Na casa do meu avô, havia quatro quintais.
No principal, o portão se abria para a rua, e ali ficava a casa propriamente dita, e por cima do muro baixo a gente via as cabeças das pessoas que passavam pela rua, sempre tão devagar. Às vezes vinha dar na varanda o cheiro do rio, um cheiro de pano e de barro. Na garagem descoberta, sobre os cascalhos, dormia a Variant marrom do meu avô.
À esquerda, separado por um muro com uma passagem, ficava o universo dos abacateiros e o quartinho que o meu avô chamava de Petit Trianon. Nós apanhávamos abacates para fazer boizinhos com palitos de fósforo. O Petit Trianon eu não me lembro para que servia, ficava quase sempre fechado. Mas eu tinha pesadelos com ele.
À esquerda, separado por outro muro com outra passagem, ficava um universo híbrido em que cabiam orquídeas numa estufa, galinhas, goiabeiras e um pé de romã quase esquecido, lá no fundo, longe de tudo. Era o quintal mais colorido. Uma vez minha irmã caiu de uma goiabeira, a barriga enterrou numa torneira e ela foi parar no hospital.
À direita do quintal principal, ficava o último, e quase proibido. Havia o muro, mas na passagem tinha um portãozinho baixo de madeira, que às vezes a gente pulava por prazer. Lá só havia mato. Árvores altas, sombras, coisas indizíveis se arrastando junto às raízes, barulhos de insetos que nunca existiram de se ver. Lá fazia calor e férias, invariavelmente, mas também podia cair chuva, e a chuva ficava guardada para os nossos pés no tapete de folhas velhas, de frutos podres, de vermes lentos e moles.
Os quatro quintais da casa do meu avô arrumaram-se numa bússola, e quando eu pisei pela primeira vez numa caravela fervilhando de adultos, vinha com ela no bolso. Se não como guia, ao menos como amuleto.
Fonte:
Luiz Ruffato (organização). 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira, RJ: Editora Record, 2004.
Nenhum comentário:
Postar um comentário