Bleu nunca foi esquecido, embora sua dona ganhasse, como prêmio um gatinho persa, também lindo demais!
Comprado em São Paulo, ainda pequenino, Tiní veio de trem junto comigo e minha mãe. E, já que passageiro clandestino, muito bem camuflado numa caixa de papelão cheia de buracos disfarçados.
Às tantas, durante a viagem, resolvido a rebelar-se contra a prisão, Tini desandou a miar. E, ai... o "palco" abriu-se! E haja sorriso amarelo, da mãe e da filha, para disfarçar o vexame...
Logo, tornou-se impossível esconder a verdade e decidimos enfrentar o pasmo dos demais passageiros, tirando Tini da caixa! Foi aquele alvoroço!
A graça e o fascínio, daquela belezura de gato, correram de banco em banco, logo conquistando a simpatia de todos. E todos, sem exceção, queriam ver de perto aquela coisinha linda que até aos mais sisudos encantava!
Quando, algum tempo depois, o guarda trem adentrou o vagão para picotar as passagens, a cumplicidade geral, solidária, muito contribuiu para camuflar a presença do gatinho clandestino que, por sua vez, quieto e calado, parecia ter noção da gravidade daquele suspense vivido por tantos.
Foi justamente assim que aquela bolinha de pelo, rajada e macia, deixou o planalto e, despercebida, chegou, sem maiores problemas, à nova residência, nesta Santos praiana, para amenizar os dias cinzentos daquela menina ainda bastante machucada pela ausência daquele inesquecível gatinho azul, guardado para sempre na saudade.
Tini, tornando menos doída a lembrança de Bleu, passou a ser meu companheiro de estudos. Cúmplice, em tempos de provas, ajudava-me a despistar meu pai que, altas madrugadas, percebendo-me acordada ao ver, por debaixo da porta a luz acesa, entrava intempestivamente no quarto e surrupiava os livros espalhados ao redor da filha desobediente. E apagava as luzes, deixando-me às escuras, para que eu dormisse.
Tini, por sua vez, alheio, ou solidário às circunstâncias, lambia as patinhas, com cara de sonso, como se nada de errado houvesse acontecido à sua frente. Em autodefesa, logo aprendi a calçar as frestas da porta. Embora... ao descobrir o engodo, vez ou outra, meu querido pai me surpreendesse com um livro nas mãos, levando-o consigo. Contudo, meu querido pai não sabia que o livro que de fato me interessava já fora antes estrategicamente escondido debaixo do travesseiro, de onde só sairia findo o "perigo".
Hoje, analiso não ter sido rebeldia a desobediência daquela menina, que viria a se repetir algumas vezes mais. E ao entender melhor o que acontecia, reconheço, hoje, não ter sido nada fácil tentar equilibrar as exigências de boas notas, com a disciplina imposta por um pai severo.
Constato, também, vir de longa data essa minha fixação pelas horas produtivas das madrugadas, o que ainda hoje me furta períodos preciosos de sono. As madrugadas de ontem, sempre dedicadas aos estudos e as de agora, à digitação. Tudo, e, em qualquer tempo, porque "eu nasci assim", como diria Jorge Amado. E, mesmo não sendo Gabriela, assim espero continuar a viver e a pavimentar com letras as ruas que traçam meu destino, enquanto Deus o permita.
Nos cenários de ontem, Tini, por sua vez, após as broncas de meu pai, continuava a lamber as patinhas, como quem lavasse as mãos, com cara de sonso, solidário, ou simplesmente alheio a tudo. Como se nada de errado houvesse acontecido à sua frente.
Comprado em São Paulo, ainda pequenino, Tiní veio de trem junto comigo e minha mãe. E, já que passageiro clandestino, muito bem camuflado numa caixa de papelão cheia de buracos disfarçados.
Às tantas, durante a viagem, resolvido a rebelar-se contra a prisão, Tini desandou a miar. E, ai... o "palco" abriu-se! E haja sorriso amarelo, da mãe e da filha, para disfarçar o vexame...
Logo, tornou-se impossível esconder a verdade e decidimos enfrentar o pasmo dos demais passageiros, tirando Tini da caixa! Foi aquele alvoroço!
A graça e o fascínio, daquela belezura de gato, correram de banco em banco, logo conquistando a simpatia de todos. E todos, sem exceção, queriam ver de perto aquela coisinha linda que até aos mais sisudos encantava!
Quando, algum tempo depois, o guarda trem adentrou o vagão para picotar as passagens, a cumplicidade geral, solidária, muito contribuiu para camuflar a presença do gatinho clandestino que, por sua vez, quieto e calado, parecia ter noção da gravidade daquele suspense vivido por tantos.
Foi justamente assim que aquela bolinha de pelo, rajada e macia, deixou o planalto e, despercebida, chegou, sem maiores problemas, à nova residência, nesta Santos praiana, para amenizar os dias cinzentos daquela menina ainda bastante machucada pela ausência daquele inesquecível gatinho azul, guardado para sempre na saudade.
Tini, tornando menos doída a lembrança de Bleu, passou a ser meu companheiro de estudos. Cúmplice, em tempos de provas, ajudava-me a despistar meu pai que, altas madrugadas, percebendo-me acordada ao ver, por debaixo da porta a luz acesa, entrava intempestivamente no quarto e surrupiava os livros espalhados ao redor da filha desobediente. E apagava as luzes, deixando-me às escuras, para que eu dormisse.
Tini, por sua vez, alheio, ou solidário às circunstâncias, lambia as patinhas, com cara de sonso, como se nada de errado houvesse acontecido à sua frente. Em autodefesa, logo aprendi a calçar as frestas da porta. Embora... ao descobrir o engodo, vez ou outra, meu querido pai me surpreendesse com um livro nas mãos, levando-o consigo. Contudo, meu querido pai não sabia que o livro que de fato me interessava já fora antes estrategicamente escondido debaixo do travesseiro, de onde só sairia findo o "perigo".
Hoje, analiso não ter sido rebeldia a desobediência daquela menina, que viria a se repetir algumas vezes mais. E ao entender melhor o que acontecia, reconheço, hoje, não ter sido nada fácil tentar equilibrar as exigências de boas notas, com a disciplina imposta por um pai severo.
Constato, também, vir de longa data essa minha fixação pelas horas produtivas das madrugadas, o que ainda hoje me furta períodos preciosos de sono. As madrugadas de ontem, sempre dedicadas aos estudos e as de agora, à digitação. Tudo, e, em qualquer tempo, porque "eu nasci assim", como diria Jorge Amado. E, mesmo não sendo Gabriela, assim espero continuar a viver e a pavimentar com letras as ruas que traçam meu destino, enquanto Deus o permita.
Nos cenários de ontem, Tini, por sua vez, após as broncas de meu pai, continuava a lamber as patinhas, como quem lavasse as mãos, com cara de sonso, solidário, ou simplesmente alheio a tudo. Como se nada de errado houvesse acontecido à sua frente.
Fonte: Carolina Ramos. Meus Bichos, Bichinhos e… Bichanos. Santos/SP: Ed. da Autora, 2023.
Enviado pela autora.
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