Uma tradução falha custa ao autor 20 anos. Esse é o prazo para que outro profissional possa esboçar uma nova versão da obra e, assim, tentar um improvável retorno às prateleiras. Por isso, a tradução pode ser considerada uma arte, pelo cuidado, dedicação e habilidade que requer. E também pelas paixões e fúrias que desperta. Jorge Amado costumava dizer que uma boa tradução era aquela de que ele não entendesse uma palavra. Desta forma, não teria chance de ver o tempero de seus livros esvair-se a cada página.
Em tempos de crescimento e consolidação de escritores brasileiros no exterior, o americano Cliff Landers, com a propriedade que lhe é de direito, fala ao site de VEJA sobre os meandros da profissão. Um dos tradutores atuais mais requisitados – que já verteu para o inglês clássicos de Jorge Amado e José de Alencar, dos imortais João Ubaldo Ribeiro, Nélida Piñon e Moacyr Scliar, e do não menos importante Rubem Fonseca -, ele explica como funciona o seu ofício. E como se comporta o recluso mercado editorial americano, ideal tão distante dos escritores brasileiros.
Quais autores brasileiros e estilos literários se mostram mais difíceis para tradução?
Até hoje, tenho tido a sorte de trabalhar com autores brasileiros cujos estilos são transparentes e compreensíveis, embora naturalmente haja traços individuais que caracterizam suas obras. Apesar de ter enfrentado pequenos problemas léxicos – por exemplo, com gíria e com questões referentes a diferenças culturais e ortográficas -, até o momento nenhum dos desafios tradutórios mostrou-se insuperável. O mais difícil, já que o inglês é uma língua pragmática, é enxugar algumas frases do português.
Qual a relação entre os tradutores e escritores? Costumam trocar ideias?
Isso depende de vários fatores: da disponibilidade do autor, do prazo de entrega do manuscrito, da compatibilidade entre autor e tradutor e do número de dúvidas linguísticas encontradas no projeto. Alguns autores são totalmente inatingíveis, como um famoso escritor português cujo romance traduzi. Outros, como o célebre Rubem Fonseca, são cem por cento acessíveis ao tradutor e sumamente prestativos.
Que artifícios os tradutores usam para se manter fieis ao estilo do escritor?
Cada tradutor, forçosamente, tem de escolher um modo de transmitir ao leitor da língua-alvo informações já conhecidas pelo leitor da língua-fonte. No caso de uma obra de não ficção, uma nota de rodapé chega a ser praxe. Mas o que fazer em um romance? Eu, particularmente, procuro de evitar ao máximo o uso de notas no rodapé. Às vezes, interpolo ideias, como no exemplo: “Moram no Leblon, um dos bairros mais afluentes do Rio”, uma maneira de dar uma informação sem apelar para as notas no fim da página. Na tradução de Iracema (José de Alencar), tive a oportunidade de escrever uma “Introdução do Tradutor”, em que expliquei o vocabulário especial utilizado (oriundo do Tupi-Guarani) pelo autor. Outras vezes, busco uma ideia equivalente, e, em vez de “guaraná”, uma bebida que ninguém conhece nos Estados Unidos, escrevo “refrigerante” (soft drink, em inglês).
Na opinião do senhor, há grandes autores brasileiros que “se perderam” na tradução?
Eu diria que o exemplo clássico dessa perda é a tradução feita nos anos 1960 de Grande Sertão: Veredas (chamada em inglês The Devil to Pay in the Backlands). Ela é considerada uma tentativa fracassada tanto no Brasil como nos EUA. E, infelizmente, quando se dá uma tradução falha, se impede na prática que se esboce outra tradução por pelo menos vinte anos. No caso da obra-prima de Guimarães Rosa, infelizmente, até hoje não houve outra tentativa. A tradução de Macunaíma (Mário de Andrade), mesmo sendo o romance mais representativo do modernismo brasileiro, foi um desastre – ainda hoje não recuperado. Mas temos de perdoar os tradutores pelas dificuldades linguísticas oferecidas por dois clássicos do século passado.
O senhor acha que existem estilos literários mais atraentes para o mercado americano?
Como foi provado pelo estrondoso sucesso da trilogia Millenium, de Stieg Larsson, o policial é um gênero que, ao que parece, nunca deixa de atrair o grande público. No entanto, para o americano o “estilo” é menos importante do que a atração intrínseca do romance. O ideal são personagens bem delineados, um enredo que prenda o leitor e algo que faça com que ele continue virando a página. Suspense é uma outra opção.
As grandes editoras se mostram receptivas aos brasileiros ou a tradução se dá principalmente pelas universidades americanas?
De modo geral, as grandes editoras americanas só se interessam em publicar traduções de obras que possuam forte potencial comercial, a chamada mentalidade jackpot. Isto é, obras de autores já consagrados – um prêmio Nobel como José Saramago -ou obras do gênero policial e de suspense. Paulo Coelho teve sucesso sem igual nos EUA não por ser um autor brasileiro, mas pela grande receptividade ao gênero autoajuda. As imprensas acadêmicas, porém, recebem melhor as obras proeminentes da literatura, porque podem ser de interesse de estudiosos. É o caso de A Formação das Almas, de José Murilo de Carvalho. Naturalmente, em se tratando de editoras universitárias, a repercussão é limitada, ficando quase exclusivamente no âmbito acadêmico, distante do grande público.
Fonte:
Carol Carvalho (www.veja.com.br) para Poetas del Mundo
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