domingo, 10 de novembro de 2019

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XXIX


TÃO SIMPLES ESTE AMOR ...

 Tão simples este amor nasceu... Nós nem notamos
 que era amor e afeição que aos poucos nos prendia...
 O amor, - é aquela flor que engrinalda dois ramos
 aos esponsais de luz do sol de cada dia!

 Dois ramos, - eu e tu, - e as horas desfolhamos
 numa doce, irrequieta e impensada alegria,
 - e assim vamos vivendo, e a viver, acenamos
 sonhos verdes aos céus azuis da fantasia!

 Tão simples este amor nasceu... Tal como nasce
 um beijo em tua boca, um riso em tua face,
 uma estrela no céu... ou uma flor de um botão.. .

 Nem era necessário mesmo eu te falar,
 se já o tens transformado em luz no teu olhar,
 e eu, já o sinto a cantar, dentro do coração!

TEMPLO PAGÃO

Quando inteira te despes, - os teus ombros nus
modelados de luar, de areias e de luz;

os teus seios pequenos, trêmulos e ousados,
como frutos maduros, quentes, sazonados;

e os teus curvos quadris esculturais, e as ondas
das nádegas carnosas, cheias e redondas;

e o detalhe das pernas firmes, que eu contemplo
como a duas colunas áticas de um templo;

e a borboleta fulva, de asas de veludo
imóveis e espalmadas no teu claro ventre;

quando inteira te despes aos meus olhos, - tudo
é um convite de amor a que eu viva, a que eu entre

para rezar no templo escondido e velado
que há no teu corpo esplêndido e marmorizado

uma oração pagã, olímpica e sensual,
em glorificação da beleza imortal!

UM DIA...
   
Um dia ... E para nós há sempre um dia
que tudo modifica de repente,
dando outro rumo, inesperadamente,
ao caminho que a gente percorria.

E então, a hora impensada de alegria
se transforma em tristeza rudemente,
- ou a dor se desfaz - e a alma sente
imprevisto prazer que não sentia.

Ouço falar assim desde menino
e me deixo ficar, sempre esperando
por esse estranho dia do destino...

E às vezes, esta espera me intimida,
porque não sei o que trará, nem quando
chegará esse dia à minha vida!

UMA PALAVRA, UM GESTO...

Não quiseste, - ou quem sabe? ... vacilaste na hora
em que esperei de ti uma palavra, um gesto...
- bastaria um olhar quando me fui embora,
um olhar... e eu feliz entenderia o resto...

Mas, não. Nem um olhar, num um vago protesto,
em um tremor na voz de quem sofre e não chora...
Ah! teria bastado uma palavra, um gesto,
para tudo, afinal, ser diferente agora...

Parti! levou-me a vida, ao léu, e redemoinho...
Hoje, volto, - e tu me olhas a falar de amor
e me entregas as mãos num gesto de carinho...

E evito teu olhar... E não me manifesto...
- É que, já não te posso dar, seja o que for,
nem mesmo uma palavra de esperança, um gesto…

VAIDADE

Tua vaidade é como um deus antigo
exige sacrifícios aos seus pés...
Olhar-te, é desafiar algum perigo,
amar-te, é procurar algum revés...

Olhei-te, e desde então teus passos sigo...
Amei-te, e mesmo assim. não sei quem és...
Meu amor, pobre amor, quase o maldigo,
talvez seja outra vitima a teus pés...

Amores, esperanças e desejos
ardem nos castiçais dessa vaidade
ao incenso sensual que há nos teus beijos.. .

Eis que te trago aqui meu coração.
Já de nada me serve, se em verdade
converteu-se a tão fútil religião!

VARIAÇÕES SOBRE A VIDA...

1
Gota d’água transparente
que brilha, cresce... e que cai!
Assim a vida de gente
que um instante se vai !

2
A Vida, - mistério vão
sombra agora, depois luz,
- estranho traço de união
ligando um berço... a uma cruz !

3
A Vida – uma onda que avança
e volta, - vai-vem do mar...
Quando vai, quanta esperança !
Quanta amargura, ao voltar !

4
A Vida, ansiosa escalada
sobre a paisagem do mundo...
Tanto esforço para nada
se há sempre abismo no fundo !

5
Ás vezes penso que a vida
essa vida – besta vida! –
coisa sem finalidade
que há tanta gente a querer

6
Ás vezes penso que a vida
que há tanta gente a querer,
só existe, - indefinida –
pra gente poder morrer…

VENTO...

Teu amor entrou na minha vida
violentamente,
como um sopro de vento abrindo uma janela
de repente.

Teu amor desarrumou meu Destino,
arrancou das paredes velhos retratos queridos,
e quebrou uma jarra no canto da minha
alma,
cheia de rosas,
cheia de sonhos...

Depois...
Teu amor saiu da minha vida, de repente,
como um sopro de vento fechando uma porta
violentamente…

VINGANÇA

Ontem eu a possuí ... e você não é minha!
Paradoxo talvez, mas tudo aconteceu ...
Em pensamento, o beijo eu colhia, tinha
o sabor desse beijo que você não deu ...

De olhos cerrados, louco, a sua imagem vinha
com a força do que é real e se impôs ao meu "eu" ...
E o corpo que eu tocava e a minha mão sustinha,
na sombra, aos meus sentidos cegos - era o seu!

Ontem por mais que a ideia seja estranha e louca,
- você foi minha enfim!... apertei-a ao meu peito...
desmanchei seus cabelos... machuquei-lhe a boca!

E possuía afinal, - num ímpeto criador –
vingando o meu orgulho abatido e desfeito
num doentio segundo de paixão e amor!

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 2. SP: Ed. Theor, 1965.

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