segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Barão de Itararé (Versos Diversos) 2

INCONTENTADO


Apenas um olhar, pedi-Ihe um dia,
Para acalmar meu coração no peito.
Mil olhares, assim como queria,
Recebi-os, que olhares não rejeito.

Depois, pedi um sorriso... E ela sorria,
Duma maneira tal, dum certo jeito,
Que, apesar de sorrir como eu pedia,
Não me achava, contudo, satisfeito.

Depois pedi-lhe am beijo... convencido
Que ela fosse negar) mas a imoral
Permitiu que a beijasse em plena face.

Outras coisas pedi. E, aborrecido,
Por não me ter negado, eu, afinal,
Pedi, por  Deus, que nunca mais me olhasse.
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MEU FRAQUE

No guarda-roupa eu tenho um belo fraque,
Meu traje predileto de passeio.
Quando de tarde o visto, até receio
Que a minha namorada se embasbaque.

Quando me quero dar certo destaque,
Vai aos bailes comigo e não faz feio.
Amigo da miséria, resgatei-o
Duas vezes que foi ao bric-a-brac.

Um fraque assim no mundo igual não há
Parece novo, pois ninguém dirá,
Que já cinquenta invernos completou.

Esse meu fraque fica-me tão justo,
Que quando o visto, eu mesmo, às vezes, custo,
Acreditar que foi do meu avô...
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MEU LEITO

Naquele canto escuro está meu leito,
Cama de vento, um colchão pegado...
nessa pobre cama que me deito,    -
Quando venho da rua fatigado.

Nessa mesma cama que hei sonhado
Muito sonho d'amor, que está desfeito...
D’uma feita sonhei que fui eleito
Senador, mas não sei por qual Estado.

Muito embora não tenha travesseiro,
O sangue não me sobe... nem me desce,
Circulando em seus rítmicos harpejos.

Passaria deitado o dia inteiro,
Se essa cama de vento não tivesse
Tantas pulgas e tantos percevejos...
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 SONHO DOURADO


Se eu fosse rico, casaria contigo…
Na certa, que a proposta aceitarias...
E te juro que em mim encontrarias
Marido fiel e dedicado amigo.

Depois, juntos, iríamos viajar...
Não na Europa, que lá tu não me vias.
Mas podíamos fazer todos os dias
Uma volta no bonde circular.

O mundo todo morreria de inveja.
Sozinhos ficaríamos na vida,
Passeando sempre de vestidos novos.

Mas eu sou pobre qual ratão de igreja...
Consola-te comigo, pois, querida,
Porque a homem põe e... o diabo come os ovos.
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TEU OLHAR

Deixa beber na luz do teu olhar,
A inspiração para fazer meus versos.
Não te importes... Deixa o povo falar...
O mundo é assim... Os homens são perversos.

Mas que tens, hoje? Que te fiz, querida?
Não me trates assim, não sejas má.
Deixa beber a luz apetecida...
Revira bem os olhos para cá.

Ah! Teu olhar tem algo de sublime,
Que não vejo no resto das mulheres
E que a palavra do homem não exprime.

Por esse olhar, passado de ternura,
Dou um dente, meu bem, e, si quiseres,
Sou capaz de dar toda a dentadura...

Fonte:
Apporelly (Barão de Itararé). Pontas de cigarros: livro de versos diversos. Rio de Janeiro: O Globo, 1925.  (II Parte – Cobras e Lagartos)

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