Ele era belo ao tempo das bandeiras,
seguindo a rota de uma a outra ponta,
esboçando o progresso além fronteiras,
correndo livre, sem sofrer afrontas.
Ele era belo ao longo dos povoados,
atravessando-os manso e camarada,
peixes à farta e espaços namorados
aos mergulhos saudáveis da moçada.
Hoje percorre a caminhada, triste,
e semi-morto, embora, ainda resiste,
e à espera de um milagre não se cansa.
O vento sopra e a encardida espuma
pousando às margens, lúgubre se agruma
e roga aos céus a luz de uma esperança.
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SAGA DE SOROCABA
Ao toque do cincerro da madrinha,
as mulas seguem, mansas, resignadas...
Vêm lá do sul longínquo, e extenuadas,
atingem os cercãos da vilazinha.
Há tantas, tantas décadas passadas,
cresce o fruto de humilde sementinha,
a Manchester que esplêndida caminha
mas não renega a poeira das estradas.
Ao lado de edifícios imponentes,
resistem casarões remanescentes,
herança que do tempo menoscaba.
E a estátua do tropeiro audaz, altivo,
é o marco apaixonante e persuasivo
da saga que deu vida à Sorocaba.
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SOL
Hoje estás escondido, olhando para fora,
por entre a névoa densa em vão eu te procuro.
Que falta fazes quando, ao se esboçar a aurora,
vejo o céu carrancudo e tão cinzento e escuro!
És tu que trazes vida, a ausência eu te censuro.
Sem ti sofre a semente a emergir para a flora,
falta a luz dos teus raios ao trigo maduro,
esmaecem os tons quando te vais embora.
De repente, através de uma nesga apareces...
Com que força vital a alma da gente aqueces
e afastas tão depressa as nuvens de tristeza!
És dono do universo, a nada te comparas.
E ao sentir teu calor reconfortando as searas,
feliz volta a sorrir de novo a Natureza.
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TROMBADINHA
Ontem, eu, pela vez primeira em minha vida,
também fui atacada... e por um trombadinha .
Levei um susto enorme, estava distraída,
só vi caindo ao chão medalha e correntinha.
“Maldito” - veio o meu protesto a toda brida;
rompeu seco e brutal, tirando-me da linha;
e o garoto sumiu entre a turba aturdida
que logo se acercava e formava rodinha.
Pouco tempo depois, relembrando o incidente,
meu coração batia triste e penitente
por chamar de maldito um pobre menininho.
Maldita é a sociedade horrível que formamos,
que gera o trombadinha infausto que execramos
e faz de uma criança esse infeliz monstrinho!
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VERÃO
Volta o verão e vai-se acomodando...
Os dias se apresentam desiguais,
o calor e o aguaceiro se alternando
ao sabor dos caprichos tropicais.
Sol, novamente, tudo estorricando,
as taperás retornando aos beirais...
Quase se enxerga o ar tremelicando
e a brisa, em greve, já nem sopra mais.
Lá no jardim, as flores, ressentidas,
pendem das hastes, murchas, abatidas...
Um gato se espreguiça no canteiro.
Não me afeta o calor, se me domina,
fecho os olhos e finjo que é piscina
o meu gostoso banho de chuveiro.
Fonte:
Enviado pela poetisa.
Dorothy Jansson Moretti. Folhas esparsas: sonetos. Itu/SP: Ottoni, 2006.
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