Não se pode deixar de admirar suficientemente o modo por que o eminente sirdar Ben-Zuff Kalogheras vai conseguindo de modo eficaz e rápido a eficiência do nosso Exército.
Em começo, ele estudou a disposição das forças nacionais, segundo cartas mineralógicas e geológicas.
S. Exa. o sirdar, em chefe, é, como se sabe, muito bom engenheiro de minas. Em seguida, continuou nas suas inovações militares e tratou da indumentária, não só dos soldados e oficiais, como da dele.
Da primeira parte, sempre os sirdar-ministros tiveram o cuidado de tratar como dos primeiros atos dos seus ministérios, por isso que julgaram sempre que, mudando o hábito, faziam o monge; da segunda, entretanto, eles nunca julgaram coisa imprescindível, mesmo quando eram oficiais.
Ben-Zuff Kalogheras, porém, achou necessário experimentar modelos em sua própria pessoa.
Primeiramente, pôs à prova um uniforme de viajante inglês que se vê na gravura em visita às pirâmides: um chapéu de cortiça e um fichu azul. Feito isto, montou num camelo. Parece coisa imprópria; mas, a muitos, pareceu o contrário.
Não contente com isto e, também, porque lhe disseram que o tal fichu era para evitar as oftalmias, produzidas pelo revérbero da luz do sol nas areias do deserto, tratou de arranjar um outro mais adequado ao Rio de Janeiro.
Encomendou a um adelo um vestuário de cowboy ou, antes, de vaqueiro mexicano, pelo qual mandou fazer um novo de excelente brim cáqui.
Completo o indumento, pôs vestuário, perneiras, um par de grandes esporas de rosetas, um chapéu cômico cheio de guizos; e foi embarcar as tropas que partiam para uma expedição. Até aí não parou a fúria do seu amor à novidade de uniformização ministerial. Reparando que o traje de rigor, para conferenciar com o quediva-presidente, não era bastante distinto ou original, apareceu-lhe em conferência de calças brancas, sem colete, camisa à mostra e paletó de alpaca.
O quediva formalizou-se e mastigou censuras.
Por fim, disse o soberano:
— Sirdar!
— Alteza!
— E nesse traje que os seus amanuenses se apresentam perante Vossa Excelência, em serviço?
— Não, Alteza. Por quê?
— Por quê? Porque julguei lhe tivessem ensinado essa moda de vestuário, para falar aos superiores.
Ele, o sirdar, encafuou, voltou a usar sobrecasaca com fez vermelho, que ele deixava na ante-sala, quando ia ao despacho. Assim, sem merecer censuras, conservava a sua originalidade… militar.
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ARTE DE GOVERNAR
Quando o príncipe Epi subiu ao trono de rajá de Bengabul, toda a gente exultou, porque um cidadão da América, chamado Vilsão, tinha em grande conta os seus méritos de cantor de modinhas. Ele ia fazer grandes coisas, inclusive a felicidade do povo.
Vivia este na mais atroz desgraça. Não tinha casas em que morasse e os gêneros de primeira necessidade andavam pela hora da morte. Segundo propalava, ele iria dar remédio a isso tudo e a fartura havia de reinar nos lares pobres.
Epi era pequenino e vaidoso, mais pequeninos e vaidosos do que ele, porém, os que o cercavam. Gostavam de festas e macumba e, logo que o viram no trono, trataram de arrumar muita festança.
Depois de sua ascensão, não havia dia em que, por este ou aquele motivo, não houvesse um bródio suculento.
E os seus auxiliares diziam:
— Isto é que é governo! Epi sabe governar!
Não contente com festas caseiras, tratou de arranjar outras com príncipes estrangeiros.
Chamou para visitar o país o príncipe das ilhas Alentianas, que imediatamente veio visitá-lo. O príncipe era um patagão reforçado e sabia remar em canoa como ninguém.
Epi fez uma despesa louca para recebê-lo e em pessoa cuidou de todos os aprestos. Durante a sua estadia no país que foi de um mês, por delicadeza, todos se calaram; mas, mesmo assim, o rajá meteu na cadeia cinco mil pobres-diabos.
Isto tudo ele fazia para o rei ver.
Os trinta dias em que o soberano esteve no pais foram de grossa pagodeira. Passeios, cantorias, etc. encheram o vazio da significação da visita e o povo até parecia contente.
Com esta simulação de felicidade, Epi ganhou foros de bem saber a arte de governar.
Fonte:
Lima Barreto. Histórias e sonhos. Belém/PA: Unama.
Lima Barreto. Histórias e sonhos. Belém/PA: Unama.
Publicado originalmente em 1920.
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