D. Mariana Vaz está no derradeiro mês do primeiro ano de viúva. São 15 de dezembro de 1880, e o marido faleceu no dia 2 de janeiro, de madrugada, depois de uma bela festa do ano-novo, em que tudo dançou na fazenda, até os escravos. Não me peçam grandes notícias do finado Vaz ou, se insistem por elas, ponham os olhos na viúva. A tristeza do primeiro dia é a de hoje. O luto é o mesmo. Nunca mais a alegria sorriu sequer na casa que vira a felicidade e a desgraça de D. Mariana.
Vinte e cinco anos, realmente, e vinte e cinco anos bonitos, não deviam andar de preto, mas cor-de-rosa ou azul, verde ou granada. Preto é que não. E, todavia, é a cor dos vestidos da jovem Mariana, uma cor tão pouco ajustada aos olhos dela, não porque estes também não sejam pretos, mas por serem moralmente azuis. Não sei se me fiz entender. Olhos lindos, rasgados, eloquentes; mas, por agora quietos e mudos. Não menos eloquente, e não menos calado é o rosto da pessoa.
Está a findar o ano da viuvez. Poucos dias faltam. Mais de um cavalheiro pretende a mão dela. Recentemente, chegou formado o filho de um fazendeiro importante da localidade; e é crença geral que ele restituirá ao mundo a bela viúva. O juiz municipal, que reúne à mocidade a viuvez, propõe-se a uma troca de consolações. Há um médico e um tenente-coronel indicados como possíveis candidatos. Tudo trabalho vão! D. Mariana deixa-os andar, e continua fiel à memória do morto. Nenhum deles possui a força capaz de o fazer esquecer; — não, esquecer seria impossível; ponhamos substituir.
Mas, como ia dizendo, estava-se no derradeiro mês do primeiro ano. Era tempo de aliviar o luto. D. Mariana cuidou seriamente em mandar arranjar alguns vestidos escuros, apropriados à situação. Tinha uma amiga na corte, e determinou-se a escrever-lhe, remetendo-lhe as medidas. Foi aqui que interveio a tia dela, protetora do juiz municipal:
— Mariana, você por que não manda vir vestidos claros?
— Claros? Mas, titia, não vê que uma viúva...
— Viúva, sim; mas você não vai ficar viúva toda a vida.
— Como não?
A tia foi ao cabo:
— Mariana, você há de casar um dia; por que não escolhe já um bom marido? Sei de um, que é o melhor de todos, um homem honesto, sério, o Dr. Costa...
Mariana interrompeu-a; pediu-lhe que, pelo amor de Deus, não lhe tocasse em tal assunto. Moralmente, estava casada. O casamento dela subsistia. Nunca seria infiel ao “seu Fernando”. A tia levantou os ombros; depois lembrou-lhe que fora casada duas vezes.
— Oh! titia! São modos de ver.
A tia voltou à carga, nesse dia à noite, e no outro. O juiz municipal recebeu uma carta dela, dizendo que aparecesse para ver se tentava alguma coisa. Ele foi. Era, na verdade, um rapaz sério, muito simpático, e distinto. Mariana, vendo o plano concertado entre os dois, resolveu vir em pessoa à corte. A tia tentou dissuadi-la, mas perdeu tempo e latim. Mariana, além de fiel à memória do marido, era obstinada; não podia suportar a ideia de lhe imporem coisa nenhuma. A tia, não podendo dissuadi-la, acompanhou-a.
Na corte tinha algumas amigas e parentas. Elas acolheram a jovem viúva com muitas atenções, deram-lhe agasalho, carinhos, conselhos. Uma prima levou-a a uma das melhores modistas. D. Mariana disse-lhe o que queria: sortir-se de vestidos escuros, apropriados ao estado de viúva. Escolheu vinte, sendo dois inteiramente pretos, doze escuros e simples para uso de casa, e seis mais enfeitados. Escolheu também chapéus noutra casa. Mandou fazer os chapéus, e esperou as encomendas para seguir com elas.
Enquanto esperava, como a temperatura ainda permitia ficar na corte, Mariana andou de um lado para outro, vendo uma infinidade de coisas que não via desde os dezessete anos. Achou a corte animadíssima. A prima quis levá-la ao teatro, e só o conseguiu depois de muita teima; Mariana gostou muito.
Ia frequentes vezes à Rua do Ouvidor, já porque lhe era necessário provar os vestidos, já porque queria despedir-se por alguns anos de tanta coisa bonita. São as suas palavras. Na Rua do Ouvidor, onde a sua beleza era notada, correu logo que era uma viúva recente e rica. Cerca de vinte corações palpitaram logo, com a veemência própria do caso. Mas, que poderiam eles alcançar, eles da rua, se os da própria roda da prima não alcançavam nada? Com efeito, dois amigos do marido desta, rapazes da moda, fizeram a sua roda à viúva, sem maior proveito. Na opinião da prima, se fosse um só talvez domasse a fera; mas eram dois, e fizeram-na fugir.
Mariana chegou a ir a Petrópolis. Gostou muito; era a primeira vez que lá ia, e desceu cortada de saudades. A corte consolou-a; Botafogo, Laranjeiras, Rua do Ouvidor, movimento de bondes, gás, damas e rapazes, cruzando-se, carros de toda a sorte, tudo isto lhe parecia cheio de vida e movimento.
Mas os vestidos fizeram-se, e os chapéus enfeitaram-se. O calor começou a apertar muito; era necessário seguir para a fazenda. Mariana pegou dos chapéus e dos vestidos, meteu-se com a tia na estrada de ferro e seguiu. Parou um dia na vila, onde o juiz municipal a cumprimentou, e caminhou para casa.
Em casa, depois de descansada, e antes de dormir teve saudades da corte. Dormiu tarde e mal. A vida agitada da corte perpassava no espírito da moça como um espetáculo mágico. Ela via as damas que desciam ou subiam a Rua do Ouvidor, as lojas, os rapazes, os bondes, os carros; via as lindas chácaras dos arredores, onde a natureza se casava à civilização, lembrava-se da sala de jantar da prima, ao rés-do-chão, dando para o jardim, com dois rapazes à mesa, — os tais dois que a requisitaram à toa. E ficava triste, custava-lhe fechar os olhos.
Dois dias depois, apareceu na fazenda o juiz municipal, a visitá-la. D. Mariana recebeu-o com muito carinho. Tinha no corpo o primeiro dos vestidos de luto aliviado. Era escuro, muito escuro, com fitas pretas e tristes; mas ficava-lhe tão bem! Desenhava-lhe o corpo com tanta graça, que aumentava a graça dos olhos e da boca.
Entretanto, o juiz municipal não lhe disse nada, nem com a boca nem com os olhos. Conversaram da corte, dos esplendores da vida, dos teatros, etc.; depois, por iniciativa dele, falaram do café e dos escravos. Mariana notou que ele não tinha as finezas dos dois rapazes da casa da prima, nem mesmo o tom elegante dos outros da Rua do Ouvidor; mas achou-lhe em troca, muita distinção e gravidade.
Dois dias depois, o juiz despediu-se; ela instou para que ele ficasse. Tinha-lhe notado no colete alguma coisa análoga aos coletes da Rua do Ouvidor. Ele ficou mais dois dias; e tornaram a falar, não só do café, como de outros assuntos menos pesados.
Afinal, seguiu o juiz municipal, não sem prometer que voltaria três dias depois, aniversário natalício da tia de Mariana. Nunca ali se festejara tal dia; mas a fazendeira não achou outro meio de examinar bem se as gravatas do juiz municipal eram semelhantes às da Rua do Ouvidor. Pareceu-lhe que sim; e durante os três dias de ausência não pensou em outra coisa. O jovem magistrado, ou de propósito, ou casualmente, fez-se esperar; chegou tarde; Mariana, ansiosa, não pôde conter a alegria, quando ele transpôs a porteira.
“Bom! disse consigo a tia; está caída.”
E caída ficou. Casaram-se três meses depois. A tia, experiente e filósofa, acreditou e fez crer que, se Mariana não tem vindo em pessoa comprar os vestidos, ainda agora estaria viúva; a Rua do Ouvidor e os teatros restituíram-lhe a ideia matrimonial. Parece que era assim mesmo porque o jovem casal pouco tempo depois vendeu a fazenda e veio para cá. Outra consequência da vinda à corte: — a tia ficou com os vestidos. Que diabo fazia Mariana com tanto vestido escuro? Deu-os à boa velha. Terceira e última consequência: um pequerrucho.
Tudo por ter vindo ao atrito da felicidade alheia.
Fonte:
Disponível em Domínio Público.
Publicado originalmente em A Estação, em 31 de julho de 1883.
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