The Jet Blacks ao fundo tocavam “Tema para Jovens Enamorados”, e deslizávamos pela pista improvisada como dançarinos de um balé irresistível. Finalmente, depois de décadas, terminávamos nossa dança há tanto iniciada, nos verdes anos de nossa juventude. Foi preciso que nossos caminhos se desencontrassem, foi preciso que seguíssemos cada qual nossos rumos. Mas meu coração nunca a esqueceu, e ela nunca esqueceu o meu...
Depois, um dia, quando o destino cansou de brincar conosco, quando ela já não era mais que uma linda pintura na parede do meu passado, assim, repentinamente, de novo a encontrei...E vinha pela vida com muitos sorrisos e algumas feridas e eu, com muitas feridas e alguns sorrisos...Então, ela me disse.
“Alô! Está a passeio?”.
Voltei-me e a vi ao meu lado. Foi como se um raio tivesse caído sobre mim, e seu clarão me cegado completamente. Quase desfaleci de felicidade ao vê-la, ainda bela, e ao ouvir a voz maviosa que por tantos anos ecoou em meu coração.
Sem conseguir organizar o turbilhão em que se transformaram minhas idéias, respondi como um autômato:
“Eu... moro aqui!”.
Seguiu-se um momento mágico de reencontro alucinante, onde, parados ali, no hall do hotel, sem ousar nos tocarmos, desfilavam por nossos olhos, num ritmo frenético, a angústia de toda uma vida de espera. O mundo desapareceu ao nosso redor, e o grande turbilhão misturou todos os sons, transformado-os num incompreensível torvelinho de vozes e ondas do mar.
Sua voz ficou a latejar em meus ouvidos na eternidade que duraram aqueles segundos preciosos. Uma fraqueza espalhou-se sorrateiramente pelo meu corpo e tive que me apoiar no balcão enquanto minhas têmporas ameaçavam explodir. Então, a suave música de sua voz deu-me a certeza de que eu delirava em plena luz do dia.
“Estamos a passeio. Partimos amanhã cedo. Este lugar é maravilhoso”.
Deus! Por quantos anos esperei por esse encontro, até vir morar nesse lugar isolado, onde minha saudade pode livremente passear pelos campos da imaginação. Foi preciso que nossas vidas voltassem a ficar vazias, para que nossos caminhos de novo se encontrassem.
“Conheces esse senhor?” Perguntou o homem que se aproximou e passou o braço por sobre seus ombros,
“Não, eu só estava pedindo algumas informações”.
Pude sentir em minha própria alma o esforço que ela fez para dizer isso, e vi a tristeza imensa que havia em seu olhar, a despeito do maravilhoso sorriso que tentava encobri-lo. Compreendi que ela era prisioneira de seu destino.
De volta ao meu apartamento, à beira do oceano, às margens da fímbria da floresta, numa solidão que jamais supunha existir, escolhi a música com a qual pela última vez dançáramos, e, quando os primeiros acordes encheram o ar de saudade, fui até a sacada onde meu coração finalmente se rendeu, explodindo meu peito em soluços incontroláveis. Minhas lágrimas puderam livremente juntar-se às águas do mar...
E assim a noite foi descendo sobre o mundo. Não sei por quanto tempo fiquei olhando sem foco as faíscas que o sol esculpia nas ondas...Efêmeras e vazias como minha própria vida.
Então seu perfume novamente inebriou-me a alma, e mãos angelicais pousaram suavemente sobre meus ombros. Quando me voltei, ela me olhava com seus olhos maravilhosamente ingênuos, que o tempo não conseguira corromper.
Ela estava ali, diante de mim, como em meus sonhos mais alucinados, sonhos que me perseguiram através de toda a minha vida.Nem a percebi entrar...Estava descalça como eu, e, sem dizer palavra, roçou seus lábios nos meus num dulcíssimo beijo do mais puro devaneio.
Os acordes da música maravilhosa nos envolveram e ela, tomando-me em seus braços levou-me numa dança calma e ondulante onde parecíamos flutuar...
“Nossa primeira... e última dança” murmurou ela docemente num sussurro quase inaudível, na voz que eu tanto me esforçara para que o tempo não apagasse.
“Deus atendeu às minhas súplicas e permitiu que eu te visse uma última vez”.
Seu perfume banhava-me a alma e brisas de saudade invadiam-me em ondas de ansiedade, na tentativa de parar o tempo e resgatar toda a felicidade não vivida, todas as lágrimas derramadas, todas a noites de silenciosa agonia, enquanto meus pés descalços deslizavam pelo carvalho liso do assoalho.
Ao longe, através dos grandes janelões envidraçados, o oceano debruçava-se numa tarde preguiçosa e avermelhada, como a render homenagem ao nosso desesperado reencontro. Ausente da dor voraz que consumia nossos corações, uma gaivota pousou curiosa no parapeito tosco da sacada, de onde observava, enlevada, nosso último bailado.
Para os lados do nascente, mares de densas e verdes florestas ondulavam sob a brisa da tarde, despedindo-se do dia, rendendo sua homenagem aos últimos raios do sol. Sombras mágicas avançavam sobre a mata, e os cumes das montanhas próximas apontavam algumas estrelas que já cintilavam num céu violeta, borrado aqui e ali pelo vermelho do poente.
Eu a segurava pela cintura como se segura uma fina porcelana rara, quase sem a tocar, e podia sentir seus leves movimentos sob minhas mãos angustiadas. Então, como eu sempre desejara, o tempo cessou de fluir. Havia somente nós dois, nesta dança há tanto sonhada.
Aproximamos nossos corações...Tínhamos tanto a nos dizer, e nos dissemos tudo, através do silêncio que transbordava de nossas almas...
Minutos, foi tudo o que precisamos para viver nossa eternidade, e nela permanecemos abraçados, olhos nos olhos, conscientes de que escrevíamos o último capítulo de um livro inacabado.
Assim, por instantes, enganamos o próprio tempo. Depois lentamente, a música chegou ao fim...E na intensidade de um olhar esfuziante, no desespero de mãos que se distanciam para sempre, nas vibrações de almas desesperadamente carentes, ela se foi, deslizando, ainda a girar, e quando a porta se fechou sobre minha vida, The Jet Blacks recomeçaram...Blue Star...e ainda na emoção de te-la em meus braços, recomecei a dançar...
Fontes:
JB Xavier
Imagem = Mundo dos Gifs
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