Lá em cima era a pedra do urubu.
Não sei porque, mas nos buracos sobre a rocha existia uma estranha água verde que eles bebiam.
A pedra tinha uns dez metros irregularmente quadrados e era lá, realmente, a crista do morro.
A gente ficava ali os três, eu, o mano e a prima. Parecia, pelo menos dava-me a impressão de sermos os soberanos daquele reino distante da casa dos meus tios.
O grito de minha avó, entretanto, atravessava o quilômetro que nos dividia e desmaiava ainda estridente e frio em nossos ouvidos latentes de vitalidade.
E era uma louca correria morro abaixo, por cima dos matos, dos camaleões e jararacas, nas folhas secas e frutas caídas.
– O último é mulher do padre!
E eu nunca era mulher do padre, era exímio conhecedor daquele lugar e sabia todos os atalhos e caminhos.
E, após ouvir o carão de Dona Lina, bofes pela boca, jugular engrossada pelo nervosismo da preocupação, ganhava cada qual seu naco de broa de milho com baunilha, coco e café no canecão de lata de azeitona.
Depois o pique.
A molecada mestiça se reunia no terreiro e era uma algazarra total. As meninas com suas mechas cuidadosamente enroladas, os vestidos compridos, rodados, estampados e coloridos, com longos laços de fita, num nó sobre a cintura, nas costas, com as pontas caídas, com sutileza. Os meninos, cabecinhas carecas pelo corte a zero, topetes salientes na testa, calças curtas, suspensórios ou fitas cruzadas em xis no peito.
Os mais velhos sentavam-se às portas de suas casas e meditavam, conversavam baixinho, cumprimentavam-se amistosamente, divertiam-se contando suas histórias, solidarizando-se.
Nossos pais normalmente vinham tarde de suas labutas e, após a cachaça habitual ou o cafezinho da tardinha, iam dormir, sem antes reclamarem do emprego e dos chefes da fábrica de tecidos.
E lá era a pedra do urubu.
Adorava vê-los planarem como um avião, fantásticos, negros e silenciosos, e aterrissarem quase sobre nossas cabeças.
Camaleões mexiam-se no mato, coleiros e juritis cantavam solenemente e as lebres corriam em saltos...
Depois, veio a idade. Nunca mais fui visitar a pedra do urubu.
Fonte:
Luiz Gilberto de Barros (Luiz Poeta). Canção de Ninar Estátuas. 1.ed. Ilhéus/BA: Mondrongo, 2014.
Livro enviado pelo autor.
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