terça-feira, 21 de março de 2023

Carolina Ramos (Folclore Brasileiro) Amazonas

A Amazônia, mercê dos encantos oferecidos pela pujança de sua flora e fauna,  atrai não só os que a procuram por interesse turístico, mas também desperta e cada vez mais incrementa a cobiça mundial de olhos voltados para as riquezas entesouradas no seu solo.

E é lá que o folclore avulta a correr livre como se, "num rasgo de benevolência da Natureza, a Amazônia inteira tivesse sido escolhida para perfeito habitat e abrigo de mitos, lendas e de personagens os mais diversos, tais como Curupiras, Caiporas, Sacis, Saçurás, Uiaras e demais entidades que se acoitam naquele mundo verde que pulsa, irrigado pela pujança dos rios ainda não rendidos à poluição ambiental."

Várias comemorações ligadas ao folclore agitam anualmente as cidades dos amazonenses, como o Festival da Canção Itacoatiara, Festival de Ciranda de Manacapuru e o famoso Festival Folclórico de Parintins. Este município, durante os três dias que encerram o mês de junho, ferve de entusiasmo acompanhando as disputas entre o Boi Caprichoso, que defende as cores Azul e Branca, e o Boi Garantido, que "briga" pela cor Vermelha. Nessa competição,
mitos e lendas indígenas são exploradas nas letras das músicas que incluem rituais indígenas e regionais e levam a plateia ao delírio.

Várias Lendas enfeitam as páginas da tradicional cultura amazonense. Impossível não começar pela maior delas que é a do Eldorado. Sobre essa lenda, temos em mãos o livro "A fascinação dourada", de autoria de J. Muniz, do IHG de Santos, o nosso "Marechal do Samba", como será explicado no momento oportuno. Na obra citada, J. Muniz inclui, à guisa de prefácio, um texto esclarecedor de Manoelito Teixeira Lima, onde se lê: "O mitônimo "Eldorado" significa lugar de ouro. Litré o vê como um pretendido país que teria sido descoberto por um tenente de Pizarro, na América do Sul".

Teixeira Lima também cita J. O. de Meira Penna, que explica: - "Eldorado inscreveu-se entre os três arquétipos míticos da ficção brasileira, a saber: Visão do Paraíso, Inferno Verde e Eldorado".

É evidente que a história do Eldorado faz parte da história do ouro do Brasil sempre impregnada de lirismo, de imaginação e que se estendeu por todo o mundo, em particular pela península ibérica, estimulando tanto a curiosidade como também a gula dos interesses, através dos tempos, o que, por sua vez, contribuiu bastante para o desenvolvimento da região amazônica.

J. Muniz relata a ousada "passagem dos fenícios e hebreus pela monumental Amazônia, digna de admiração e que continua envolta por muita magia, escondendo segredos e mistérios que aguçam a curiosidade do homem moderno". - Termina a introdução de sua obra, citando palavras do escritor Amorim Neto: -"A Amazônia será eternamente bruta e indomável... Inteligência alguma descreverá a sua beleza e rebeldia"... E exalta, ao terminar: - "Dentro das tuas selvas sombrias guardarás, por toda a vida, os tesouros da tua riqueza fabulosa e os mistérios das tuas lendas fascinantes".

A Lenda do Guaraná

Esta lenda tem por base um casal de índios que não tinha filhos, embora muito desejasse ter... pelo menos um. E isto era motivo de grande sofrimento.

O deus Tupã, reconhecendo o merecimento do jovem casal, acabou por satisfazer-lhe esse desejo. 

O menino chegado foi recebido com muita alegria pela tribo inteira. Crescia cercado de muito afeto e carinho, o que acabou por enciumar Jurupari, deus da escuridão e do mal, que, envenenado pela inveja, tramou-lhe a morte.

Numa tarde, a criança embrenhada na floresta procurava frutos. Jurupari, sob o aspecto de uma cobra venenosa, consumou sua vingança! A triste notícia espalhou-se rapidamente pela tribo e uma tempestade violenta, precedida por trovoada e relâmpagos, apavorou toda a aldeia.

Para a desesperada mãe do menino morto, aqueles trovões soaram como se fossem "mensagem expressa de Tupã, a aconselhá-la a "plantar" os olhos da criança, no local em que ela fora morta - o que daria origem a uma viçosa planta, cujos frutos seriam sempre muito doces".

O conselho foi seguido. E, naquele lugar onde os olhinhos do menino foram "plantados", nasceu o guaraná, cujas sementes negras, cercadas por uma película branca, muito se parecem com olhos humanos.

A Lenda da Uiara ou lara 

A riqueza das lendas da Amazônia! Talvez a mais conhecida e uma das mais belas seja a Lenda da Iara, ou Uiara, entidade meio mulher, meio peixe, sempre sentada à beira d'água, a pentear seus cabelos verdes como algas, enquanto o fascínio da sua beleza leva para o fundo do lago os incautos apaixonados atraídos pela magia do seu mavioso "canto de sereia".

Contam alguns que os cabelos da Iara não eram verdes, e, sim, negros, e que ela era, a princípio, não uma sereia, mas uma jovem índia, que vivia com o pai e dois irmãos. Estes, enciumados pela atenção que o pai dedicava à irmã, decidiram-se a eliminá-la. Ao perceber o perigo, a Iara, tentando defender-se, acabou por matá-los. 

Temerosa da ira do pai, fugiu, então, para a floresta, chegando exausta à beira do rio Solimões, sendo adotada pelos peixes e acabando por transformar-se naquela Sereia que sobe à superfície das águas e atrai jovens incautos com sua voz melodiosa. Sentada à margem do rio, ela penteia os longos cabelos verdes (ou negros), escondendo sempre a cauda de peixe, que é mantida mergulhada nas águas.

É assim que a Iara consegue arrastar para o fundo do lago (lagoa ou rio), os jovens ingênuos que se deixam enfeitiçar pela maviosidade da sua voz - ao concretizar sua vingança de punir os homens, que ela diretamente implica no fato que a levou a ser transformada em Sereia.

Origem do Rio Amazonas (lenda)

A criação do Rio Amazonas tem várias explicações, dentro do imaginário. Segundo uma delas, o imenso rio foi criado pelas lágrimas derramadas pela Lua, ao ver-se separada do seu amado, o Sol, sabendo-se condenada a brilhar apenas à noite, enquanto ele somente durante o dia poderia aparecer. Deste modo, aos dois enamorados, Cuara e Jassy (Sol e Lua), por determinação do deus Tupã, jamais seria permitido um encontro, uma vez que a ardência daquele amor, tão grande e impetuoso, poderia pôr em risco o equilíbrio do próprio mundo!

Boiuna de Prata

A Boiuna de Prata, diz a lenda, é o reflexo da própria Lua, "que chega até a Terra, a afundar navios, a fascinar e desencaminhar meninas, sob a forma de uma grande cobra de prata (o luar), que se esgueira coleante por entre a mata".

"Atraídas pelo fascínio do luar, ou seja, pela Boiuna de Prata, as meninas incautas acabam por ter sua felicidade roubada". Os olhos dessa cobra "iluminam, como dois grandes faróis". 

Ao arremate do assunto que envolve o riquíssimo folclore amazonense, impossível esquecer Macunaíma, esse "herói sem nenhum caráter", "esculpido em letras" pelo paulistano Mário de Andrade, que, no romance, lançado em 1928, usa como protagonista essa mesma figura vivificada, anos antes, por Theodor Koch-Grünberg, etnologista alemão, cujas pesquisas sobre os indígenas, lendas e mitos amazônicos, continuamente exploradas pelos estudiosos, teriam dado base ao trabalho de Mário de Andrade, o que resultou numa acusação de plágio. Entretanto, aquele Macunaíma, ativado e elaborado pelo escritor paulistano, acabou por ampliar e fazer crescer bastante o interesse pelo folclore amazonense, acabando por tomar-se protagonista de um filme. Nesta obra, escrita com bastante humor e linguagem peculiar, Mário de Andrade acentua a falta de caráter dessa personagem clonada do tal "jeitinho brasileiro", feito da contumaz esperteza e malandragem, que esbanja e que fingimos tolerar, embora nos desabone aos olhos do mundo.

Conduzido por Mário de Andrade, Macunaíma tripudia dentro do folclore nacional, imiscuindo-se em suas lendas, mitos e crendices. O sucesso da obra, porém, embora tropece em algumas críticas, acaba por trazer de retorno ao autor a prestigiosa conceituação de ter escrito "uma das mais importantes obras modernistas, numa época em que ele, Mário de Andrade, ferrenho defensor da Semana de Arte Moderna de 22, procurava, por todos os meios, "ridicularizar a maneira de expressão usada pelo Romantismo".

Outro nome, ligado ao acervo folclórico do Amazonas, é o do compositor Waldemar Henrique, que, embora nascido no Pará, inspirou-se bastante no folclore amazonense ao compor grande parte do seu alentado acervo musical, a exemplo das músicas: - Foi boto, Sinhá!, Cobra grande, Coco peneruê, Uirapuru, Curupira, e outras mais.

Fonte:
Enviado pela autora.
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: 
publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021.

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