Já lá vão muitos anos, mais de seiscentos, desde o trágico episódio dos amores de Dom Pedro, filho herdeiro do rei Dom Afonso IV de Portugal, e de Dona Inês de Castro, uma nobre castelhana chegada a Portugal na condição de dama de companhia de Dona Constança Manoel, filha do rei de Castela, cujo casamento com Dom Pedro fora combinado entre as duas famílias reinantes por razões de ordem política.
Assim que a viu, logo Pedro se enamorou de Inês e por esta foi correspondido. Corria o ano de 1340. Após o casamento que legimitou a sua união com a filha do rei de Castela, o sucessor ao trono de Portugal prosseguiu a sua ligação amorosa com Inês de Castro, a mulher que ele realmente amava e de quem teve três filhos. Vários anos durou este romance de verdadeiro amor e paixão, para grande irritação do velho rei de Portugal.
De sua legítima mulher, Dona Constança, teve Dom Pedro vários filhos, que morreram ainda crianças, tendo apenas sobrevivido um, Fernando, que mais tarde sucedeu a seu pai no trono. Entretanto morria Dona Constança.
Pedro e Inês viviam o seu romance conforme podiam, permanecendo algum tempo em vários dos muitos castelos reais existentes, tendo por fim fixado residência na cidade de Coimbra, no Palácio da Rainha, junto ao Mosteiro de Santa Clara, hoje chamado de Santa Clara-a-Velha.
Sabedor do paradeiro dos dois amantes, o rei envia Diogo Lopes Pacheco, homem da sua confiança, a Coimbra, com a missão de aí se encontrar com o seu filho e lhe pedir que reconsiderasse a sua atitude irresponsável e leviana e que tomasse a decisão de escolher uma princesa legítima de uma casa real e que com ela casasse, pois o seu romance com Dona Inês estava a causar escândalo entre os nobres, o clero e os bons burgueses do Reino de Portugal. Mas Dom Pedro mostrou-se desinteressado. Jamais voltaria a casar.
Enquanto os membros dos estratos sociais mais elevados do Reino e da Corte manifestavam junto do Rei a sua desaprovação pela felicidade que o infante Dom Pedro não escondia de ninguém, o povo português, aquele que trabalhava os campos, pescava, construía casas, amassava e cozia o pão, vendia e comprava nas feiras, o povo trabalhador que pagava os impostos que alimentavam o corpo e a ociosidade das classes superiores, esse povo adorava Dom Pedro, pois o futuro rei participava nas suas festas e romarias, e gostava de cantar e bailar com eles pelas ruas até de madrugada.
Dona Inês era para o rei de Portugal um problema político de difícil resolução, porque se o pequeno infante Dom Fernando, apenas com dez anos e não muito saudável, o único varão legítimo de Dom Pedro, nascido do seu casamento com Dona Constança, morresse antes de ter por sua vez um herdeiro legítimo, e Dom Pedro não tivesse outros varões legítimos, seria um dos filhos de Dona Inês, um Castro, um Grande de Espanha, a herdar o trono de Portugal.
Logradas que foram as tentativas de Dom Afonso IV para pôr fim aos amores de Pedro e Inês, o velho rei deslocou-se à cidade de Coimbra acompanhado de numeroso grupo de homens de armas, isto numa altura em que na Corte se sabia que Dom Pedro estava ausente, caçando ursos e javalis muito longe dali, mais para Norte.
Era a noite de 6 de Janeiro de 1355. Na cidade de Coimbra gerou-se um grande burburinho entre a população, que ficou temerosa do que poderia acontecer com a chegada do pai, precisamente quando o filho andava por fora. Dona Inês encontrava-se sozinha no palácio sem a proteção de Dom Pedro, o seu amado, o único capaz de fazer frente ao rei.
Nessa madrugada, sai Dom Afonso IV a cavalo acompanhado da sua comitiva e descem até à residência de Dona Inês, ao lado do Mosteiro de Santa Clara, junto ao rio. Os homens de armas forçam a entrada e todos entram de rompante no grande pátio interior. O rei manda chamar Dona Inês que surge acompanhada dos filhos. Logo o rei ordena ali aos seus homens que terminem com a vida daquela mulher, mas ela suplica ao velho rei que tenha piedade dela e das crianças, que são seus netos. Os filhos choram, assustados, agarrados às saias da mãe. As aias choram também e pedem piedade. Pedem àqueles homens de armas que deixem os da casa em paz e se vão embora. O rei acaba por se apiedar e cede. Dirige-se para a porta mas, ao passar a porta, três dos seus homens, Diogo Lopes Pacheco, Pero Coelho e Álvaro Gonçalves, de novo insistem com ele para que ordene a morte de Inês, ao que o rei acaba por responder
- Fazei lá o que quiserdes.
Estes voltam para trás, gerou-se grande confusão no pátio do palácio, e os homens do rei decapitaram Inês de Castro diante dos filhos e dos criados de sua casa, que choravam e gritavam.
Assim que um mensageiro comunicou a trágica notícia a Dom Pedro, a sua dor e fúria foram indescritíveis, mas estando vivo o rei ainda não era chegado o momento de dar livre curso à sua fome de vingança.
Algum tempo depois morreu o velho rei e Dom Pedro ocupou o seu lugar no trono de Portugal. Não perdeu tempo a sentenciar os assassinos da sua amada Dona Inês.
Junto a uma das portas da cidade havia sempre um pobre cego a quem Diogo Lopes Pacheco costumava dar esmola, e que ao sentir que este regressava a casa o avisou para que fugisse, que os soldados de Dom Pedro o estavam procurando, certamente para o prenderem, e assim Diogo Lopes Pacheco se salvou.
Pero Coelho e Álvaro Gonçalves foram menos afortunados. Trazidos à presença de Dom Pedro, este os executou por suas próprias mãos. Empunhando o seu punhal, Dom Pedro a um arrancou o coração pelo peito e ao outro fez o mesmo pelas costas, mordendo-os de seguida. Era este um costume ancestral dos antigos Celtas. Morder o coração do inimigo, para se assegurar de que este está efetivamente morto.
Segurando o coração de Pero Coelho na ponta do punhal, gracejou, cheio de ódio, pedindo aos presentes que lhe trouxessem azeite e vinagre para temperar o coelho.
Vingada a morte da sua amada, o rei mandou então que procedessem à transladação dos restos mortais de Dona Inês do local onde se encontrava sepultada, em Coimbra, para um magnífico túmulo construído para o efeito no Mosteiro da Batalha, túmulo esse que ainda hoje lá se encontra e que é considerado uma obra-prima da escultura tumular medieval.
O cortejo fúnebre percorreu a pé os mais de cem quilômetros que separam Coimbra da Batalha, a urna de Dona Inês carregada em ombros por homens de armas. Ao cair da noite punham-se a caminho, alumiados por centenas de archotes empunhados por outros tantos criados e escudeiros e só paravam para descansar quando a linha do horizonte começava tenuemente a aclarar. Várias noites durou a caminhada, contornando montes, descendo vales e atravessando florestas.
Chegados a Alcobaça, Dona Inês foi sentada num trono e Dom Pedro fê-la coroar rainha. Toda a Corte ajoelhou e beijou a mão da sua rainha, Inês de Castro, um cadáver em decomposição.
Dom Pedro ainda reinou durante vários anos, amado por uns, odiado por outros. Dava largas ao seu gosto pelos festejos populares onde aparecia para alegria do povo, sempre acompanhado dos seus amados e fiéis companheiros de armas.
Fonte:
David Martins. Histórias e Lendas de Encantar.
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