José Batista de Lima, nascido em Lavras da Mangabeira/CE (1949), embora pertença ao “grupo” da revista O Saco, pois seu primeiro livro, de poemas, é de 1977, passou a divulgar seus contos mais recentemente: O Pescador da Tabocal saiu em 1997 e Janeiro é Um Mês Que Não Sossega, em 2002. Seminarista no Crato, formou-se em Letras e Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará. Especializou-se em Teoria da Linguagem na Universidade de Fortaleza, onde exerceu a chefia do Departamento de Letras e a diretoria do Centro de Ciências Humanas. Cursou o mestrado em Literatura na Universidade Federal do Ceará. Iniciou-se como professor de Português em colégios de Fortaleza.
Na vida literária deu os primeiros passos no Clube dos Poetas Cearenses. Mais tarde participou ativamente dos grupos Siriará, Arsenal, Catolé e Plural. Pertence à Academia Cearense de Letras, à Academia Cearense da Língua Portuguesa e à Academia Lavrense de Letras. Desde 2009, é conselheiro do Conselho Estadual de Educação. Publicou Poemas: Miranças (1977); Os Viventes da Serra Negra (1981); Engenho (1984); Janeiro da Encarnação (1995); O sol de cada coisa (2008); Tiborna (2014); Concerto para espantos (2015). Contos: O pescador de Tabocal (1997); Janeiro é um mês que não sossega (2002); Assim falou Sipaúbas (2019). Ensaio: Os vazios repletos (1993); Moreira Campos, a escritura da ordem e da desordem (1993); O fio e a meada (2000); Uma casa toda mãe (2022).
Sua fortuna crítica está reunida no livro Pele e Abismo na Escritura de Batista de Lima (Fortaleza, Unifor, 2006), organizado por Nilto Maciel.
A presença do poeta é visível em muitas histórias. O ensaísta talvez se mostre quando a narrativa se aproxima da crônica social e política.
Batista de Lima apresenta os contos quase sempre em diversas ações, isto é, em diversos tempos e lugares. Em “Os Cavaleiros da Lua”, que oferece características de lenda, vemos: “Deu-se que Adamastor parou de respirar, porque morrer mesmo ela já havia morrido desde que voltara do seringal.” A linguagem, porém, é sempre poética e muito particular.
Ora em Tabocal, ora em Sipaúbas, é nesses lugarejos do sertão cearense que as personagens se movimentam, nascem, vivem e morrem. O sertão é pintado sem exageros de descrição. Há somente referências a objetos, situações, seres, como parte do cenário ou das vidas dos personagens: tapiocas, esterco de vaca, cuia de leite mungido, pé de muçambê, palhoça à beira do açude, vagens de feijão, queijo de cabras, coité. Nada de descrições inúteis ou excessivas.
Os personagens de Batista são homens e mulheres do sertão ou das cidades pequenas, até mesmo aqueles já desaparecidos, já tornados mitos, como Lampião. Alguns desses personagens, sempre secundários, se repetem em diversas histórias: padre Inácio é “habilidoso” em “A Festa de Janeiro”, aparece “já velho e ocupado com o rebanho em Cristo, de Tabocal”, em “O Pícaro”; Coronel Nicodemos, ou Demo, é o mandão do lugar, Tabocal; Dona Bilinha, mulher do coronel; major Apolônio; padre Otávio, Cabo Zezinho; e outros. Isto dá aos livros de Batista certa unidade, embora os dramas não se misturem, não se confundam.
Muitos dos personagens Batistianos têm características próprias - são caracteres. Como Maria Raimunda, a vendedora de abelhas (“As abelhas”). Ou como os padres, coronéis, doutores, fabricantes de cachaça, valentões, afinadores de violões, coveiros e até animais. A presença de cobras, cachorros e gatos é frequente na obra de Batista de Lima: em “O Lobisomem de Tabocal” o bicho “veio dos lados do cemitério, já trazendo uma porção de cachorros latindo desesperados.” Dona Margarida, na história de título homônimo, herda do terceiro marido alguns cachorros. Em “Bonifácio bom de fala” vê-se “um amontoado de cachorros”. Em “A botija” há também a presença desses animais. Há até um conto de gatos, que passam a dominar a casa de Macário (“Os gatos”).
O universo de Batista de Lima é habitado por criaturas às vezes picarescas, mas sempre muito reais. O narrador-escritor ou o narrador-onisciente atua como um memorialista muito cioso da verdade dos fatos ou um repórter astuto. Em vista disso, aqui e ali o leitor perceberá na narrativa o tom da crônica, como em “O Hospital Fantasma” e “O saque a Sipaúbas”. Neste a problemática da seca é o drama central: “Os sipaubenses comiam calango, miolo de mandacaru, carne de urubu, mas resistiam.” Na mesma linha está “Os sobreviventes”.
Alguns dos personagens de Batista são caricaturas, como Manilton, cheio de manias. Outros, como Macário, têm desenhado o comportamento ou o caráter e não tanto a fisionomia ou a aparência. Em vista disso, muitas histórias são de personagem. Malaquias, de “O póstumo”, por exemplo, “era morto de preguiça.” O conto de personagem é o mais frequente na obra de Batista. Muitos têm por título o nome ou o apelido do protagonista (“Carmina”, “Banana”); outros, a condição física, social (“O velho”, “O delegado”, “O insepulto”).
O tempo em Batista de Lima é dilatado. As ações de um mesmo drama são narradas de forma sucinta, ligadas uma a outra, porém entre uma e outra o tempo é de dias, meses, anos. Em “O Pícaro” no primeiro parágrafo Dona Bilinha “estava sentindo as primeiras dores do primeiro parto”. No segundo parágrafo o rebento, Caetano, “foi dado para criar ao Pe. Inácio”. No outro, o menino já crescido, bebia o vinho, comia as hóstias e roubava o dinheiro da coleta da igreja. Mais adiante, aos doze anos, virou lavador de pratos e limpador de banheiro em um bar. Mais adiante, tornou-se guia de cego. Termina sargento e provável candidato a prefeito. Em “O Afinador de Violões” a vida do protagonista daria um romance, como diz o povo. A história tem começo como muitas narrativas populares: “Naquele tempo”. A seguir o afinador de violões “tornou-se cassaco”. As referências ao passar do tempo são frequentes na narrativa: “Dias depois”, “O afinador começou a afinar-se de carnes”, “voltou para a companhia da mãe”, “Os anos se passaram”, “Foram anos e anos de afinação”, “Certa feita”, “Uma noite de agosto”. Essa variedade de ações/tempos está presente em muitos outros contos, como um recurso de linguagem utilizado com insistência.
Batista não se atém ao instante, ao flash, ao momento de tensão da trama. Importa a ele o ritmo do calendário, o passar do tempo. Em “Julho é um mês que não tem fim” o próprio título é significativo. Todo o passado do lugarejo é “revivido” como num sonho. Os mortos revivem suas façanhas. (…) “a noite continuou por dias e anos transfigurados. Muitas moagens e histórias se repetiram no pequeno espaço de horas.” Em “Dona Margarida” o mesmo processo: “em outros tempos”, “uns foram embora”, “de tempos em tempos”, “já enterrara dois maridos”, “chegou a festa do padroeiro”, “depois de alguns anos”.
Há dois tipos de contos nos dois livros de Batista de Lima: as histórias do sertão e as narrativas poéticas, quase poemas em prosa, como “Vertigem” e “A pedra”. Nestes a ausência de trama e de personagens chama a atenção do leitor. Às vezes há personagens, como em “O eremita”. São personagens-símbolo: Deus e Canlima, o eremita. Em “O capote” a protagonista Marta é uma menina. E tudo gira em torno de sua amizade com um capote, isto é, galinha d’angola. A narrativa se desenrola com suavidade e poesia até o desfecho, quando Marta se sente adolescente, “o capote já velho”: “Certa feita, depois de algum tempo,” o capote “amanheceu morto.” A menina “não derramou sequer uma lágrima. Andava muito entretida em se arrumar, ultimamente.” Vê-se também o fantástico ou o fantasioso em algumas narrativas, como “O encontro” e “Projeção”. Esses contos geralmente não se localizam no campo, no sertão, constituindo, pois, uma minoria no conjunto das histórias.
O conto sem enredo, de personagens sem nome, também compõe a obra de Batista, como “O cordeiro”. Algumas dessas peças podem ser denominadas parábolas, como “A Carta”. E o que dizer de uma história cujo personagem principal é a morte? Em “Lindolhar” o protagonista se vê “perseguido” ou “olhado” pela morte: (…) “ela estava no último galho da árvore”, como se fosse uma coruja. “Ela estava lá, antiga como a noite, afinando as garras para o bote”, como uma cobra.
E como o contista arranja os desenlaces de suas narrativas? Muitas vezes o desfecho é a morte do protagonista, como em “Luizão”, “O Lobisomem de Tabocal”, “O Afinador de Violões”. Em outros contos, no entanto, nada de tragédia no desenlace. Em “Os Enganos das Aparências” o suposto machão soldado Viriato, “só músculos”, o “gigante”, é flagrado em banho com negro Terto no banheiro de Dona Maroca. “Naquela mesma noite” “desapareceu pelos fundos da pensão”, “levando nas costas a mala de roupas e de surpreendentes mistérios.” Esse tipo de humor contido está presente em diversas narrativas, como “O Herói que não Retorna”, “Manilton”, “Os Azares do Aspirante”. Desfecho com humor se vê também em “O falso crime do Padre Arnaldo”. Talvez não tanto com humor é o desenlace de “Os gatos”.
Batista utiliza sempre a narração como forma básica de contar as suas histórias. Não há diálogos explícitos, diretos. E isto se dá tanto do ponto de vista onisciente como da primeira pessoa. As narrativas são constituídas basicamente de narrações, com raríssimas descrições e falas em discurso indireto.
Batista de Lima também cultiva o miniconto, embora os outros não sejam longos. Uns poucos alcançam mais de três páginas de livro, como “Janeiro é um mês que não termina”. Quanto mais reduzido, mais o conto tende a se afastar da forma tradicional. O miniconto às vezes se aproxima do poema. É o que se vê em Batista. É o poeta dando a mão ao narrador ou ao prosador. E ambos caminhando de cabeça erguida, certos de estarem cumprindo suas missões no vasto mundo das letras.
Fontes: - MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008. Enviado pelo autor.
– Soares Feitosa e Nilto Maciel. Jornal do Conto;
– Academia Cearense de Letras.
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