Havia uma disputa entre o alcatraz (espécie de pelicano) e o eider...
— Antes de mais nada — pediu Narizinho — explique que bichos são esses.
— O alcatraz é uma ave marinha que tem um saco debaixo do bico. Uma ave com fama de ser a mais glutona de todas. Por isso os homens de certas zonas utilizam-na para a pesca. Botam-lhe uma argola no pescoço, debaixo do tal saco, de modo que o alcatraz pesque o peixe mas não possa engoli-lo. E o eider é um patão marinho dos países frios, famoso pela maciez de sua pluma; muito usada para travesseiros e acolchoados.
Bem. O alcatraz e o eider andavam brigando justamente por causa da pluma. Cada qual queria ter o privilégio de produzi-la. Por fim combinaram uma coisa.
Ficaria com o privilégio da pluma o que acordasse mais cedo e avisasse ao outro de que o sol estava nascendo.
Disposto a ganhar a partida custasse o que custasse, o alcatraz resolveu passar a noite acordado. Já o eider tratou de dormir o mais cedo possível. Sono, porém é sono. Quando chega não há quem agüente, de modo que lá pela madrugada o alcatraz estava de não poder mais consigo. Tinha de fazer esforços tremendos para conservar os olhos abertos.
De repente não pôde mais, cochilou — e teve um pesadelo, pondo-se a gritar: "O sol! O sol está nascendo!
A gritaria acordou o eider, que ficou a rir-se de ver o pobre alcatraz naquela luta para resistir ao sono. Por mais que fizesse, o sono o ia vencendo. Afinal sua cabeça pendeu e ele dormiu duma vez.
Justamente nesse instante o sol começou a levantar-se.
— O sol! O sol! Lá vem vindo o sol! Ganhei! — gritou o eider.
E teve de sacudir o alcatraz para acordá-lo.
Desde então ficou o eider com o privilégio das plumas maciíssimas — tudo porque soube fazer as coisas.
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— Está aí um ponto meio duvidoso — disse Pedrinho. — O eider não soube fazer nada — apenas dormiu. Teve sorte, isso sim.
— Espere, Pedrinho. Note que o alcatraz, muito estupidamente, quis forçar a vitória, e a vitória não gosta de vir desse modo. Já o eider respeitou as leis da natureza, não forçou coisa nenhuma.
— Que lei?
— A lei do sono. A sabedoria do eider foi tratar de dormir o mais cedo possível. Era o meio de estar bem acordadinho à hora do nascer dó sol. O alcatraz contrariou a lei do sono — e pá! levou na cabeça,
— Por falar em eider, vovó, não poderíamos criar essa ave aqui? — perguntou a menina. — Teríamos plumas para os nossos travesseiros — coisa muito, melhor que macela.
— Pois eu em vez de plumas de eider preferia papos de alcatraz, para pescar de argola na lagoa — disse Emília.
— Impossível — respondeu dona Benta. — Essas aves não agüentariam o nosso clima.
Muito quente para elas.
— Poderiam dormir na geladeira — lembrou Emília.
— Ei, ei, ei! — exclamou Narizinho. — Eu já andava admirada dum livro inteiro sem uma asneirinha só...
— E agora vovó? — indagou Pedrinho. — Que história vai contar?
— Creio que chega. Com tantas histórias assim, vocês apanham uma indigestão.
— Mais uma apenas, para fechar a série. Pedrinho pensou um bocado.
— Uma de onde?
— Uma do Rio de Janeiro, por exemplo — uma bem carioca.
Dona Benta olhou para o forno. Depois riu-se e contou
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Obs: A pluma do eider chama-se edredão; o mesmo nome «e dá ao travesseiro ou acolchoado que contém pluma.
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Continua… XLIV – História dos Dois Ladrões
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source
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