Já lá vão seis anos...
Eu via sempre, por volta das dez horas, passar-me pela porta a pequena Berta.
Era a filha mais nova do meu vizinho confeiteiro.
Que linda Berta! Chamavam-na, por graça, a menina azul. Dava razão a isso o saiote azul, que ela trajava sempre, e o corpete de cabeção, azul ainda como a saia, e os olhos cor de céu e os louros cabelos quase brancos, com brilhos metálicos anilados, e, ainda mais, a coloração fina que sombreava-lhe a alvura da face, reflexo não sei se do corpete azul, se do azul luminoso dos olhos.
Perfeitamente encantadora, a criança...
À pequenina da minha rua, um freguês do confeiteiro comia bolos ao almoço.
Berta os levava.
Eu gostava de vê-la passar, trazendo nas mãos, à altura dos ombros, uma pequena bandeja, coberta por um guardanapo alvíssimo. Mais lindos sete anos, nunca vi, nem mais perfumosos bolos.
A menina passava, caminhando rápido; altiva e tímida como uma antílope. Os cabelos cortados rente, deixavam-lhe descoberta a nuca, móvel e branca como um pescoço de cisne. Após ela, ia o apetitoso perfume da massa tostada dos bolos, quentes e fumegantes ainda.
Berta atirava-me um sorriso de malícia inocente e ficava logo muito séria, quase ameaçadora. Eu lançava-lhe punhados de violetas, só para vê-la pisar as flores com o seu adorável desdém...
De repente, Berta desapareceu. Perguntei por ela. Morrera.
............................................................
O freguês da esquina ainda come bolos, ao almoço, como há seis anos.
O meu vizinho confeiteiro ainda os fornece como outrora.
Apenas já não os leva a menina azul.
Há seis anos que os portadores variam.
Atualmente, quem passa com os bolos, é um garotinho maltrapilho, que anda de cabeça baixa, desconfiado, olhando de través, com uns modos de cãozinho escorraçado...
Para mim, entretanto, apesar dos meus olhos, é Berta ainda quem os leva.
Quando o garotinho passa é a menina azul que eu vejo.
Aquele perfume de massa tostada e quente desperta-me ao vivo o risonho quadro das boas manhãs doutro tempo.
Distingo o olhar e o sorriso de Berta, os seus movimentos tímidos e altivos de antílope; vejo-a ainda pisando com o seu adorável desdém as minhas pobres violetas...
O garotinho, com certeza não sabe porque sorrio-me para ele, quando ele passa.
Responde ao meu sorriso com uma careta amável, ingênua e idiota...
Um destes dias, pediu-me um vintém...
Apesar de tudo, para mim, a portadora dos bolos continua a ser Berta, a menina azul.
Eu via sempre, por volta das dez horas, passar-me pela porta a pequena Berta.
Era a filha mais nova do meu vizinho confeiteiro.
Que linda Berta! Chamavam-na, por graça, a menina azul. Dava razão a isso o saiote azul, que ela trajava sempre, e o corpete de cabeção, azul ainda como a saia, e os olhos cor de céu e os louros cabelos quase brancos, com brilhos metálicos anilados, e, ainda mais, a coloração fina que sombreava-lhe a alvura da face, reflexo não sei se do corpete azul, se do azul luminoso dos olhos.
Perfeitamente encantadora, a criança...
À pequenina da minha rua, um freguês do confeiteiro comia bolos ao almoço.
Berta os levava.
Eu gostava de vê-la passar, trazendo nas mãos, à altura dos ombros, uma pequena bandeja, coberta por um guardanapo alvíssimo. Mais lindos sete anos, nunca vi, nem mais perfumosos bolos.
A menina passava, caminhando rápido; altiva e tímida como uma antílope. Os cabelos cortados rente, deixavam-lhe descoberta a nuca, móvel e branca como um pescoço de cisne. Após ela, ia o apetitoso perfume da massa tostada dos bolos, quentes e fumegantes ainda.
Berta atirava-me um sorriso de malícia inocente e ficava logo muito séria, quase ameaçadora. Eu lançava-lhe punhados de violetas, só para vê-la pisar as flores com o seu adorável desdém...
De repente, Berta desapareceu. Perguntei por ela. Morrera.
............................................................
O freguês da esquina ainda come bolos, ao almoço, como há seis anos.
O meu vizinho confeiteiro ainda os fornece como outrora.
Apenas já não os leva a menina azul.
Há seis anos que os portadores variam.
Atualmente, quem passa com os bolos, é um garotinho maltrapilho, que anda de cabeça baixa, desconfiado, olhando de través, com uns modos de cãozinho escorraçado...
Para mim, entretanto, apesar dos meus olhos, é Berta ainda quem os leva.
Quando o garotinho passa é a menina azul que eu vejo.
Aquele perfume de massa tostada e quente desperta-me ao vivo o risonho quadro das boas manhãs doutro tempo.
Distingo o olhar e o sorriso de Berta, os seus movimentos tímidos e altivos de antílope; vejo-a ainda pisando com o seu adorável desdém as minhas pobres violetas...
O garotinho, com certeza não sabe porque sorrio-me para ele, quando ele passa.
Responde ao meu sorriso com uma careta amável, ingênua e idiota...
Um destes dias, pediu-me um vintém...
Apesar de tudo, para mim, a portadora dos bolos continua a ser Berta, a menina azul.
Fonte:
Raul Pompéia. Contos. Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística da UFSC.
Raul Pompéia. Contos. Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística da UFSC.
Nenhum comentário:
Postar um comentário