segunda-feira, 25 de setembro de 2023

António Nobre (Poemas Avulsos) – 2


AO CAIR DAS FOLHAS

(À minha irmã Maria da Glória)

Pudessem suas mãos cobrir meu rosto,
Fechar-me os olhos e compor-me o leito,
Quando, sequinho, as mãos em cruz no peito,
Eu me for viajar para o Sol-posto.

De modo que me faça bom encosto,
O travesseiro comporá com jeito.
E eu tão feliz! Por não estar afeito,
Hei de sorrir, Senhor! Quase com gosto.

Até com gosto, sim! Que faz quem vive
Órfã de mimos, viúvo de esperanças,
Solteiro de venturas, que não tive?

Assim, irei dormir com as crianças
Quase como elas, quase sem pecados...
E acabarão enfim os meus cuidados.
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EMÍLIAS
(A uma senhora que não quer ser Emília)

Emília és, quer queiras, ou não queiras:
Que lindo nome o teu, soante de brisas!
É um nome de pastoras e moleiras,
Loira morgada do solar dos Nisas!

Muitas Emílias há, entre ceifeiras,
Há Emílias nos serões das descamisas...
Se tu, Senhor! dás nome às Amendoeiras
Com o nome de Emília é que as batizas!

Que Santa Emília te acompanhe, Rainha!
E com a tua Mãe seja madrinha,
Quando ela, um dia, te levar à Igreja!

E, ó pura Glória, que em teus olhos brilha!
Doces presságios meus, que a tua filha
Seja loira também e Emília seja!
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LÓGICA

Ai daqueles que, um dia, depuseram
Firmes crenças num bem que lhes voou!
Ai dos que neste mundo ainda esperam!
Terão a sorte de quem já esperou...

Ai dos pobrinhos, dos que já tiveram
Ouro e papéis que o vento lhes levou!
Ai dos que tem, que ainda não perderam,
Que amanhã, serão pobres como eu sou.

Ai dos que, hoje, amam e não são amados,
Que, algum dia, o serão, mas sem poder!
Ai dos que sofrem! ai dos desgraçados

Que, breve, não terão mais pra sofrer!
Ai dos que morrem, que lá vão levados!
Ai de nós que ainda temos de viver!
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NOSSOS AMORES FORAM DESGRAÇADOS

Nossos amores foram desgraçados,
Desgraçada paixão! Tristes amores!
Se Deus me dá assim tamanhas dores,
É porque grandes são os meus pecados.

Quando virão os dias desejados?
Quando virá maio para eu ver flores?
Nunca mais! Ainda bem, santos horrores!
Que os pobres dias meus estão contados.

Passo os dias metido no meu moinho,
E mói que mói saudades e tristezas,
Moleiro que no mundo está sozinho.

Os lavradores destas redondezas
Queixam-se até de que a farinha à data
Tanta é que “está de rastros de barata...”
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O TEU RETRATO

Deus fez a noite com o teu olhar,
Deus fez as ondas com os teus cabelos;
Com a tua coragem fez castelos
Que pôs, como defesa, à beira-mar.

Com um sorriso teu, fez o luar
(Que é sorriso de noite, ao viajante)
E eu que andava pelo mundo, errante,
Já não ando perdido em alto-mar!

Do céu de Portugal fez a tua alma!
E ao ver-te sempre assim, tão pura e calma,
Da minha Noite, eu fiz a Claridade!

Ó meu anjo de luz e de esperança,
Será em ti afinal que descansa
O triste fim da minha mocidade!

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