segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Contos e Lendas da África (Uma viagem em busca de sal)


(por Robert Hamill Nassau)


PERSONAGENS
Njâbu (civeta*) *conhecido por Gato de Algália.
Mbâmâ (jiboia)
Ngweya (porco-do-mato)
Kudu (jabuti)
Um homem e outros caçadores

PREFÁCIO


Antigamente, as tribos localizadas nas costas africanas ferviam água do mar em panelas de latão, chamadas de netunos. Era assim que obtinham sal, que depois vendiam para as tribos mais distantes.
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Esses quatro animais viviam próximos um do outro em uma mesma aldeia.

Certa noite, aproximadamente uma hora após anoitecer, estavam todos sentados na calçada, conversando. O jabuti Kudu anunciou a todos:

— Ouçam! Tenho algo a dizer! Quero lhes fazer um convite. Vamos fazer uma pequena viagem amanhã. Atravessaremos a floresta até chegar à praia, para comprarmos sal.

— Sim, vamos! — todos concordaram.

E pouco tempo depois foram para suas casas dormir.

Um novo dia nasceu.

Prepararam-se para partir logo cedo.

— Tenho outro pedido. Será o último. Durante o trajeto, ninguém deve criar distrações ou inventar coisas que nos atrasem. Devemos ir direto até a praia.

— Tudo bem, estamos de acordo. — responderam.

E assim começaram sua viagem através da floresta. Seguiram por um bom tempo, pois o plano era percorrer a maior distância possível até pararem para acampar durante a noite. No entanto, ao longo do caminho a civeta Njâbu começou a se queixar:

— Ah, que dor de barriga! Ah, como meu estômago dói!

— Como assim, dor de barriga? — perguntou Kudu.

— Quero dizer que estou apertado! Preciso fazer minhas necessidades!

— Ora, vá! Procure um arbusto aí pelos lados. Esperamos você.

— Não consigo fazer no mato! — resmungou a civeta. — Tenho que voltar para a casa da minha mãe!

— Nem pensar! — esbravejou o jabuti. — O que combinamos antes de sair?

— Nada de atrasos ou distrações. — disseram os outros.

— E você, Njâbu, vai nos atrasar, e atrasos vão nos trazer problemas — acrescentou Kudu.

Mesmo assim, a civeta correu de volta para a cidade e foi ao banheiro de sua casa, enquanto os três a esperavam. Muito tempo depois, já de noite, Njâbu retornou, aliviada.

— Agora me sinto bem melhor. — disse.

No dia seguinte, levantaram-se animados.

— Vamos seguir viagem! — E retomaram o caminho.

Caminharam um bom percurso até que a jiboia Mbâmâ exclamou:

— Ah, que dor de barriga! Ah, como meu estômago dói!

— Como assim, dor de barriga? — perguntou Kudu.

— Quero dizer que estou com fome!

— Não tem problema. Trouxemos comida para a viagem. Venham todos, vamos almoçar. — sugeriu o jabuti.

— Não gosto dessa comida. Vou procurar outro tipo.

— Que outro tipo?

— Vou entrar um pouco na floresta, volto logo. — avisou a jiboia.

Ao entrar na mata ela avistou um antílope vermelho. Mbâmâ então enrolou seu corpo, da maneira que as jiboias fazem quando estão à espreita. O antílope passou saltando e a cobra deu o bote, matando-o. Cobriu-o todo com sua saliva, pois é assim que as jiboias conseguem engolir presas tão grandes. Em seguida arrastou-o até o local onde estavam acampados e preparou-se para devorá-lo.

— Vamos comer todos juntos então. — sugeriu Kudu.

— Se na cidade não dividimos nossa comida, não é aqui que vamos fazer isso. — a jiboia respondeu, antes de engolir o antílope inteiro.

Mbâmâ então chamou seus companheiros e disse:

— Pronto, agora estou satisfeita.

— Certo, então vamos seguir viagem. — disse o jabuti.

— Não! Só consigo continuar depois de digerir tudo.

— Mas ora essa! — exclamou Kudu. — Eu falei na cidade, sem distrações! Njâbu já nos causou atrasos, agora você!

Sem ter o que fazer, todos se sentaram para esperar a jiboia. Aguardaram um mês para que ela fizesse sua digestão.

— Agora podemos partir, — disse ela — mas antes vou ao rio beber água.

E bebeu uma grande quantidade, que a fez expelir os ossos do antílope.

— Estou bem melhor agora. Podemos ir.

Caminharam por muito tempo até encontrarem uma árvore caída, cujo tronco atravessava a estrada e as folhas ainda estavam verdes. O porco-do-mato e a civeta saltaram sobre ela e a jiboia esgueirou-se por baixo. Chamaram o jabuti, que tentava em vão escalar o tronco para chegar ao outro lado.

— Venha! Salte!

— Não consigo! Vocês sabem que minhas pernas são curtas! — disse Kudu, envergonhado. — Só conseguirei atravessar quando este tronco apodrecer e se partir.

— Esta árvore caiu há pouco tempo! Sabe-se lá quantos dias vai demorar para o tronco apodrecer.

— A culpa não é minha! Se vocês não tivessem nos atrasado, Njâbu e Mbâmâ, já teríamos passado por aqui bem antes da árvore cair. Você inventou uma distração, Njâbu, e depois você, Mbâmâ. Agora tratem de me esperar!

Assim fizeram.

Durante essa pausa, os outros três costumavam sair de manhã cedo para uma plantação próxima, onde havia milho, inhame, banana e outros vegetais. A civeta e o porco-do-mato comeram todo o milho e bananas que havia.

Um dia um homem de outra aldeia perambulava pela floresta. Caminhava olhando para todos os lados, à procura de caça, quando encontrou o rastro de animais. Examinou atentamente e exclamou:

— Estas pegadas parecem ser de jabuti! Sim, e aqui há rastros de um porco-do-mato. Ah, e uma civeta também passou por aqui. E também há uma trilha de jiboia! Há muitos animais nesta área. Vou voltar à cidade e chamar outras pessoas para me ajudarem a caçá-los.

Correu de volta para sua cidade e começou a gritar:

— Venham, homens! Vamos à floresta! Encontrei vários animais!

Um dos que atendeu a seu chamado foi o dono da plantação. Outros se juntaram ao grupo, levando armas, facões, lanças e redes, além de cães com guizos na coleira. Partiram sem demora.

Ao se aproximarem dos animais, os cachorros começaram a latir e seus guizos balançaram enquanto corriam. Os homens gritavam para fazer os animais caírem nas redes. O primeiro a ser capturado foi o porco-do-mato, morto com um tiro. Em seguida apanharam a civeta e a atravessaram com uma lança. Encontraram a jiboia dormindo ao lado do tronco e também a mataram. Por fim descobriram o jabuti, que tentava se esconder debaixo das folhas que haviam caído da árvore. Acabou capturado. Foi o único a ser mantido vivo, após ser amarrado.

A caçada havia começado no final da tarde, quando os homens chegaram à cidade, já anoitecia.

— Vamos guardar as caças em uma casa — propôs um deles —, mas deixe o jabuti pendurado em uma viga do teto.

— Amanhã comeremos. — disse outro. — Já está tarde para preparar e cozinhar, vamos dormir.

Perto da meia-noite, após muito esforço, Kudu conseguiu enfim se libertar das cordas. Foi até o canto da sala onde os cadáveres de seus amigos estavam e disse para a civeta:

— Não avisei que não deveríamos inventar desvios em nosso caminho? Agora você está morta.

E virando-se para a jiboia:

— Você também, Mbâmâ. Disse para não nos atrasar. Mataram você também. Se não inventassem tantos assuntos, teríamos feito nossa viagem sem nenhum perigo.

Então escavou um buraco na parede da casa e escapou para a floresta.

Logo amanheceu e os habitantes da cidade disseram uns para os outros:

— Tragam os animais para fora. Vamos cortá-los e prepará-los.

E assim foi feito com os três capturados.

— Traga também o jabuti que está amarrado — pediram a um rapaz.

O jovem logo saiu da casa dizendo:

— Não encontrei nenhum jabuti.

Todos entraram para procurá-lo e, ao verem que não estava lá, disseram:

— Vamos comer o que caçamos. Deixe o jabuti para lá, pois conseguiu fugir.

Fonte: Elphinstone Dayrell, George W. Bateman e Robert Hamill Nassau. Contos Folclóricos Africanos vol. 2. (trad. Gabriel Naldi). Edição Bilingue. SESC. Distribuição gratuita.

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