A DESCIDA
Homem, remove este rochedo e a rara
galeria interior contempla e estuda;
desce, e da terra pela ossada muda
leva tua razão de ciência avara.
Na treva expira a luz há pouco clara,
o ar em sulfúreo gás já se transmuda:
coragem! desce, e os séculos saúda,
desce mais, desce mais... agora para.
Mas não! Lá fulge um fogo subterrâneo:
– e mergulhas no cérebro do globo,
– e lhe penetras de outro lado o crânio.
Desce! não! Sobe agora; um brilho intenso
banha-te o corpo, e num heroico arroubo
eis-te boiando no oceano imenso.
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AMIGO
O rochedo é deserto. Ele avança.... recua...
e é preciso morrer, contudo. O vento geme
pavorosas canções nas árvores; a lua
pela face cio mar, triste, indecisa treme.
Ele vacila; o abismo é pérfido, quem sabe
se a morte não será pior que a própria vida,
que a vida tormentosa e estúpida que cabe
àquele, cujo peito é uma aberta ferida?
Porém, silêncio – um grito ao longe como um canto
de saudade gemeu, um lamento de dó,
e logo um cão chegava, em cujo olhar o pranto
parecia pedir que o não deixasse só.
Ansiava soturno, o olhar na imensidade,
o tronco erguido ao vento, o aspecto hirto, selvagem;
meditou: vida... morte... inferno... eternidade...
– o corpo ergueu, volteou e... tombou na voragem.
Por um momento o cão esperou anelante;
pressentindo, porém,
que ele não vinha mais, num uivo lancinante,
atirou-se também.
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CÓLERA DO MAR
(A Assis Brasil)
Disse o rochedo ao mar, que plácido dormia:
“Quantos milênios há que, tu, negro elefante,
tragas covardemente esses, cuja ousadia
se arriscou em teu dorso enorme e flutuante?”
O mar não respondeu; mas um tufão horrendo
cavou-lhe a entranha e fez estremecer de medo
o coração do abismo. Então o mar se erguendo,
atirou um navio aos dentes do rochedo!
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O POLVO
Polvo da eterna dor, debalde apertas
em teus fortes tentáculos sedentos
a humana essência, contra a qual despertas
em teu furor os vários elementos.
Por mais que o gosto em rudes sofrimentos,
por mais que em cardos os rosais convertas,
hão de ao Homem jorrar novos alentos
da consciência as termas sempre abertas.
Assim ao mar, que canta, estua e brama,
há séculos o sol, polvo de chama,
em cada raio suga-lhe uma gota.
Mas a seus pés, batidos, noite e dia,
os continentes bradam à porfia:
“Rios ao mar!” e o mar nunca se esgota.
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OS FERREIROS
Ó vultos varonis, resplandecentes
ao rutilar fecundo do trabalho,
que à pobreza buscastes agasalho
nas forjas inflamadas e candentes:
Sois os Messias, que ensinais às gentes
a despir do Passado o vil frangalho:
rompe um sol, cada vez que tomba o malho,
porque sois outros tantos orientes.
Fazei rolar a esplêndida cascata
do trabalho incessante pelas vazas
das rochas da Matéria, a progredir...
Que essas chispas ardentes, que desata
vossa bigorna, orvalho são de brasas
para a flor luminosa do Porvir.
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VOGANDO
(A Afonso Celso Júnior)
Desliza rio abaixo incerta proa:
ninguém a bordo: preso a duro laço,
chora um caído remo ausente braço.
Que porto busca a singular canoa?
Mas eis que além, com rápido fracasso,
um rochedo invisível a abalroa,
e momentos após, de espaço a espaço,
fragmentos soltos vão boiando à toa...
Mais infeliz do que o baixel sombrio,
vou eu singrando da existência o rio,
tendo a bordo o cadáver do Passado.
E não achar, como ele, um arrecife
que despedace as tábuas deste esquife,
na corrente sem fim arrebatado!
Fonte:
Augusto de Lima. Contemporâneas. Publicado originalmente em 1887.
Disponível em Domínio Público.
Augusto de Lima. Contemporâneas. Publicado originalmente em 1887.
Disponível em Domínio Público.
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