segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Professor Garcia (Trovas do Meu Cantar) III


Alguém me bateu no peito,
de um jeito tão sedutor..,
Que o coração, sem ter jeito,
virou mocambo do amor!

Ao ver tantos esplendores,
das nuvens brancas, ao léu...
Comparo a velhos pastores,
tangendo sonhos, no céu!

Ao ver-te, ó velha tapera,
senti, na dor dos teus ais...
Meus sonhos de primavera
e o silêncio de meus pais!

Canta Iguaçu!... Que os teus cantos,
feitiços das verdes matas,
afastam mágoas e prantos,
no canto das Cataratas!

Chega a idade!... E eu já sem graça,
na ousadia dos meus planos,
finjo que o tempo não passa
e escondo os meus desenganos!

Mãe que tem fé, não se esquece,
de orar pelos filhos seus!...
Pois, no silêncio da prece,
toda mãe fala com Deus!

Na manjedoura, em Belém,
nasce um mistério profundo:
Uma luz vinda do além,
que se fez a Luz do mundo!

Não há pior desconforto
nem um crime mais tirano,
que aquele, de um filho morto,
no ventre de um ser humano!

Nosso amor guarda, em segredo,
dois escrutínios fatais;
Na primavera, foi cedo,
no outono, tarde demais!

O amor guarda a sutileza,
de uma taça de cristal,
que quando trinca, a beleza
perde o encanto original!

O artista que a tarde pinta,
mostra aos ateus e ao descrente,
que alguém, sem pincel nem tinta,
pinta a cor do sol poente!

O beija-flor pequenino,
astucioso artesão…
Tece, no galho mais fino,
o altar de sua mansão!

O ocaso chega, de leve,
toda tarde, e vem me ver!...
Sutil, no meu peito escreve:
Ama o teu entardecer!

Prendi-me, aos braços da cruz,
por seus laços fui tomado,
tentando encontrar a luz
que ofusque a luz do pecado!

Quando enfim, tu te ajoelhas,
e o teu perdão te refaz:
Serás luz entre as centelhas
do fogo aceso da paz!

Rompe a aurora, o galo canta,
o sol põe riso na flor;
e o sabiá, da garganta,
liberta um hino de amor!

Se a brisa cai, sorrateira,
e arrasta a flor que morreu...
Deixa mais triste a roseira,
chorando a flor que perdeu!

Se a cruz redime o pecado,
seu peso, nos leva à Luz.,.
Eu quero o peso dobrado,
nos braços de minha cruz!

Se em silencio, ó primavera,
partiste, sem dar adeus...
Sei que o silêncio me espera,
no outono dos dias meus!

Tapera - foste o meu rancho!
E hoje, apesar da distância...
Tu guardas, num velho gancho,
molambos de minha infância!

Tenho um jardim diferente...
E entre nós, há uma aliança:
Por mais que eu mude a semente,
só nasce a flor da esperança!

Vejo, em dois braços abertos,
o meu viver peregrino:
Se um me aponta os rumos certos,
o outro indica o meu destino!

Venci marés violentas,
ondas e mares sem fim...
Só não venci as tormentas
que existem dentro de mim!

Vivi tão pouco ao teu lado!
Mamãe!... Contigo sonhei...
Devia ter te beijado,
bem mais do que te beijei!

Vivo entre a paz e o temor
de uma dúvida malvada:
Ter tudo, sem teu amor,
ou teu amor, sem ter nada!

Fonte:
Francisco Garcia de Araújo. Cantigas do meu cantar. Natal/RN: CJA Edições, 2017.
Livro enviado pelo autor.

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