terça-feira, 12 de setembro de 2023

Jaqueline Machado (Isadora de Pampa e Bahia) – Capitulo 12: A sombra da macieira

Alguns dias depois, dona Ana recebeu alta e retornou ao lar.

A operação foi bem executada, mas as sequelas do infarto foram grandes, e ela continuou muito debilitada.  

Isadora, inconformada em ter que entregar seu destino a um desconhecido, saiu a cavalgar. Precisava sentir o vento soprar forte no rosto, e de tempo para refletir sobre a nova realidade. Dona de um espírito livre, marcante, mal podia imaginar como seria a sua vida dali em diante. De toda forma, precisava manter-se equilibrada, pois à noite, Fábio e sua família viriam oficializar o noivado num jantar simbólico. Precisava estar preparada para o momento do sacrifício, afinal, foi com o dinheiro da sua futura nova família, que a operação de sua mãe foi paga. E, com o dinheiro da mesma família, as terras de seus pais seriam salvas.

Desejava se sentir grata por isso. Mas sua alma revolta feito vento em dias de tempestade, aterrorizava-se ao imaginar ir para a cama com aquele homem, cuja beleza poderia parecer agradável à maioria das gurias de sua idade, mas que nela não causara impacto algum. Ao contrário, havia detestado a maneira indecente com que o rapaz observou seu corpo na noite do tal jantar de “negócios”, onde, ela foi negociada.

Apesar de tudo, Isadora não estava arrependida. Sua mãe estava viva. E isso era o que importava.

Repentinamente uma imagem cortou - lhe os pensamentos:

Genuíno, também a cavalo, vinha em sua direção.

- Viestes mesmo - disse ela um tanto, surpresa.

- Sou homem de palavra, guria - respondeu o rapaz, sorrindo.

- Em qual fazenda tu trabalhas?

- Na fazenda dos Gonçalves.

- Ah, sim. São conhecidos da minha família.

- Algum problema em conversarmos?

Isadora apeou do Relâmpago. Prenderam os cavalos no tronco de uma árvore e saíram a passear. Logo em seguida alguns peões começaram os cochichos:

- Será peão novo? - disse Juca a Juliano.

- Pode ser, mas o que ele está fazendo com a patroazinha? Quem trata desses assuntos é o chefe.

- Sei lá... o patrão deve estar ocupado com a esposa convalescente.

- Estranho, Juca, a gente sabe que o patrão não é muito chegado a negros na fazenda.

- Tá aí uma verdade... Mas vamos cuidar do nosso serviço, ainda hoje tenho que encaminhar uma carga de arroz lá para a cidade - disse o capataz.

Isadora sabia das consequências em ser pega pelo pai, acompanhada de um rapaz, ainda mais no mesmo dia em que iria ficar noiva, mas sabia que o velho estava longe. E que quando saía da fazenda, demorava a voltar. E mandar Genuíno embora seria como se perder da esperança da possibilidade de um dia ser feliz e livre em suas escolhas. No centro do jardim, debaixo de um pé de macieira, onde costumava refletir e escrever poesias, acomodou -se o jovem. Dando início a uma conversa muito agradável... Livre de receios!

Isadora sentiu seu coração pulsar como nunca antes havia sentido. Estava feliz. E torcendo para que aquele momento durasse para sempre. Mas sabia que logo terminaria, e que a luz daquele dia, se tornaria treva: uma treva cheia de labirintos sem saída.

Enquanto conversavam, Isadora surpreendeu-se ao descobrir que Genuíno era órfão de pai e mãe, e que desde de piá precisava trabalhar duro para sobreviver.  Surpreendeu-se mais ainda ao perceber que tantas dificuldades não fizeram dele um homem amargo e tristonho. Ao contrário, o rapaz tinha uma mente inteligente e olhos cheios de brilho. Naquele momento ele era, sem sombra de dúvida, seu símbolo de esperança. De uma esperança bonita, dessas que normalmente só se descobre uma vez na vida. Por isso, aquela tarde não podia partir levando embora sua doce esperança. Mas iria...

As horas passavam depressa. Genuíno desabafou sua história de vida, e ela não teve coragem de dizer que a história de amor entre eles se resumiria numa única tarde moldada pelos anjos, feita de poesia. 

- Está entardecendo. Preciso voltar para casa, Genuíno.

- Quando podemos conversar novamente?

Isadora pensou numa resposta rápida. - Sei onde trabalhas. Logo te farei uma visita.

- Gostei da iniciativa - disse ele.

- Mas não te assanhes. Somos apenas amigos.

- Aceito tua amizade de bom grado - disse o rapaz entregando a ela um papel enrolado em laços de fitas vermelhas.

- É um poema? 

- Sim.

Ela agradeceu. Lentamente os dois se afastaram. E Isadora, mesmo inconformada, voltou para casa encorajada a enfrentar a batalha que se aproximava.
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continua...

Fonte:
Texto enviado pela autora

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