sexta-feira, 31 de março de 2023

Cláudio de Cápua (A noiva italiana)


Num destes dias, cruzei na rua, com o Felipe da Silva Neves. Vinha ele com cara de quem comeu e não gostou. Estava pálido e preocupado... Trazia na mão um jornal Diário.

- O que há, Felipe? Perguntei, com interesse.

- Graziella!

Fiquei surpreso.

– Caramba, Felipe, ainda não esqueceu essa italianinha?

E claro, preciso dizer, que o Felipe, de dois anos para cá, caíra, lamentavelmente, nos braços de uma tremenda depressão nervosa. E sabem por que? Por uma bobagem! Um mero noivado interrompido!

Semanas e meses, Felipe me contara e recontara os encantos de uma certa italianinha, a quem fizera a corte, e com quem acabara oficializando noivado. Estive em casa da família Di Jordano, e apresentei calorosas homenagens, à bela jovem, sem dúvida, muito atraente! Meses depois, venho a saber que o noivado do Felipe com a Graziella, terminara. Como amigo íntimo do Felipe, recebi dele o seguinte comentário;

- Eu sou o culpado, de tudo!

O problema de entender era meu.

Fosse lá o que fosse, tinham transcorrido, quase dois anos e agora Felipe me aparecia pálido e transtornado. Resolvi ajudar, dando-lhe uma sacudidela.

- Vamos terminar com isso! Há quase dois anos você desmanchou o noivado e há seis meses não mencionava essa tal italianinha. Pensei que a tivesse esquecido! E agora me vem com essa! Veja lá, tenha a santa paciência! É babaquice demais!

Felipe respondeu, calmamente:

- Não é nada disso, que você está pensando. Você se interessaria em saber o motivo do fim do nosso noivado?

- Claro que sim!

- Estávamos próximo do casamento, cerca de uns 90 dias para sua realização, quando comprei aquele Opala branco. Eu sabia que a Graziella tinha carteira de habilitação. Num sábado, em que resolvemos dar um passeio até Santos, minha noiva resolveu pedir o volante. Ela não dirigia mal, mas, tinha um defeito; gostava de velocidade. Ainda em São Paulo, cruzou nada menos que cinco sinais vermelhos, antes de pegarmos a via Anchieta, em direção a Santos. E então, é que a maldita esnobou. Nas curvas, fazendo miséria, sem sequer diminuir a velocidade, ultrapassando carros à direita e á esquerda ... E, volta e meia, lá estava ela fechando alguém.

Em certo momento, fiz-lhe uma observação. Fechou a cara e continuou com as barbaridades ao volante. À certa altura, surgiu um guarda rodoviário, ela nem ligou para o sinal que ele lhe fez. Fomos, ou fui multado, à revelia. Chegamos em Santos. Dei-lhe uma valente bronca e a resposta foi:

- Você é homem ou maricas?

Ao entrar na praça Mauá, não diminuiu a velocidade e, por um triz, não nos chocamos com o ônibus elétrico. O motorista do ônibus, lhe disse os diabos. E a maldita lhe devolveu tudo em dobro. Que língua!

- Resultado: cavalheirescamente, desci do carro. O motorista ficou com o nariz esborrachado e eu, com um dente partido.

A essa altura, interrompi a narração, e indaguei se havia acontecido algo de mais grave.

- Sim. Desse dia em diante, não nos entendemos mais. E o resultado foi o rompimento,

- Bom, e daí?

- E você acha pouco? Afinal, ela era adorável, mais tinha um gênio ...

- É, Felipe, não há dúvida de que você se aborreceu, com razão. Mas, isso já era. E você já estava consolado. Por que é que hoje está remoendo tudo, de novo?

Felipe deu-me o Diário que trazia;

- Leia, aí na página policial, a manchete principal.

- Lá estava; Marido leva tiro no testículo. O motivo, foi ter ele criticado o panetone de Natal, feito pela sogra.

- A esposa criminosa é Grazlella Di Jordano Chaves, meu caro amigo. E o meu choque, ao ler a notícia, foi imaginar que a vítima, ao invés do Chaves, poderia ter sido eu.

Fonte:
Cláudio de Cápua. Era uma vez… (coletânea de contos). Comptexto: outubro 1989.

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