terça-feira, 28 de setembro de 2021

Carolina Ramos (Folclore em Versos) O Canto do Uirapuru*

Lenda da Amazônia


Tudo é quietude! Dolente,
trina a flauta de bambu:
- e a mata escuta, silente,
o canto do Uirapuru!
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Pequenina e graciosa,
a índia, cor de canela,
tinha voz meiga, maviosa...
e a tanga verde e amarela.

Olhos de corça amansada,
mais negros do que o saci,
era feliz... porque amada
por um guerreiro tupi.

Na verde mata, fez ninho.
E a cantar seu grande amor,
parecia um passarinho,
a adejar de flor em flor!

Mas... o guerreiro, malvado,
seu carinho desprezou,
e por outra apaixonado,
o ninho antigo deixou!

Foi definhando, angustiada,
aquela índia menina,
pelo noivo abandonada...
e a guardá-lo na retina!

Enfim... Tupã, condoído,
a abrandar-lhe a triste sorte,
dá-lhe à vida outro sentido,
para poupá-la da morte;

- Numa avezinha encantada,
cor auri-verde-canela,
foi a índia transformada
e voz maviosa revela!

Uirapuru é seu nome
e pelas frondes viçosas,
toda a angústia que a consome,
canta... em notas dolorosas!

Seu trinar, límpido e triste,
a mata escuta silente!
E a mágoa que nele existe,
é a mágoa que a gente sente!

Numa pergunta constante,
dorida. Uirapuru diz
ao seu amado distante:
- Tão triste estou!... És feliz?!..
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* Nota do blog sobre a lenda: Existem várias versões da lenda do Uirapuru. Abaixo coloco três delas:

01

Tupã estava zangado por causa do barulho ensurdecedor que havia na floresta.

– Isto não pode continuar, dizia consigo o Todo-Poderoso.

Era só surgir por ali um guainumbi, com seus trilos estridentes, que a passarada toda se punha a arreliar: as acauãs gritavam, berravam os araçaris, chilreavam os maracanãs, martelavam as guirapongas, chalravam as anhumas e os araporós. Um inferno! Tupã não agüentava mais! Sentara-se numa branca nuvem a pensar, a pensar, quando ouviu certo murmúrio:

- Araã! Araã!

Baixou os olhos e sorriu. Poucas vezes Tupã sorria, mas, desta vez, luziu-lhe pelo semblante um ar de simpatia. Lá estava, debruçada sobre a relva, uma linda menina. Chorava a pobrezita. Tupã condoeu-se e desceu ao campo.

– Que tens? Por que choras?

Ouvindo a voz de Tupã, ofegante o peito e suspensa a respiração, calou-se a indiazinha. Assim, volveu ao Deus os olhos tão úmidos como a várzea no tempo de enchente.

– Que tenho? Ururau, o cacique, comigo não quis casar… Preferiu Araúna que melhor soube flechar…

Tupã se enterneceu. Ururau, chefe da tribo, para escolher a esposa, havia determinado a prova: venceria quem flechasse no vôo o nobre anajé. Araúna acertara.

– Teu nome?

- Chamo-me Oribici… Ó Tupã, faze de mim uma ave, para que eu possa ver se, de fato, Ururau ama Araúna…

- Oribici! – disse Tupã – atenderei a teu pedido. Porém, teu nome daqui para frente será Uirapuru.

No mesmo instante, no céu límpido e sereno, um raio esfuziou. Tupã desapareceu, e da relva, onde até então jazera Oribici, derramando lágrimas sem fim, nascia uma fonte de água clara. Tão copioso fora seu pranto, que dele surgiu um novo córrego.

E Oribici? Ninguém mais a viu. Entretanto, apareceu naquele sítio um pequeno pássaro vermelho-telha – o uirapuru.

Momentos depois, pousava num alto jacarandá, próximo à taba do cacique. Lá estava Ururau abraçado à Araúna. Eles se amavam. E o uirapuru fez:

- Araã! Araã!

O cacique ouviu-o e sobressaltou-se.

– Que houve? – perguntou Araúna.

– Estranho o canto desse pássaro… Espere. Volto já…

E lá se foi o guerreiro como que fascinado pelo Araã que ouvia… Quanto mais se distanciava, mais longe ouvia os sons daquela voz.

Escureceu, mas Ururau caminhava… caminhava sem cessar.

– Araã! – gritava lá longe.

– Araã! – respondia o eco.

– Araã! Araã! – seu ouvido escutava.

Em dado momento, no meio da noite, na densa floresta escura, o uirapuru cantou. Era um canto divino, cheio de uma desconhecida melodia, como que trazida do céu. Ururau ficou enfeitiçado e, assim, caminhou durante vários dias, sem caçar, sem pescar, sem comer, através da mataria.

– Araã! – soavam os rios.

– Araã! – faziam até seus passos.

Ele, que tinha suas tabas nos campos frios de Curirama, começou a sentir os calores excessivos das ipueiras do Pindorama. E a antiga tribo nunca mais viu de volta o seu valoroso chefe.

Não se sabe o que aconteceu, porém diz o povo que Ururau enlouqueceu e anda à procura do uirapuru pelas matas. Esse destino é a vingança de Oribici que o amava tanto.
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02

Unauá é uma índia de voz encantadora que um dia se vê cercada por três índios de uma tribo inimiga. Temendo ser atacada, faz o que pode para fugir. Primeiro, busca abrigo no alto de uma árvore.

Depois, canta para pedir ajuda aos guerreiros de sua própria tribo. Abençoada pelo deus Anhum, Unauá consegue escapar ao transformar-se no uirapuru, pássaro dono do mais belo e raro canto da floresta.
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03

Certo jovem, não muito belo, era admirado e desejado por todas as moças de sua tribo por tocar flauta maravilhosamente. Deram-lhe então, o nome de Catuboré, flauta encantada. Entre as moças, a bela Mainá conseguiu o seu amor; casar-se-iam durante a primavera.

Certo dia, já próximo do grande dia, Catuboré foi à pesca e de lá não voltou.

Saindo a tribo inteira à sua procura, encontraram-no sem vida, à sombra de uma árvore, mordido por uma cobra venenosa. Sepultaram-no no próprio local.

Mainá, desconsolada, passava várias horas a chorar sua grande perda. A alma de Catuboré, sentindo o sofrimento da sua noiva, lamentava-se profundamente pelo seu infortúnio. Não podendo encontrar paz, pediu ajuda ao Deus Tupã. Este, então, transformou a alma do jovem no pássaro irapuru, que, mesmo com escassa beleza, possui um canto maravilhoso, semelhante ao som da flauta, para alegrar a alma de Mainá.

O cantar do irapuru ainda hoje contagia com seu amor os outros pássaros e todos os seres da natureza.

Fontes:
A Lenda em Versos (trova e poema):
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021.
Livro enviado pela autora.

Textos da Lenda:
- Waldemar de Andrade e Silva. Lendas e mitos dos índios brasileiros. 
São Paulo, FTD, 1997.
- Hermínio de Campos Melo. In MELO, Anísio (org.). Estórias e lendas da Amazônia. São Paulo, Livraria Literat Editora, 1962. Antologia ilustrada do folclore brasileiro.
- Paulinho Tapajós. A lenda do Uirapuru. Ed. Nova Fronteira, 2012.

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