1
Cantando galope, ninguém me segura,
estando em meu barco, jangada ou canoa,
tragando as procelas e o vento da proa,
enfrento a sereia, seu canto e ternura,
as ondas revoltas e a noite mais pura,
as trevas mais negras, eu posso enfrentar...
Meu barco é ligeiro e no meu velejar,
banhado de prata no claro da lua,
enquanto meu barco nas ondas flutua,
eu canto galope na beira do mar!
2
Levanto bem cedo, me ponho de pé,
abraço a procela da noite sombria,
a aurora desperta e a barra do dia,
montada nas ondas, acorda a maré;
eu pego o rosário, me curvo ante a fé,
me entrego a Jesus e começo a rezar,
tenho que partir, pois preciso pescar,
foi tudo que fiz e até hoje ainda faço,
me sinto feliz quando beijo e me abraço
com o velho balanço das ondas do mar!
3
Enquanto o silêncio da noite se agita,
descanso, em meu barco, sentado na proa,
só escuto o barulho da voz da garoa
enublando a lua, no céu tão bonita;
risonha, cintila na paz infinita,
no instante em que escuto a sereia cantar,
eu giro o meu barco, começo a voltar,
com medo da noite e da velha sereia,
prefiro encalhar o meu barco na areia,
dormir sossegado na beira do mar!
4
Cruzei pantanais, muitos lagos e rio,
outros mares na vida, também já cruzei,
no campo eu lutava, na rua eu lutei,
pois essas lembranças jamais silencio;
fazer serenatas em noites de frio,
com meu violão eu sozinho a cantar,
no banco da praça, com a lua a brilhar,
bebia o sereno dos olhos da lua,
e assim que acabava a tristeza da rua,
voltava ao meu barco na beira do mar!
5
Poeta, eu aceito, num gesto bonito,
cantar as belezas que existem no mundo,
cruzar as fronteiras do mar mais profundo,
deixar minhas marcas no chão de arenito;
gravar o meu nome no duro granito,
na crista das ondas a me balançar,
convidar as musas para me beijar,
num gesto bonito, galante e decente,
na sofreguidão de uma tarde morrente,
cantando galope na beira do mar!
6
Só meu bandolim me carrega a incerteza,
nas noites que, insone, adormeço sozinho,
o dengo das cordas, seduz o meu ninho,
e o choro das notas me afasta a tristeza;
depois que desperto, eu esqueço a pobreza
do velho ranchinho e do meu caminhar,
sem luz e sem gás, como é rico o meu lar,
na simplicidade de um bom pescador.
De noite, o meu barco é uma enchente de amor,
molhado de espuma das ondas do mar!
7
Eu gravo o que vejo, na luz da retina,
dos olhos da lua e na paz das estrelas,
cantando, na praça, eu também quero vê-las,
bebendo o sereno da noite divina;
é assim que descrevo a beleza menina
e as rugas do rosto do chão potiguar,
o vento brejeiro que vem balançar
as mãos dos coqueiros de palmas abertas,
que espantam mistérios das noites desertas,
nos morros de areia da beira do mar!
8
O sopro da brisa é meu farto alimento,
e o solo da lira, meu canto infinito,
o toque do sino é meu eco e meu grito
e a minha viola é o meu pensamento;
em tudo que faço, no meu aposento,
eu sinto a ternura de um canto no ar,
respiro e medito e começo a pensar
que a vida que levo é de paz e esplendor…
Derramo alguns versos na fonte do amor
e o resto que sobra, nas águas do mar!
9
Seis horas da tarde, eu contemplo contrito,
meus lindos encantos do templo celeste,
no instante em que o sol, debruçado e sem veste,
desliga o farol que ilumina o infinito;
sem luz e calor, deixa o céu tão bonito,
que a lua sorrindo, começa a brilhar;
é a luz sem reflexo do globo solar,
brilhando outra vez, nos olhares da lua,
que linda e faceira, no espaço flutua,
molhada com os pingos das ondas do mar!
10
A lua, sem roupa, sorrindo ofegante,
provoca ciúmes na noite tão bela,
desfila sozinha a mais linda donzela,
que sempre se esconde no quarto minguante,
seu rosto bonito, de olhar flamejante,
suspira desejos de alguém conquistar,
e eu vivo sozinho tentando abraçar
os braços daquela que abraça o meu chão,
porque quem conhece o luar do sertão,
não sente saudades da beira do mar!
11
Na minha rotina, de noite eu não saio,
porque tenho medo do mal traiçoeiro,
o abraço da noite é um falso escudeiro,
vestido de preto e me vê, de soslaio;
eu fujo das trevas, veloz como um raio,
que corta o infinito na noite estelar,
e sigo as pegadas da paz do meu lar,
que é onde adormeço e desperto feliz;
se a mão que me afaga não faz cicatriz,
me puxa e me banha nas águas do mar!
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Nota do Blog:
O galope à beira-mar foi criado pelo repentista cearense José Pretinho. Conta-se que ele, após perder um duelo em martelo agalopado, foi retirar-se à beira-mar, e ali, vendo e ouvindo o marulho, imaginou o som de um galope. E fez os versos de onze sílabas (hendecassílabos), com a mesma estrutura de décima (estrofe de dez versos). Manteve o esquema rímico ABBAACCDDC usual no martelo agalopado. Uma exigência no galope à beira-mar é que o último verso sempre termine com a palavra "mar", no mínimo, sendo preferível terminar com "galope na beira do mar" (wikipedia)
Fonte:
Francisco Garcia de Araújo. Cantigas do meu cantar. Natal/RN: CJA Edições, 2017.
Livro enviado pelo autor.
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