ACELERADA MEMÓRIA
Ah, meu rapaz, já foste esbelto, um belo tipo, com certeza,
Quando atiravas ao rosto da vida tua impetuosa mocidade,
Agindo com deliberada força, portando corpo indomável.
Tudo teu cheirava a novo, pois eras único com teus sonhos,
Então te permitias, sem inútil culpa, ao prazer solitário,
Isto, com certeza, aliviava a carga dos teus fluxos.
As sensações impudicas, tu as levava muito a sério,
Porque te acreditavas um amante quase perfeito,
Na juventude, ao te esgotares, sem medo algum,
Levando ao dia seguinte o ardor que o vigor te oferecia,
Logo te mantinhas pronto para a lida mundana,
Mesmo à custa do esquecido cansaço.
Mas a manhã se fez tarde e o destino te cobriu de nuvens,
A massa líquida desabou sobre a casa dos teus anseios.
Agora, tu não rompes mais com garbo as alegres vigílias,
Mas já o sono tornou-se para ti um apegado companheiro,
Transformou o teu desejo e mandou-o para um ponto distante,
Muito longe das aventuras com que enfrentavas o olhar da noite.
A tua percepção da fêmea agora é um projeto que te agrava,
Aprofunda as marcas do teu tempo na acelerada memória,
Condiciona toda a saudade a instantes tão-somente curtos,
Traz, aos bocadinhos, as imagens delicadas dos devaneios.
Estás velho, meu rapaz, afinal, isto é o que posso te dizer,
Porém, se quiseres, a vida poderá estar apenas começando.
SONETO DO ROMANCE ETERNO
O desejo com que te busco logo vem
E na angústia de amar espatifei a taça.
Sou ruminante do que a memória retém.
Guardo, dos teus lábios, o gosto que ameaça.
Não bebo do vinho, por pura sobriedade.
Preparei, para ler teus versos, o melhor momento,
Ancorando os sonhos aos pés da eternidade,
Antes mesmo de beijar o menor fragmento.
Teus receios nunca me provocam chaça,
Porque sou leve e lento para entender
As cores do teu romance em devassa.
Quanto mais tenho a ti em pessoa,
Para a ternura que as palavras resumem,
Concluo, enfim, jamais ter te amado à-toa.
JEJUM E FOME
Minhas palavras não parecem felizes,
Porque elas escondem o qwue penso.
A lógica que opero é muito fragmentária,
Logo se instala o desacordo,
Revelado entre mim e os amassados sentimentos.
Vou juntando pedaços de tudo,
Para montar um planetário de visibilidades
E ver todas as coisas por todos os ângulos.
Não posso apresentar meus poemas em casa vazia,
Mesmo desconfiando estar entortando versos.
Preciso que a boa sorte fique ao meu lado.
Um pouco de si e ela será bem-vinda,
Mas tenho a intuição dos concretos limites.
O meu relento é o lugar das tantas vozes,
Quando, nele, jejuo parecendo que estou com fome.
NO BICO DA CHALEIRA
Minha vontade é de parir poemas com o coração
E fechar a boca para não cuspir,
Sobre o prato, o elogio desviado de mim,
Porque nunca trabalhei para ser simples.
Se sabiamente dissesse todas as coisas com paixão,
O mal por si teria sido menor à minha conta.
Faria caso, de primeira, de soletrar as pausas,
Corrigir a apressada fala e evitar morder a língua.
Os atos que confiro são os meus focos de resistência,
Algo parecido a teias pendendo do teto
Ou a fragmentos do universo das palavras vãs.
Ainda não conheci a Pasárgada, de Bandeira,
Ora, meus versos lembram nuvens pequeninas,
Espirais de fumaça no bico da chaleira.
Fonte:
texto enviado por Poetas del Mundo
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