Por que estás tão apressado,
Coração, a palpitar?
Queres, deixando meu peito,
Por esses ares voar?
Queres do meu pensamento
A carreira acompanhar?
Queres, misero insensato,
Este desejo cumprir?
Intentas da fantasia
Os amplos voos seguir?
Buscas, vencendo a distância,
Tua saudade extinguir?...
Esta saudade tão funda,
Tão viva, tão pertinaz,
Que te faz tão desgraçado,
Que tão ditoso te faz?
Que tanto te amarga às vezes,
Que às vezes tanto te apraz?
Pretendes tu, pobre louco,
Tuas dores aumentar?
Desejas ao lado — Dele—
De martírios te fartar?
Queres nos olhos, que adoras,
Mais desenganos buscar?
Se ao excesso do tormento
Tivesses de sucumbir,
Quem tanto havia de amá-lo,
Deixando tu de existir!
Quem ousaria contigo
Em firmeza competir?
E ele, onde poderia
Tão soberano reinar?
Onde iria sua imagem
Obter tão devoto altar,
E tão desvelado culto,
Tão fervoroso, encontrar?
Deixa ir só meu pensamento,
De seus voos na amplidão;
Quem sabe se ao lado doutra
O acharás, coração?
Morre embora de saudade;
Porém de ciúme... não!
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A PEDIDO
(Para um álbum)
Eu engenho não tenho sublime,
Que te possa o que sinto, expressar;
Minha lira não tem a doçura,
Com que deve teus dotes cantar.
Para dizer-te somente, que és bela,
Não se hão de meus lábios abrir;
Que a lindeza, que tens no semblante,
Esta frase não pode exprimir.
O teu rosto, que as graças enfeitam,
Chamar belo — é mui fraca expressão,
Ele aos olhos o tipo apresenta
De sublime, ideal perfeição.
Eu não sei nesta folha querida
Dedicar-te um louvor que me agrade;
Nela apenas escrevo um protesto
De extremosa, sincera amizade.
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IMITAÇÃO DO SR. ABOIM
Se eu fora da Trácia o Vate sublime,
A lira afinara para só te cantar;
Se eu fora o pintor de Itália famoso,
Quisera o teu rosto para mim copiar.
Se eu fora a fontinha, que corre indolente,
E sobre conchinhas se vai espraiar,
Então me verias, correndo anelante,
Teus pés delicados risonha beijar.
Se eu fora um infante gentil, inocente,
Só tuas carícias quisera lograr;
Se sono tranquilo meus olhos cerrasse,
No teu brando seio quisera pousar.
Se eu fora a violeta, que sob as folhinhas
Esconde os encantos que Deus lhe quis dar,
A ti me mostrara, e sobre teus lábios
Meus puros perfumes quisera entornar.
Mas eu não sou fonte, pintor, ou violeta,
Nem vate, que possa teu nome exaltar;
Apenas sou triste mulher, que te adora
O mais que na terra se pode adorar.
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MEUS DESEJOS
(A Angelina)
Eu quisera dizer-te, meu anjo,
Quanto és por minha alma adorada;
Eu quisera mostrar-te que trago
Tua imagem no peito gravada.
Eu quisera, que a sabia natura
Seus primores para ti reservasse;
Eu quisera, que o Deus de bondade
De mil ditas teus dias coroasse.
Eu quisera, de todo o universo
Sobre o trono melhor te assentar;
Eu, enfim, desejara ser homem
E poético amor te ofertar.
Só em ti, enlevado, veria
O meu voto mais caro cumprido;
Quando uma alma, que a minha entendesse,
Ao Eterno eu houvesse pedido.
Tu então realizarás, meu anjo,
Meu querido ideal amoroso;
Tu me deras do céu as delícias;
Eu seria o mortal mais ditoso.
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UNS OLHOS
(Num álbum)
Num semblante peregrino
Dois olhos castanhos vi,
Tão ternos, tão matadores,
Outros jamais conheci.
Do sol ardente não tinham
O deslumbrante fulgor:
Mas, como a serena lua,
Moitas falavam de amor.
Brilhavam com a luz suave,
Que alumia o coração;
Do divino olhar dos anjos
Tinham o doce condão.
Olhos, que assim possuíam
Tão poderosa magia,
Quem, depois de os avistar,
Por eles não morreria?!…
Fonte:
Disponível em Domínio Público.
Adélia Josefina de Castro Fonseca. Ecos de minha alma. Publicado originalmente em 1866.
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