quinta-feira, 2 de março de 2023

Cecy Barbosa Campos (Mudanças)

As montanhas circundavam a pequena cidade como se a protegessem. Árvores sentinelas completavam a guarda, altaneiras em seu verde-exército. Ao centro, a Igreja, a praça, a rua principal, que existe em todas as cidadezinhas, distinguindo-se das outras, mais estreitas, ladeadas por casas avarandadas, com pintura desbotada e flores coloridas, enfeitando, contrastivamente, o jardim bem cuidado.

Na rua principal, as lojas se apresentavam entulhadas, com artigos representativos das diversas atividades e profissões. Armarinhos, tecidos, objetos de decoração, panelas, tudo de que se precisasse poderia ser encontrado. As quitandas ou vendas eram providas, suficientemente, de verduras, frutas, arroz, feijão, fubá e outros produtos alimentícios. Até mesmo os galináceos eram ali encontrados, e as donas de casa, hábeis cozinheiras, engendravam cardápios caprichados, podendo até oferecer à família um requintado frango ao molho pardo em qualquer dia da semana, já que o problema da degola da ave era facilmente resolvido.

O tempo passava devagar. Qualquer ida ao mercado ou à Igreja podia se prolongar por horas, dependendo do "papo" que se estabelecia entre os amigos que se encontravam pelo caminho. No regresso à casa, o marido ou a esposa rememorava as novidades que tinham sido apreendidas e, antecipadamente, já se deliciavam ao pensar no almoço saboroso apimentado pelas fofocas que seriam degustadas conjuntamente.

Enquanto andavam pelas ruas tranquilas, os habitantes daquela cidadezinha ouviam, vez por outra, o som do rádio. Ecoavam as vozes de Francisco Alves, Carlos Galhardo, Ângela Maria... As letras românticas eram assimiladas e, muitas vezes, entoadas por homens e mulheres, velhos e crianças, mesmo que trechos de uma canção se misturassem ás palavras de outra, ou que o ritmo não estivesse perfeito. De qualquer forma, havia música no coração de cada um, naquele tempo distante, naquela e em outras cidadezinhas do interior. Os jovens, cheios de sonhos, identificavam-se com os artistas e se imaginavam cantando em programas de auditório superlotados e ouvindo os fãs gritarem seus nomes, no arroubo da paixão,

À tardinha, depois do jantar, as famílias colocavam cadeiras nas calçadas e as conversas se estendiam, de vizinho a vizinho, intercaladas por broinhas, biscoitos e doces caseiros. As portas abertas permitiam o vai e vem de uns, na casa do outro para pegar um copo d’água, ver o belo cacho de bananas que tinha sido colhido ou para uma corridinha ao banheiro. Esta comunhão acontecia de forma despreocupada e sem apreensões, pois ladrões, malfeitores ou policiais perigosos não existiam naquele tempo.

Entretanto, o progresso foi chegando e afugentando as crianças que brincavam nas ruas. Foi trancando as portas e colocando grades nas janelas. As casas foram se transformando em prisões e o medo tirou a alegria daqueles que antes viviam livremente.

Com o progresso, vieram os freezers e ninguém mais encontrou tempo de cultivar sua verdura no quintal ou de plantar flores no jardim. Os congelados facilitaram a vida de quem não mais tem tempo de matar o frango para o molho pardo. O som do rádio foi trocado pelo barulho de potentes aparelhos, e as conversas com os amigos, que se revezavam nas cadeiras da calçada, foram substituídas por insossos programas de televisão que acabaram com as conversas, até mesmo em família. 

As casas foram substituídas pelos espigões, que escondem a luz da lua e das estrelas. As árvores desapareceram, e os barracos mal se equilibram morro acima. Que penal Quanta diferença! 

A minha cidadezinha cresceu e tornou-se uma das maiores cidades do Estado. Parece que as pessoas mudaram também e, a respeito disto, é melhor guardar um silêncio bem mineiro sobre o assunto.

Fonte:
Enviado pela escritora.
Cecy Barbosa Campos. Recortes de Vida. Varginha/MG: Ed. Alba, 2009.

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