segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 20


PARA OS QUE SE AMAM

Ao Américo Facó

Sobre esse lago azul, que um sussurro de brisa
Aquebranta de amor e encrespa de desejo,
Curvo e leve um batel docemente desliza,
Velas a palpitar radiantes como um beijo...

Dentro, amoroso, vê, um casal se entrelaça,
E enquanto sobre o azul dessas águas quietas
Voga o batel, os dois, com o mesmo ardor e graça,
Beijam-se, como faz um par de borboletas.

Amam-se. E em derredor do lago, que se ondeia,
Como uma flauta, que soluçasse em surdina,
Pelos ramos em flor um pássaro gorjeia,
E ansioso sobre os dois o próprio céu se inclina.

Ah! que doce frescor ideal de mocidade!
Para vê-los assim foi que se fez o mundo,
A alegria, o prazer, o ruído, a cidade,
A poesia, o luxo, aquele céu profundo...

Para gozar o amor dessas crianças, vê-las
Os lábios confundir no mesmo sorvedouro,
A noite se enfeitou de arrecadas de estrelas,
E pôs sobre a cabeça um diadema de ouro...

Primaveras em flor brotaram de repente,
Como romãs ideais, bocas luxuriosas,
E floriram canções madrigalescamente,
E encheram-se os jardins de lírios e de rosas...

Ó que frêmito bom, que beijo, e que alvoroço,
E que sonho ideal, e que róseos matizes!
Não há nada melhor do que ser belo e moço...

Senhor, vamos rezar pelos que são felizes!

A BOA ESTRELA

Ao Aluízio França

Em criança, um dia, consciência pura,
Mostraram-me a estrela da minha ventura.

Ansiado e doido, corri para vê-la...
E vi-a. Que linda, que dourada estrela!

Lembra-me: mais tarde, consciência langue,
Olhei-a. Ela estava coberta de sangue...

Afinal perdido de todo, quis eu
Inda olhar e vê-la. Desapareceu....

PARA QUE TODOS QUE EU AMO SEJAM FELIZES

Eu sei que o meu destino é como aquela espada
De Breno a reluzir sobre minha cabeça,
E por isso também, porque nada mereça,
Ó deuses, para mim, eu não vos peço nada.

Tudo que vier é bom: esta melancolia,
Esta tristeza atroz, esta invasão de mágoa,
A tortura que faz tremer os olhos d’água;
Tudo que vier é bom: é porque eu merecia.

Bendita seja, pois, a mão que me assassina,
Bendito o que me fere e o que me apunhala,
E encheu-me de pavor os caminhos de opala,
E fez cair os meus castelos em ruína...

Mas ao menos, ouvi, e eu por isso me inflamo,
Que do fundo do meu recolhimento eu possa
Pálidas mãos erguer e suplicar a vossa
Magnificência real para aqueles que eu amo.

Que não sendo feliz, ao menos possa vê-los
Felizes, a gozar o prazer que não pude:
O aroma dessa flor-de-lis da juventude,
A alegria de ser sempre moços e belos.

Sim, permiti que o mal que tenha porventura
De um dia os abater, como vítima imbele,
Caia por sobre mim, que eu sei que tenho a pele
Sobre os ossos, porém, insensível e dura.

E unidos, como se fosse num longo beijo,
Doce, espiritual, ansiosamente mudo,
Não compreendam jamais dentro desse veludo,
Dentro desse prazer, dentro desse desejo,

Que há serpentes cruéis e babas de serpente,
E monstros, e reptis, e charcos, e venenos;
Mas simplesmente, olhai, mulheres como Vênus,
Belezas ideais, beijos unicamente!

Que sobre eles, assim como uma auréola em brasas
Possa resplandecer o sonho de tal modo
Que nem toquem sequer com os pés sobre o lodo,
Por isso que sonhar é o mesmo que ter asas...

E que bem como faz à tarde uma andorinha,
De um para outro país, em vindo a primavera,
Emigrem: que isso foi minha melhor quimera,
E eram essas também as ambições que eu tinha.

E transpondo esse mar, que brame e ruge e espelha,
Julguem, sempre a sorrir, que tudo é um sonho vago,
E que esse mar não é senão um doce lago,
De ondulações azuis e bom como uma ovelha.

E sobretudo que, mais verde que uma palma,
Tragam o coração em flores de giesta
Sempre aberto, a florir para uma grande festa
Dentro desses salões ariádnicos d’alma.

E possam sempre ouvir o amor quando segreda,
Mas assim como se fosse um suspiro apenas,
Essas canções em flor, lânguidas açucenas,
Entre os álamos nus de sombria alameda...

E não vejam senão a doçura da vida,
E não ouçam senão o fresco idílio eterno:
Primavera, verão, outono, e o próprio inverno,
Como quem vive ao pé de uma mulher querida.

E sabendo que são puramente bondade,
Alegria, e canção, e luz, e alvoroço,
Não queiram ser jamais esse monstro e esse poço
Que sou, e sempre fui, de orgulho e de vaidade.

E tudo seja pois tão saboroso e rubro
Pomo, que de maduro em favos se derrete,
Tão azulado o céu, mas d’um azul-ferrete,
Cálido a enfebrecer de raiva o mês d’Outubro.

Que eles possam achar quase aos oitenta anos,
Envelhecidos, mas com o lábio risonho,
Que a existência lhes foi mais breve do que um sonho,
Tais as venturas e tão grandes os enganos...

E um dia, quando enfim, de longínquos países,
Chegar a morte, bem como uma dura algema,
Que eles possam dizer nessa hora suprema:
Glória aos céus imortais, que fomos tão felizes!

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

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