sábado, 30 de novembro de 2019

Carolina Ramos (Ronoel)


(Conto inspirado na frase de uma garotinha: "Tenho três pais!")

Roberto olhou-se no espelho, sorriu satisfeito. O travesseiro enrolado na cintura, as barbas brancas e o trajo vermelho, faziam-no a imagem perfeita do Papai Noel que todos os anos enfeita o Natal de crianças de qualquer idade.

Beirava já os cinquenta anos e a cegonha não lhe batia à porta, apesar dos esforços conjugados, dele e da esposa, para atraí-la. Confirmada a desesperança, tomara a decisão de fazer felizes as crianças que não sonhavam mais com a visita do Bom Velhinho, cada vez que os sininhos do Natal tilintavam e a cidade luzia, transformada por completo, adornada de estrelas e brilhos especiais.

E assim acontecia há vários anos. Roberto, mal anunciado o Natal, escolhia uma noite próxima, e, travestido de Papai Noel, saco nas costas, e com os braços cheios de presentes, semeava felicidade em doses diminutas, mas sempre muito bem recebidas. Fazia o que podia! Voltava de braços leves e coração mais leve, ainda!

Foi numa dessas noites, que os dois se encontraram. O destino talvez tenha engendrado a trama, ao desviá-lo do costumeiro caminho. Roberto notou o pequeno vulto encolhido à soleira de uma porta qualquer. Soube-o acordado, pelo brilho dos olhos e pela inquietação do cãozinho de duas cores, sentinela, ao seu lado.

— O que você faz aqui? — indagou surpreso.

— Eu vou dormir... durmo sempre aqui.

— Você não tem casa? Não tem mãe.,. não tem pai?!

— Eu tinha dois pais. O Pai do Céu, que mora muito longe... e o outro pai que sumiu de casa e foi morar no Carandiru. Nunca mais ele me visitou e minha mãe não deixava que eu fosse visitar ele. Depois, ele morreu... e minha mãe logo morreu, também... aí, eu fiquei na rua...

O ''Bom Velhinho" interrompeu o diálogo, sem disfarçar a lágrima que deixou rolar. Após alguns minutos de silêncio, indagou com voz emocionada: — Você quer ir morar comigo, na minha casa?

— O menino indagou com voz sumida: — Quem é você?!

— A resposta não poderia ser outra: — Eu sou Papai Noel! Você não me conhece?!

Os olhos do garoto cresceram: — O meu terceiro pai?!

— Como?!

–  É que minha mãe, quando meu pai morreu, me contou que, além do Pai do Céu e do meu pai que morava no Carandiru, eu tinha um outro pai, que se chamava Noel… mas esse pai nunca apareceu por lá… nunca veio me ver! Então, é você? Você é o meu Papai Noel?!

— Sim, filho… eu sou o seu Papai Noel! E como é que você se chama?

— Eu sou Juninho, filho do Toninho Boa Vida. Eu gosto do nome do meu pai, mas minha mãe não queria que eu usasse esse nome, por isso, só me chamava de Juninho.

Roberto entendeu o drama que envolvia a origem daquele menino. Drama que não seria menor do que aquele que lhe reservaria o futuro, caso não encontrasse alguém que o amparasse. Depois de alguns instantes de silêncio, Roberto, decidido, estendeu a mão ao garoto, que não desgrudava dele, os olhos interessados.

— Muito bem, Juninho. Vamos fazer um acordo. De agora em diante, você vai ter que mudar de nome. Seu nome vai ser Ronoel: — Ro de Roberto e noel de Noel? Está bem?

Um largo sorriso, onde faltavam dois incisivos, sendo que um deles já vinha a caminho, iluminou a face do menino:

— Quer dizer que... agora vou ter quatro pais?!

– Ei! Para com isso, garoto! Eu e Papai Noel somos a mesma pessoa — seu pai... um só pai!

O garoto, ainda intrigado, não insistiu. Era pegar, ou largar!

Agarrou a chance, com unhas e dentes!

Foi assim que Roberto driblou a cegonha, e ganhou, enfim, o filho que tanto esperara!

Juninho Boa Vida, ganhou, de presente, o seu terceiro pai, virando Ronoel J. da Silva. O Jota, não queria dizer nada, mas fora mantido para lembrar o nome Juninho, tão do agrado do menino e seu único
anterior patrimônio.

A felicidade, que espiava de longe, ao ver tanta alegria, arrumou a trouxa e, complementando o ansiado presente de Natal, veio morar, definitivamente sob aquele teto que, finalmente, abrigava uma família completa: — pai, mãe, e filho... e na qual não faltava, sequer, aquele cãozinho de duas cores!

Fonte:
Carolina Ramos. Feliz Natal: contos natalinos. São Paulo/SP: EditorAção, 2015.
Livro enviado pela autora.

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