quinta-feira, 2 de março de 2023

Cecim Calixto (Cajado de Sonetos) X


AUTORRETRATO

Quando estou triste a inspiração me vem
Arrebatar o que a memória sente.
Inda acrescento: a solidão faz bem
Às variações da esplendorosa mente.

Minha tristeza é essencial também
Quando atrelada à predileta ausente.
Sinto que danço no salão do além
Nos braços lânguidos da Euterpe ardente.

Saudade traz a solidão gostosa...
E a letra exata me apresenta honrosa
A diretriz do magistral poema.

E tange o som do meu lirismo santo
Na aprovação do meu pungente canto
Exposto em tela sem nenhum dilema.
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DISCREPÂNCIA

Vou resgatar o meu maior anelo
Que vem de longe, de um passado vil.
E foi por ele que enfrentei duelo
Contra deveres e o destino hostil.

Por este amor fiz e travei libelo
E preservei este prazer senil
Que não padece ante qualquer flagelo
Nem arrefece o coração viril.

O meu anseio por amá-lo tanto
Vem de menino que bebeu o encanto
Do beijo ardente no mais temo abrigo.

Tristonho assisto o original contexto:
Ser atirado num imundo sexto
Sem proteção de um matutino amigo.
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DOAÇÃO AMIGA

Quero que chova como chove a chuva
Sobre as verduras cá do meu pomar.
E traga frio de enxotar saúva
E de encher rios que se vão ao mar.

Se vem com sol vai se casar viúva,..
Depois a trégua, para o campo arar.
Termino o trecho e já descalço a luva
Para o meu trago semanal no bar,

Trabalho muito, pois compensa à faina,
Para o retorno que a algibeira amaina
Na crise insana que a lavoura assola,

Parte do fruto com orgulho cedo
Ao bom vizinho, sem nenhum segredo,
Que sempre ajuda sem pedir esmola.
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FESTA DE IGREJA NO INTERIOR

APARECIDA, jubilosa enseja
A bela festa que dezembro traz.
Há muita gente na pequena igreja,
Sinal que mostra que a oração apraz.

Além da Santa, o coração deseja
Ouvir a banda da regência audaz.
Leitão assado na legal bandeja
Mostra que o frango logo vem atrás.

No átrio largo o povo espera aflito
Do fogueteiro o memorável grito
Para a soltura do rojão primeiro.

Alegre fogo todo o céu clareia
E a multidão presente à praça cheia,
Percebe o afago do fiel Romeiro.
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JOTA

Nada mais temo que este amor menino,
Pois sobrevive sem nenhum pecado,
Despertando a alma como um forte sino
E arrefecendo o sentimento amuado.

Beijo inocente, é como o som de um hino,
Dos lábios rubros de emoção untado.
É a doce marca do sabor mais fino
Nas horas caras com seu bem amado.

E aquele tempo do colégio brota
E traz à mente aquela letra jota
Que foi amor, hoje eternal amiga.

Quanta lembrança me acalenta o senso:
Traz a doçura do passado imenso
E aflora o pranto da ternura antiga.

Fonte:
Cecim Calixto. Flores do meu cajado: sonetos. Curitiba: Juruá, 2015.

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