quarta-feira, 15 de março de 2023

George Abrão (Crendices da minha infância)

As crianças de hoje, tão instruídas pela Internet e pela mídia, já em quase nada mais creem, para elas tudo é natural e cientificamente comprovado. Mas, quando eu era criança (há muito tempo!), era compelido a aceitar muitas crendices, e as aceitava. Talvez, algumas delas fossem para que eu não fizesse nada errado ou perigoso, outras para que não cometesse gula ou outros pecadilhos. Lembro-me de tantas coisas que hoje podem soar inocentemente, mas que para mim eram regras de vida:

Na mesa de café, se por um acaso, eu estivesse comendo um pedaço de pão e este caísse ao chão, vovó me dizia:

- Recolha e beije o pão, menino, pois assim nunca lhe faltará alimento e também porque no pão está Nosso Senhor Jesus Cristo.

E eu, obedientemente, recolhia o pão e o beijava.

À noite, quando nos sentávamos na calçada frontal de nossa casa e eu começava a apontar as estrelas com os dedos, lá vinha recriminação:

- Não faça isso, pois irão nascer verrugas em suas mãos!

E eram tentas as recomendações:

Quando eu brincava de pular carniça com os meus amigos, mandavam-nos parar, pois criança que é pulada para de crescer; se assobiasse à noite chamaria cobras; não se podia deixar o chinelo virado, pois assim o pai ou a mãe poderia morrer; e comer manga com leite? Fazia muito mal; pepino com leite era veneno (se fosse assim a raça árabe teria se extinguido, pois sempre como pepino com coalhada e estou vivo); se eu comesse banana à noite, passaria mal (e o estômago tem relógio?); se eu cruzasse com um gato preto na rua teria sete anos de azar (e o que tem a cor do gato com isso?); se passasse por debaixo do arco-íris eu viraria mula sem cabeça (e como passaria por baixo de um fenômeno luminoso?); e a melhor de todas: se eu cantasse na quaresma viraria mula de padre (seria a mula do padre diferente das outras?).

E com a casa, todos os cuidados eram poucos:

Se quebrasse um espelho teria sete anos de azar; uma vassoura colocada atrás da porta espantava as visitas chatas; se jogasse sal no fogo espantaria o azar; colocar um elefante (enfeite) sobre um móvel traria dinheiro, só que o bicho deveria estar com a tromba erguida e com o traseiro virado para a porta; jamais um guarda-chuva deveria ser aberto dentro de casa, pois isso traria infortúnios e problemas familiares.

E em minha vivência:

- Se eu, ao mentisse, que fizesse figa ou cruzasse os dedos atrás, nas costas, pois assim não seria condenado pelo pecado; na festa do meu aniversário eu devia desembrulhar o presente, colocá-lo sobre a cama e jogar o papel debaixo dela, para ganhar mais; quando estivesse chovendo muito e eu desejasse que a chuva passasse, deveria jogar uma peneira no meio do quintal ou colocar um ovo na janela para Santa Clara; e quando eu perdia um dente deveria colocá-lo no parapeito da janela e dizer: - “Ratinho, ratão, leve este dente e traga-me “cincão” (cinco cruzeiros, na época)”. Às vezes ele trazia!

Quando eu saia para a rua, minha mãe sempre recomendava:

- Filho, não passe por debaixo de escada, dá azar! (e até poderia dar, se uma lata de tinta ou uma ferramenta caísse sobre a minha cabeça).

E sete era o número da mentira.

E agosto o mês do desgosto.

E sol com chuva previa casamento de viúva.

E sexta-feira 13? Dia aziago.

E a melhor crendice de todas:

A mulher que tem o segundo dedo do pé maior que o primeiro, manda no marido! (Por isso, meus amigos solteiros, antes de casar olhem bem nos pés das namoradas. Para os que já são casados não tem mais jeito, o negócio é obedecer!)

Fonte:
Enviado pelo autor.
George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017.

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