quarta-feira, 1 de junho de 2011

A. A. de Assis (A Guerra das Sanfonas)


Maio de 1964, semana dos 17 anos de Maringá. Na programação, um concurso de sanfoneiros, a mais badalada atração da festa. Gente e mais gente se juntava pra ver de perto; quem não vinha ficava em casa acompanhando pelo rádio, em ferrenha torcida.

Os artistas da sanfona de oito baixos chegavam de toda a região, alguns até de mais longe, prêmios convidativos, mais ainda o prestígio, a glória. As eliminatórias, durante a semana toda, eram o assunto único. Nhô Juca de mestre de cerimônia, caprichoso nos detalhes. Deu discussão, deu briga, tudo como convém a um festival que se preze. E aquele era uma verdadeira guerra.

Gente ilustre da cidade formando a comissão julgadora, músicos importantes, políticos, intelectuais. Chegou a grande finalíssima. Veio junto a decepção ecoada na forma de estrondosa vaia. Protestos e mais protestos. Os julgadores xingados de todos os nomes.

O motivo da bronca?... Magina: os sanfoneiros autênticos sentiram-se insultados e seus fãs-clubes se alvoroçaram. O grande problema: a comissão dera o primeiro lugar a um acordionista. Pior ainda: a um acordionista que tocara “El relicario” e “La cumparsita”. Absurdo. Onde já se viu enfiar acordeão em festa de sanfonas?... De jeito maneira!

Acordeão é ferramenta de gringo. “La cumparsita” é pra gente de língua enrolada. Nossa música é modinha, valsinha, toada, baião, que têm cheiro e gosto de terra, alma de povo. A comissão julgadora deveria ter pensado nisso. A grita era geral, contagiante. Queriam porque queriam a anulação do concurso. Injusto e impatriótico.

Sob apupos e assovios, o homem da “La cumparsita” recebeu, porém, assim mesmo o prêmio. A culpa afinal não era dele, era dos julgadores, mas naquela hora ninguém tinha serenidade para raciocinar direito. Era grito, era palavrão, era ovo lançado contra o palanque. O caso foi assunto do dia por dias e dias, em cada esquina, em cada bar, fofoca das boas, sobretudo das quentes.

Uma pena, porque depois de tamanha encrenca nunca mais se fez concurso de sanfoneiros por aqui. Pelo menos não daquele porte. Uma tradição que poderia ter permanecido, não fosse a insensibilidade daquela desastrada comissão julgadora.

Fonte:
ASSIS, A. A. de. Vida, verso e prosa. Maringá: EDUEM, 2010.

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