domingo, 12 de setembro de 2021

Carolina Ramos (Um dia pesado)

Ao sair de casa, pela manhã, puxou ligeiramente a manga da jaqueta azul, consultando o relógio. Caso perdesse o ônibus, era certo chegar mais uma vez atrasado à firma.

Um rápido olhar ao longo da rua pôs por terra esperanças, ao comprovar que o ônibus já se fora e... por menos de um minuto, a tempo de ver-lhe o traseiro sumir na primeira curva. Que azar!

Perder uma noite de sono, olhos grudados na TV para ver as cores nacionais olimpicamente batidas... e ainda ter que enfrentar a cara feia do patrão - cada dia mais feia por conta dos contínuos atrasos - decididamente, não era fácil!!

O fuso horário da Austrália, adotado desde o início dos jogos, estava acabando com sua vida útil. O sono, brevíssimo, interrompido pelo alarido do televisor, não satisfazia às necessidades mais prementes. Acordava moído, estremunhado, abatido pela carga emocional, mais pesada ainda porque sem o relaxamento sadio propiciado por uma vitória gratificante, que apaga qualquer cansaço!

Não adiantava chorar sobre as derrotas, nem lamentar a perda da condução. Era esperar por outro ônibus, que só o levaria até metade do caminho, obrigando-o a uma baldeação para completar o percurso.

Quando desceu do primeiro ônibus, o comércio principiava a abrir portas.

Relaxava, à espera do segundo, quando foi abordado por um pivete armado de estilete, que lhe levou a carteira, o relógio e a jaqueta, deixando-o de algibeiras vazias.

Teria de voltar para casa a fim de reabastecer os bolsos murchos. Antes disso, porém, teria que esmolar alguns níqueis para a passagem, pois ficara a zero.

Ruminava o desgosto, quando novo vulto suspeito aproximou-se. Pôs-se em guarda. Suspeitas confirmadas: - Vai passando a grana logo... Isto é um assalto.

Foi então que perdeu as estribeiras, encarando o meliante:

- Que grana, cara?!... Que grana?! Seu amiguinho, ainda agora, levou minha carteira... levou minha jaqueta, meu relógio e tudo o mais que eu tinha!!! Quantas carteiras você acha que alguém leva consigo?! Não tenho nem um real!! Nem sequer para uma passagem de ônibus! Vocês são todos uns bandidos que deviam estar trancafiados no xadrez! Por que não vai trabalhar? Eu sei... eu sei... é mais fácil afanar o dinheiro honesto daqueles que molham o pão no suor de cada dia... Eu sei!...

Falava de um fôlego! Quase parou de respirar ao ser surpreendido com a atitude do larápio, que, primário e condoído com as palavras da vítima, lhe estendia uma nota de dez reais, instando para que aquele homem desesperado, e agora perplexo, a aceitasse.

Foi, justamente... quando a viatura encostou no meio fio.

Dois policiais, cara fechada e mão no coldre, não mostravam dúvidas: - Com a boca na botija, hein, cara?!

Ainda atônito e sem tempo para explicações, o ex-dono da jaqueta azul viu-se algemado e atolado num carro entre dois atletas!

De nada lhe valeram os protestos! Nem as tentativas de explicação! Fora pego em ação, tomando o dinheiro de um trabalhador que, ante a situação agravada, acelerara as canelas, sumindo como fumaça ao sopro da brisa.

- Mas, o que é isso, gente...?!! Era ele que estava me assaltando! Eu juro!!! Juro pelo que vocês quiserem!

- Cala essa boca aí, seu... seu mentiroso. Ou a coisa vai piorar muito! Quer fazer agente de bobo?! Né?!

Calou-se. Na delegacia, tudo esclarecido. E tudo acabaria em paz se Rodrigo não tivesse tido a infeliz lembrança de ligar para o patrão.

- Olá, seu Júlio, é o Rodrigo. Peço que o senhor me desculpe por mais este atraso. Depois eu explico. Ainda vou demorar um pouquinho... é que estou na delegacia... fui preso por assalto... mas...

- O quê...?! Preso por assalto ?! Eu bem que já desconfiava de você, seu malandro... sem-vergonha!... Logo vi que não era boa coisa! Sempre com essa cara sonolenta de quem gosta da noite ou... vive drogado. Um assalto!... Vejam só!... Não faltava mais nada!!... Pode ficar por aí mesmo... Que aí é o seu lugar! Por aqui, eu não quero vê-lo nem pintado... nunca mais! Está despedido... e por justíssima causa!!!

- Mas... seu Júlio... ouça... por favor...

O pasmo de Rodrigo foi quebrado por um desaforado Plac! – telefone desligado com violência!

Impossibilitado de dizer uma só palavra, Rodrigo encostou-se à parede, tão pálido quanto o seu espanto!

- Despedido?!... E por justa causa?!!!

Aos poucos, uma raiva surda, vinda do mais íntimo do seu ser, rugiu ameaçadora precipitando-se para fora! Lava de vulcão... cuja cadência foi alcançar os dois guardas que o haviam arrastado até a delegacia.

- Seus canalhas... seus... idiotas!... Eu não disse que era inocente?! Olhem só no que deu a "cabeçudagem" de vocês! Fui despedido!!! Ouviram bem?! Fui des-pe-di-do! Perdi o meu emprego, seus cabeças duras! Seus... seus...

Não encontrou classificação que o satisfizesse e nem conseguiu concluir os próprios pensamentos. A quebradeira e os chutes, simultâneos aos protestos, foram mais do que suficientes para que o trancafiassem numa cela! - Agora, sim, com culpa definida e devidamente formalizada: - Desrespeito à autoridade!

Fonte:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021. Capítulo 5: Contos rústicos, telúricos e outros mais.

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