sexta-feira, 10 de março de 2023

Francisco José Pessoa (Tamanho não é documento… nem sempre)

Zé Pequeno era tratado assim mesmo, carinhosamente, pelos amigos do bairro em que morava. Dentro dos seus 1 metro e vinte, rara vez fazia-se tristonho. Um sorriso ingênuo era ponto final das inúmeras saudações que respondia no seu caminhar diário como cobrador de uma loja de confecções,

Honesto e afável no tratamento com clientes devedores, quase sempre retornava ao local de trabalho com os carnes em dia.

Numa de suas abordagens para fins laborais, bate à porta de uma cliente cujo nome não sabia pronunciar. Senhora Anneken, uma holandesa com respeitável "pé direito" - 1 metro e oitenta era pouco - após saber o porquê daquela visita, fez sala ao dócil cobrador. Justificativas dadas, carnê quitado, Zé Pequeno despede-se com um tímido cumprimento e um sorridente obrigado.

A mesma cena se repete no mês seguinte. A estrangeira, divorciada, mãe de cinco filhos, morava sozinha e sentia necessidade de conversar com alguém. Pergunta vai, resposta vem, faz com que o nosso Zé se solte mais. Foi convidado para retornar àquela casa sempre que quisesse tomar um chazinho com biscoitos.

Entusiasmado com aquele pedaço grande de mulher, Zé Pequeno não só se viciou do chá, mas também do biscoito. Embora sem estatura para tal, assumiu as funções de vigilante noturno da residência da gringa. Daí, para fazê-la companhia no leito, foi um nadinha. Tornou-se um cão de guarda da metade inferior da cama da Sra. Anneken, Trabalhava segundo sua estatura.

Depois de um ano, o modus operandi do vigilante era o mesmo. Tal fato faz lembrar a alegoria de certo filósofo. Nessa nossa república, só o rosto do Zé alcançava a entrada da caverna. Para ele, a realidade do prazer. Para Anne, sombras, nada mais. Desfaz-se o namoro.

O Bairro dos Prazeres é sacudido com a chegada de um circo mambembe. Miúda, anã graciosa, faz par artístico com o atirador de facas. O ingresso das segundas-feiras a preço popular atrai Zé Pequeno, que é atraído por aquela estrela circense de quem não tira os olhos. Encerrado o espetáculo, o cobrador, também estrela na arte de abordagem, procura Miúda que se trocava em sua tenda. Não podia bater na porta como fazia em suas cobranças. Chama-a pelo nome. Um "quem é" de espanto atravessa a lona um tanto surrada e faz eco com o nome do cobrador. Abre-se o véu.

- Sim, pois não!

- Boa noite... como já disse, chamo-me Zé... chamam-me Zé Pequeno!

Não sei se com chá e biscoitos, o certo, é que Zé Pequeno achou na medida o que queria. Até a cama de dormir. Acertou na mosca. Passou a sentir o gosto de outros lábios... o de Miúda. Deu adeus aos carnês, seguiu com a trupe, e foi pai de cinco filhos. Em cada caverna, um mistério!

Fonte:
Enviado pelo autor.
Francisco José Pessoa de Andrade Reis. Isso é coisa do Pessoa: em prosa e verso. Fortaleza/CE: Íris, 2013.

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