sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Caldeirão Poético LXVII


Lola de Oliveira
Porto Alegre/RS 1889 — 1965, Rio de Janeiro/RJ


O SURDO-MUDO

Tu não ouves a voz da mãe querida,
a tua mãe humilde, pura e santa;
o uivar do vento, a música dorida,
nem o trinar do pássaro que canta.

Trazes a boca morta em plena vida
e o túmulo dos sons tens na garganta;
não tiveste a palavra proferida...
És mudo como a pedra, como a planta.

Será castigo o teu destino triste?
Quanta bondade no teu peito existe,
que vai morrer nessa garganta rouca!

És bem feliz, embora incompreendido!
Não ecoa a mentira em teu ouvido,
nem te sai a calúnia pela boca.
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Lúcia Fadigas
Rio de Janeiro/RJ


IPÊ-ROSA

Belo ipê-rosa na colina impera...
É árvore fidalga e donairosa,
que se embeleze na estação radiosa,
cobrindo-se de flor na primavera...

Mas, quando vem o outono, ela, saudosa
de seus enfeites, geme e se exaspera,
pois todo o colorido que tivera
é, agora, uma lembrança cor-de-rosa...

Também nossa alma se embeleze em criança,
de uma viçosa copa de esperança,
sem prever, nessa vida, o desencanto.

Mas vem chegando o outono, indiferente...
E em nossos lábios resta, tão-somente,
o gosto amargo que nos vem do pranto.
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Lúcio de Mendonça
Rio de Janeiro/RJ, 1854-1909

O REBELDE

Ei-lo — é um lobo do mar: numa espelunca
mora, à beira do Oceano, em rocha alpestre;
ira-se a onda e, qual tigre silvestre,
de mortos vegetais a praia junca.

E ele, encarando como um velho mestre
o revoltoso que não dorme nunca,
recurva o dedo — garra forte e adunca —
sobre o cachimbo, único amor terrestre.

E então assoma-lhe um sorriso amargo...
É um rebelde também, cérebro largo,
que odeia os reis e os padres excomunga.

À noite dorme sem rezar: que importa?
Enorme cão fiel, guarda-lhe a porta:
— o velho mar soturno que resmunga.
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Luiz Almeida Teixeira
Niterói/RJ, 1907 – 1986


PROCISSÃO DE VAGALUMES

Quando o sol adormece na distância
e no silêncio a tarde se esvazia,
cintila o vagalume em rutilância,
resplendendo de luz a ramaria.

Colhe da flor a cálida fragrância
e se incandesce em singular magia...
Lanterna acesa em doce vigilância,
até que acorde a aurora de outro dia.

Depois se esconde pela mata agreste
e, apagando a candeia azul celeste,
vai sonhar entre flores e perfumes.

Chegando a noite, a tarde empalidece,
e nascem luzes acendendo a prece
na procissão azul dos vagalumes...
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Luiz Otávio
(Gilson de Castro)
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP

SUPREMA GLÓRIA

Bem sei que com razão nós reclamamos
por tudo o que roubou de nós a Vida
— a Primavera sem florir os ramos...
e o Amor —, Ventura apenas pressentida...

Bem sei que muito tarde nos amamos,
mas com tal força e ardor, minha querida,
que as dores e as angústias que enfrentamos
tornam minha alma à sua mais unida!

Bem sei que, como poucos, nós sofremos
e que a Sorte tem sido tão mesquinha,
mas a Esperança é Luz que não morreu...

Nesta glória, em silêncio, guardaremos:
ninguém, no mundo, foi assim tão minha,
ninguém, na vida, foi assim tão seu...
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Manita
(Maria da Conceição Pires de Mello)
 Niterói/RJ, 1922 - 2011
 
 CANÇÃO DE QUERER-TE MEU

Eu quero as tuas mãos queimando incenso,
para a aleluia dos meus braços nus;
quero-te todo e toda eu te pertenço,
quero os teus olhos para crer na luz.

Quero os teus passos no caminho imenso,
para aonde o sonho os passos meus conduz;
quero o que pensas, cada vez que penso,
quero os teus ombros para minha cruz!

Quero-te, sim, com tal intensidade,
e tem tanto este amor de eternidade,
quanto de ti eu sei que existe em mim;

quero o silêncio do que tu não dizes,
e quero a dor das tuas cicatrizes,
quero-te meu, até depois do fim!

Fonte:
Vasco de Castro Lima. O mundo maravilhoso do soneto. 1987.

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