sexta-feira, 1 de julho de 2011

Cláudio de Cápua (Galo Doidão)


publicado originalmente na edição número 2 da revista Santos Arte e Cultura

Certas cenas indelevelmente ficam registradas, em nossa mente e, de uma forma ou de outra, marcam nossas vidas. Uma delas: eu tinha aproximadamente sete anos e Berto, meu irmão, uns três menos. Morávamos na Avenida Inajá, hoje Lavandisca, no bairro de Indianópolis, em São Paulo. Terreno, com 20 metros de frente, e 65 de fundos. Na frente, a casa de meu avô materno, e nos fundos, a nossa casa. Tínhamos no belo pomar dois pessegueiros, limoeiro, laranjeira, ameixeira e dois pés de figo, sendo que um deles era raro, figo branco. E ainda uma parreira de uvas rosé, um pé de louro, touceira média de cana e uma enorme goiabeira de frutos vermelhos, que, temporã, frutificava o ano inteiro.

Certo dia, nossa avó, Maria da Glória, fez-nos uma surpresa; - trouxe da feira cinco pintinhos, que nos foram dados de presente. Dois logo morreram, e os outros três se transformaram em duas frangas e um frango. As frangas logo foram parar na panela, mas o galo virou bicho de estimação. Nossa família, descendente de italianos, como 85% das famílias paulistanas, nunca deixava faltar vinho à mesa. Certo dia, num almoço domingueiro, tio Rafael, irmão de minha mãe, molhou miolo de pão num resto de vinho e arremessou-o pela janela, em direção ao nosso galo. Petisco de imediato devorado. Resultado: o galo pôs-se a cantar fora de hora.

Berto, meu irmão, embora pequeno, era vivo e arteiro. Viu o que o pão e o vinho fizeram ao galo e passou a repetir a arte a qualquer hora do dia ou da noite. E, após algum tempo, o galo assumiu um ritual todo seu. Devorava o petisco, subia no tanque, pulava para o muro da vizinha, de onde saltava para o telhado do tanque e depois para o telhado da casa. E, aí, ele percorria o telhado, até a frente da residência e bem no alto da cumeeira punha-se a cantar, a qualquer hora do dia ou da noite, para uma platéia de transeuntes que paravam diante da casa, abismados com o espetáculo daquele galo doidão, sem entender as razões de sua estranha euforia.

Fonte:
Cláudio de Cápua
Imagem = http://www.clipart.criadoronline.com.br

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