sábado, 10 de dezembro de 2011

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Aventura do Príncipe – VIII – O Novo Desastre


— Isso é mais difícil. Estou muito velha e perrengue. Poderei molhar-me pelo caminho a adoecer.

Emília, que ainda estava dentro do bolso de Narizinho, espichou para fora a cabeça.

— Molhar como? — disse ela muito espevitadamente. — Pois a senhora vai de guarda-chuva!...

Narizinho empurrou-a outra vez para o fundo do bolso e, voltando-se para dona Benta, perguntou:

— Que presente poderemos dar ao príncipe, vovó? Ele não pode voltar de mão abanando. — Você é que sabe o gosto dele, minha filha.

— Escamado apreciou muito a vaca mocha, mas isso não convém dar. Na minha opinião acho que o melhor é dar... é dar...

Engasgou. Não sabia o que dar. Nisto apareceu Pedrinho, de volta do passeio com o capitão da guarda. Consultado, resolveu o problema imediatamente. — Muito simples — disse ele. – Há aquelas quatro rodinhas que sobraram do despertador que consertei.

Roda é coisa que não existe no oceano. Juro que o príncipe vai ficar contentíssimo.

Todos aprovaram a idéia, e Escamado recebeu de presente as quatro rodinhas como lembrança das quatro pessoas do sítio.

Na hora de partir houve choro. Até Emília fugiu do bolso da menina, aparecendo com duas lágrimas da torneira nos olhos de retrós. Aproximou-se do príncipe, muito cautelosa para que Narizinho não visse, e cochichou-lhe disfarçadamente:

— Se o senhor príncipe me conseguir uma boa aranha costureira, eu arranjo jeito de dona Benta trocar a mocha por um tubarão...

Terminadas as despedidas, lá se foi o príncipe com a sua comitiva, todos de nariz vermelho de tanto chorar.

Dona Benta, tia Nastácia, Narizinho e Emília à janela acenavam saudosamente com os lenços.

— Adeus! Adeus!

Depois que desapareceram ao longe, a primeira a falar foi Narizinho.

— O que vale é que o gato Félix não tarda por aí. Se não fosse isso, não sei o que seria de nós — nesta tristeza das saudades...

Nem bem acabou de falar e o gato Félix surgiu no terreiro, a miar aflito.

— Acudam!... O príncipe está se afogando... Todos correram ao encontro do gato, sem compreenderem o que ele dizia.

— Afogando como, se o príncipe é peixe? — exclamou a menina.

— Sim, mas passou toda a tarde fora d’água e desaprendeu a arte de nadar.

— Socorro! — berrou Narizinho, disparando como louca na direção do rio para salvar o seu amado príncipe...
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Continua... O Gato Felix – I – A história do gato

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

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