quarta-feira, 15 de março de 2023

Leda Maria Bechara (O fim da festa)

Amanhece. Rita se espreguiça preparando o corpo para mais um dia de expediente. E uma tarefa árdua, porém gratificante. Levanta-se já animada e se banha, enquanto sua mãe prepara seu café. Afinal o dia será puxado. Amanhece também para Beto e Toninho, no apartamento em que moram dividindo despesas. Levanta, Beto! Diz Toninho apressado: Temos que passar ainda na lavanderia para pegar as roupas que vamos precisar. Beto abre os olhos sonolentos e se espreguiça longamente. Num pulo chega ao banheiro e volta de lá já banhado e vestido. O café é na padaria em frente. Estas três pessoas formam um grupo de amor, consciência, altruísmo e abnegação. Seu trabalho: Animação de festa infantil; sua doação: trazer de volta esperança num hospital de crianças acometidas pelo câncer.

Quantos pequeninos já felizes faziam sorrir e quantos outros tornavam felizes no seu compromisso com a alegria. Chegaram a lavanderia e de lá correram para o hospital. Vestiram-se apressadamente e maquiaram-se na mesma velocidade. Rita magrinha e de estatura mediana vestia uma fantasia de palhaço, cor de rosa com grandes pompons lilases. Combinava uma peruca lilás anelada, um chapeuzinho rosa choque e uma grande flor amarela presa a ele. Toninho alto e gordinho vestia uma camisa xadrez, uma enorme gravata borboleta, uma calça de cetim amarelo ouro e um sapato de palhaço de uns 40 cm de comprimento, na cabeça um minúsculo chapéu vermelho. Beto envergava uma camisa de cetim vermelha, gravata amarela e uma calça larga com bambolê na cintura, Esta em xadrez vermelho e branco, os suspensórios eram vermelhos. Na calça, Beto colocava pequenos brinquedos que na hora da "festa" distribuía às crianças. A maquiagem era apropriada e o nariz vermelho e redondo completava o traje. Enquanto se caracterizavam iam assumindo a postura da alegria própria daqueles personagens. Riam, modificavam a voz, caiam, viravam cambalhotas; Assim adentravam pelas alas onde as crianças se achavam internadas. Algumas sentadas na cama, outras em cadeira de rodas e um suporte com soro sempre ao lado delas. Outras permaneciam deitadas, desanimadas; a maioria tinha a cabeça sem cabelos o que às vezes dificultava saber se era um garoto ou uma garotinha.

O olhar, triste e sofrido, a princípio ficava indeciso. Aos poucos, porém era como se uma luzinha fosse se acendendo e a cada cambalhota, balão que ganhavam a cada palhaçada, o sorriso que ia aparecendo, a princípio tímido, se tornava uma gargalhada gostosa. Era como se o tempo abrisse uma pausa e o antes e o depois desses momentos de alegria não existissem.

Os três amigos se superavam a cada vez que ali retornavam. Sentiam-se no céu cercado por anjos, longe da dor e do sofrimento. Os pequenos pacientes sentiam-se da mesma forma. A vida voltava a ter sentido, e o amor e a felicidade, as únicas coisas que importavam. Deus estava ali com sua misericórdia. Naquele dia uma enfermeira pediu silencio para que todos pudessem ouvir uma boa noticia. Trazia pelas mãos uma menininha pálida e magrinha cujos cabelos começavam a nascer. Anunciou então que Vera estava de alta curada e ia hoje de volta para casa. Uma esperança iluminou seus olhinhos atentos e todos aplaudiram.

Após os aplausos no breve silêncio, ouviu-se ao longe, no CTI, o apito intermitente do aparelho cardiológico anunciando que um coração parava de bater. Felizmente as crianças não sabiam o significado daquele ruído. Os três amigos entreolharam-se, mas como bons palhaços, continuaram seu numero.

Aqui fora os risos, a alegria (apesar das dores), a festa da esperança. Lá dentro... a despedida da festa da vida.

Fonte:
Enviado por Lucília Trindade Decarli.
Messias da Rocha. Múltiplas palavras: volume III. Juiz de Fora/MG: Ed. dos Autores, 2022.

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