“OSCILA O INCENSÓRIO ANTIGO“
Oscila o incensório antigo
Em fendas e ouro ornamental.
Sem atenção, absorto sigo
Os passos lentos do ritual.
Mas são os braços invisíveis
E são os cantos que não são
E os incensórios de outros níveis
Que vê e ouve o coração.
Ah, sempre que o ritual acerta
Seus passos e seus ritmos bem,
O ritual que não há desperta
E a alma é o que é, não o que tem.
Oscila o incensório visto,
Ouvidos cantos ‘stão no ar,
Mas o ritual a que eu assisto
É um ritual de relembrar.
No grande Templo antenatal,
Antes de vida e alma e Deus...
E o xadrez do chão ritual
É o que é hoje a terra e os céus…
= = = = = = = = = = = = = = = = = =
“O SOL QUE DOURA AS NEVES AFASTADAS”
O sol que doura as neves afastadas
No inútil cume de altos montes quedos
Faz no vale luzir rios e estradas
E torna as verdes árvores brinquedos...
Tudo é pequeno, salvo o cume frio,
De onde quem pensa que do alto não vê
Vê tudo mínimo, num desvario
De quem da altura olhe quanto é.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =
O sol queima o que toca.
O verde à luz desenverdece.
Seca-me a sensação da boca.
Nas minhas papilas esquece.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =
“O SOM DO RELÓGIO”
O som do relógio
Tem a alma por fora,
Só ele é a noite
E a noite se ignora.
Não sei que distância
Vai de som a som
Pegando, no tique,
Do taque do tom.
Mas ouço de noite
A sua presença
Sem ter onde açoite
Meu ser sem ser.
Parece dizer
Sempre a mesma coisa
Como o que se senta
E se não repousa.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =
“OUÇO SEM VER, E ASSIM, ENTRE O ARVOREDO”
Ouço sem ver, e assim, entre o arvoredo,
Vejo ninfas e faunos entremear
As árvores que fazem sombra ou medo
E os ramos que sussurram de eu olhar.
Mas que foi que passou? Ninguém o sabe.
Desperto, e ouço bater o coração -
Aquele coração em que não cabe
O que fica da perda da ilusão.
Eu quem sou, que não sou meu coração?
= = = = = = = = = = = = = = = = = =
“OUTROS TERÃO”
Outros terão
Um lar, quem saiba, amor, paz, um amigo.
A inteira, negra e fria solidão
Está comigo.
A outros talvez
Há alguma coisa quente, igual, afim
No mundo real. Não chega nunca a vez
Para mim.
"Que importa?"
Digo, mas só Deus sabe que o não creio.
Nem um casual mendigo à minha porta
Sentar-se veio.
"Quem tem de ser?"
Não sofre menos quem o reconhece.
Sofre quem finge desprezar sofrer
Pois não esquece.
Isto até quando?
Só tenho por consolação
Que os olhos se me vão acostumando
À escuridão.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =
“O VENTO SOPRA LÁ FORA”
O vento sopra lá fora.
Faz-me mais sozinho, e agora
Porque não choro, ele chora.
É um som abstrato e fundo.
Vem do fim vago do mundo.
Seu sentido é ser profundo.
Diz-me que nada há em tudo.
Que a virtude não é escudo
E que o melhor é ser mudo.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =
UNS VERSOS QUAISQUER
Vive um momento com saudade dele
Já ao vivê-lo...
Barcas vazias, sempre nos impele
Como a um solto cabelo
Um vento para longe, e não sabemos,
Ao viver, que sentimos ou queremos...
Demo-nos pois a consciência disto
Como de um lago
Posto em paisagens de torpor mortiço
Sob um céu ermo e vago,
E que nossa consciência de nós seja
Uma coisa que nada já deseja...
Assim idênticos à hora toda
Em seu pleno sabor,
Nossa vida será nossa anteboda:
Não nós, mas uma cor,
Um perfume, um meneio de arvoredo,
E a morte não virá nem tarde ou cedo...
Porque o que importa é que já nada importe...
Nada nos vale
Que se debruce sobre nós a Sorte,
Ou, tênue e longe, cale
Seus gestos... Tudo é o mesmo... Eis o momento...
Sejamo-lo... Pra quê o pensamento?...
Nenhum comentário:
Postar um comentário