espanto. A que ponto as pessoas chegaram.
Fonte:
Texto enviado pelo autor, integrante de seu livro “Comédias da Vida na Privada”.
Texto enviado pelo autor, integrante de seu livro “Comédias da Vida na Privada”.
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