sábado, 2 de novembro de 2019

Luiz Poeta (O Homem Importante)


O homem importante chega e os aplausos explodem no grande teatro. Os aplausos estavam preparados para o homem importante e os espaços entre as mãos separadas fechar-se-iam a cada palavra bonita ou idiota que o homem importante proferisse.

O homem importante começou a discursar e cada sílaba ecoava mais grave e musical que a outra.

Os aplausos espocavam e o homem importante prosseguia entusiasmado com suas próprias palavras, que tornavam-se brados e seus brados tornavam-se explosões emotivas e suas emoções atraiam outras emoções.

Abruptamente, entretanto, uma voz soou mais alto que a mais alta voz do homem importante: era a voz de um homem sem importância.

Alguém o interrompeu, outro censurou-o, mais um xingou-o - o homem sem importância continuou a falar.

O homem importante silenciou, sorriu seu riso irônico como se não se importasse com o homem sem importância; os outros, ensaiados, riram com ele. Mas o homem sem importância continuava e suas palavras sem crédito atravessaram os ouvidos feitos para ouvir sem sensibilidade, entretanto o ouvir deixou, paulatinamente, de ser fisiológico para ser gradativamente metafísico.

O homem sem importância falava e agora eram suas sílabas que se tornavam vibrantes, sonoras... e eram suas frases que inundavam todos os espaços auriculares do teatro.

Os ruídos alheios foram sumindo a cada sussurro subordinado à síncope do estupor.

O homem importante afundava-se na soberba poltrona reclinável reservada para sua importância e as palavras do homem sem importância perfuravam-lhe os tímpanos e a pele gelada, suada e pálida.

O homem importante quis interromper, mas seus argumentos arranhavam-lhe a garganta e seus dedos trêmulos e indecisos impossibilitavam-no de gesticular.

O homem sem importância falava e suas palavras feias pela sua própria condição de homem sem importância eram compreendidas por todos que o cercavam e que, repentinamente, perceberam-se também homens igualmente "desimportantes".

Um aplauso ecoou na carona de uma das frases emitidas pelo homem sem importância; outro juntou-se ao primeiro, mais outro, outro mais... todo o teatro explodiu freneticamente na unanimidade da compreensão e da aceitação, e o homem sem importância tomou-se impetuosamente importante e continuou a falar, a gritar, a bradar coisas que todos entendiam.

O homem que "era importante" sumiu na escuridão das galerias e bastidores do teatro e de si mesmo porque, agora, ele não era mais importante; sua roupa importada já não era importante, suas parábolas e paráfrases copiadas não eram importantes; não era importante o fio de ouro que tinha em um dos caninos... suas palavras debilitaram-se na reação espontânea de cada um dos presentes; tomaram-se indigentes nas marquises de sua amarga solidão silenciosa... sua gravata de seda, suas abotoaduras de cristal, seu relógio Cartier, seu documentos microfilmados, suas teorias decoradas previamente aos discursos, nada disso importava mais.

O outro indivíduo, "o ex-homem sem importância" não mais precisava falar, porque as palavras saídas dele fizeram-se de todas as bocas e o seu nome e sua imagem sem nome elevaram-se no ar e se propagaram como oxigênio purificado.

Quando o teatro esvaziou-se, uma vassoura movida por dois braços sem importância empurraram para a lata de lixo, o impecável discurso do homem... Importante.

Fonte:
Luiz Gilberto de Barros (Luiz Poeta). Canção de Ninar Estátuas. 1.ed. Ilhéus/BA: Mondrongo, 2014.
Livro enviado pelo autor.

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