quarta-feira, 13 de novembro de 2019

A. A. de Assis (Poemas Diversos) 2


VERSO MORTO

Aguardo o nascimento de um verso...
Mas o verso não sai,
Está vivo
chorando
na ponta de meus dedos
ansioso de luz.
Mas o verso não sai.
Meus dedos o prendem.
Egoístas.
Covardes,
Querem ficar com o meu verso
que se demorou tanto a gerar.
O papel espera.
A máquina à postos.
As teclas em linha.
Mas o verso não sai.
os dedos o prendem.
Egoístas.
Covardes.
Um verso tão pequenino.
Um nome apenas.
E os dedos o prendem.
E o verso não sai.
Morre no ventre da inspiração.
Dedos sem alma.
Egoístas.
Covardes.
Pobre verso...
Nunca mais gerarei outro igual...

TELEFONE

Alô, meu bem… é você?
Oh! Meu amor... há quanto tempo!
Sim… sim…mas com muita saudade…
… você nem imagina…

Tudo me trazendo lembranças suas:
as músicas…
A paisagem…
as noites alegres…
e o seu rostinho teimoso
levantando-se na fumaça
nascida de meu cigarro…

Anhan… em tudo, você.

Oh! meu amor… foi mesmo?
Não acredito… seria muita coincidência…
… está bem… está bem…

Hoje à noite… espere-me à janela,
vestida de branco…
e use aquele perfume
do primeiro dia de nosso amor…
Até logo, querida… outro para você…
… de estalar…

INVÍDIA

Tenho inveja daquela estrelinha
que pisca de longe
num buraquinho furado no céu.

Quisera ser como aquela estrelinha
que vive distante
sem ouvir a presença do mundo.

Esconder-me entre as outras estrelinhas
que bailam contentes
na pista feiticeira do infinito.

Brincar com as outras estrelinhas
que se namoram
nos segredos impenetráveis do universo.

Tenho inveja daquela estrelinha
que pisca de longe
num buraquinho furado no céu.
Que vive
e namora
e que baila
com muitas outras estrelinhas
na pista feiticeira do infinito…

UBINAM *

Fui buscar-te
na minha saudade
e encontrei somente o vazio.

Nos meus sonhos:
nem lá te encontrei,
que até dos meus sonhos fugiste.

Fui buscar-te
em noites de estrelas
e a noite escondeu-me o teu rosto.

Fui buscar-te nas madrugadas
e nas tardes auriluzentes.

… Não estavas na fantasia,
tampouco nas ilusões…

Fugiste,
levando
contigo
teu beijo,
teus olhos,
levando
tudo.

Fugiste,
deixando
comigo
saudade,
tristeza,
e um verso
mudo.
___________________
Nota do poeta:
* Ubinam – é uma expressão adverbial em latim. Significa "onde está?"


ALUCINAÇÃO

Um rosto vago
substancia-se
na intimidade do meu subconsciente.

Caminha ao encontro do meu beijo…
fala… ouço-lhe perfeitamente a voz…
abraça-me…
dá-me outro beijo… mais longo… mais quente…

Depois
a pouquinho e pouquinho
abstrai-se
vagamente
deixando um desejo insatisfeito
na intimidade do meu subconsciente…

SERENATA

Neblina densa
envolve um poema
nos segredos da madrugada.

Vozes do vento
quentes
confusas
sopram canções
que se perdem na serenata.

Dois vultos passeiam na praia:
mãos entrelaçadas
cabelos soltos ao beijo da brisa
tecidos leves
alvíssimos
voando…
quatro pés morenos machucando a areia
compondo os versos de um poema
feito de vozes e corpos
que cantam e dançam nos segredos da madrugada.

Uma onda egoísta
sobe à praia…
… recolhe o poema…
… afoga-o…

Fonte:
A. A. de Assis. Robson (Robson 60 anos 1959 – 2019). 2. ed. Maringá/PR: A.R. Publisher, 2019.
Livro entregue pelo autor no lançamento da edição do livro, em 8 de novembro de 2019, na FLIM (Festa Literária Internacional de Maringá)

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