quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Barão de Itararé (Versos Diversos) 1

CUIDADO

A mútua simpatia, que nos liga,
Não deveria temer nenhum traidor.
Mas bem compreendo, minha doce amiga
Que é preciso ocultar o nosso amor.

Não quer isto dizer que não prossiga
A te amar, cada vez com mais ardor -
Mas... alguém nos vigia e alguma intriga
Pode toldar o céu, todo fulgor.

Evitemos, portanto, de nos ver.
Nós sabemos o quanto nos amamos,
A minha vida é tua, a tua é minha,

Paciência, pois, que havemos de vencer!
Por enquanto, somente, precisamos
Muita cautela e... caldo de galinha.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

JURAMENTO

Juro, por Deus, por tudo que é sagrado
E pela santa luz que me ilumina,
Que teu olhar me deixa transtornado
E, ao mesmo tempo, me fere e me fulmina.

Por causa desse olhar enfeitiçado,
Pelo feitiço da sua luz divina,
Nem Deus, que tudo vê, não imagina,
Por quantas privações tenho passado.

Basta de dor! Já chega o que hei sofrido!
Serás minha, aconteça o que aconteça,
Porque não será em vão que te contemplo.

Mas se não for por ti correspondido,
Juro que meto um tiro na cabeça,
Na cabeça... de um prego, por exemplo.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

MALCRIADA

Essa jovem que vês — um anjo louro —
Já foi o alvo do meu sincero afeto.
Morava com a avó, o mais completo
Modelo de mulher, talhado em ouro.

Mas a avozinha achava um desaforo
A perspectiva de um futuro neto.
Por isso mesmo, nem por um decreto,
Queria consentir no tal namoro.

Quando me via, a avó lhe perguntava:
"Quem é aquele rapaz impertinente,
Que anda contando as lajes da calçada?”

E ela, séria, pois nada a perturbava,
Respondia com cara de inocente:
"Esse rapaz é o noivo da criada!..."
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

PROPOSTA

Um rapaz serio, esplêndido estudante,
Já cansado da vida de solteiro,
Considerando a crise apavorante,
Quer casar-se com moça de dinheiro.

Esse rapaz sou eu... Quero primeiro
Ver vil metal e ver papel "sonante"...
Depois... detalhes á posta restante,
Pois não tenho confiança no carteiro.

Um casamento assim é um jugo brando...
Prisão perpétua, que, de quando em quando,
Pode aceitar uma ordem de "habeas-corpus".

Se a deidade é de idade já avançada,
Tenho uma condição estipulada:
— União de bens, separação de corpos.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

TRAGÉDIA

Eram dois entes que o amor um dia,
Com ternos laços, sólidos, ligou.
Ele — de coração a estremecia;
Ela — jamais por outro suspirou.

Viveriam eles numa paz eterna,
Se um dia não surgisse grossa briga
A sogra foi meter-se na baderna
E levou uma facada na barriga.

A rapariga ao ver a sua mãe morta
Espichada no chão, de boca torta,
Caiu também, de lágrimas coberta...

E o pobre do rapaz, alucinado,
Atirou-se do alto do sobrado,
Deixando a sogra e... a janela aberta…

Fonte:
Apporelly (Barão de Itararé). Pontas de cigarros: livro de versos diversos. Rio de Janeiro: O Globo, 1925.  (II Parte – Cobras e Lagartos)

Nenhum comentário: