É tempo de Natal. Das vitrines mais sofisticadas aos ambulantes mais simplórios, os chamarizes natalinos convidam as pessoas que passam, para ornamentarem suas salas, ambientando-as para a celebração do nascimento de Jesus. Para os comerciantes, mais do que falar do nascimento do menino de Belém, é preciso vender porque, afinal, o cliente está com dinheiro e comprar é o verbo mais conjugado e qualquer presente orçamentário é sempre uma bênção.
As propagandas para fomentar a aquisição de produtos do gênero são específicas: ou exibem o glamour de uma delicatessen, cujas sofisticadas cestas de vime expõem gêneros importados sob o brilho de neon das luminárias cuidadosamente preparadas para esse fim, ou espalham-se pelos luminosos corredores dos shopping centers repletos de gorduchos e sorridentes papais noéis - artificiais - cujo movimento para trás e para frente, mecanicamente repetitivo, parece reverenciar o dinheiro do gastador compulsivo diante de tantas ofertas em cada uma das lojas.
Aleatórias à inteligente metodologia das vendas, do outro lado da rua movimentada, precisamente nas calçadas, as instigantes e estridentes vozes dos camelôs, mais do que convidar, intimam o comprador. Eles espalham seus produtos geralmente contrabandeados sobre enormes plásticos e dão logo o seu recado: - Aí, freguesa: Papai Noel a bateria! Pisca-pisca! Árvores de natal de todos os tamanhos! Leva duas e paga uma! Seu filho vai adorar!
Mas quando se trata de vender e comprar - ressalvada a natural hipocrisia para cada caso - povo é povo em qualquer situação. A premente necessidade de adquirir e exibir o objeto conquistado, mesmo quando os recursos são ínfimos, é irrevogável. É preciso mostrar mostrando-se, presentear e presenteando-se. O resultado das compras natalinas é diversificado, mas o cenário é único para cada celebração.
Nas casas mais luxuosas, os anfitriões exibem suas mesas enormes, modeladas caprichosamente por cozinheiros e maitres contratados, repletas de iguarias que parecem posar para o paladar mais exigente, num delicioso mosaico desenhado por talheres e travessas de prata e pratos de porcelana contendo o melhor bacalhau, perus, chesteres, pernis, tortas, bolos e pudins, além das cerejas, tâmaras, figos, pêssegos, nozes, castanhas, amêndoas, avelãs, frutas cristalizadas e afins, cujos nobres obeliscos de toda aquela deliciosa panorâmica da ceia são garrafas e cálices de vinhos do Porto e champanhas franceses.
Sem a menor cerimônia, dão-se ou trocam presentes valiosos: casas, carros, iates, colares de pérolas e diamantes, pingentes, cordões, anéis, alianças e pulseiras de ouro do mais nobre quilate, passagens para cruzeiros com destino às ilhas fiscais, além de uma infinidade de essências importadas, roupas, bolsas, cintos e sapatos de grife.
Sem grandes cômodos que possibilitem a movimentação natalina, um número expressivamente maior de cidadãos comuns comemora este evento à sua maneira, contentando-se com suas cervejas, feijoadas, farofas, refrescos, rabanadas, pastéis e aletrias, realizando seus alvoroçados e espumantes brindes às vezes no próprio quintal, onde é exibido um portentoso churrasco de asas e coxas de frango e carnes de segunda. Tudo é festa!
Sua troca de presentes é modesta: camisas, blusas, lenços, edredons, toalhinhas-de-mão, meias, perfumes baratos, panelas e móveis de questionável durabilidade, mas o que importa mesmo é a reciprocidade produzida pela alegria do dar e receber.
Porém, longe do fogo do carvão que assa carne ou da lareira que conforta os pés, tendo por cama apenas os papelões que embalam os melhores presentes, e por telhado o brilho das estrelas que desconhecem Belém, os ditos miseráveis amargam a solidão de mais um dia sem calendário, sem mesa posta... sem presentes, sem Natal.
Enquanto o Jesus verdadeiro teima em nascer sublimemente no melhor e mais fervoroso silêncio das pessoas mais sensíveis... em várias casas, no aconchego das líricas manjedouras, os aparentemente eternos sorrisos desenhados nos rostos de gesso e louça de diversos menino Jesus artificiais parecem demonstrar, em lugar da compreensão por cada um dos sentimentos humanos, um divino enlevo diante do atraente marketing produzido pelo premiadíssimo vendedor e simpaticíssimo herói natalino Santa Claus.
Fonte:
Luiz Gilberto de Barros (Luiz Poeta). Canção de Ninar Estátuas. 1.ed. Ilhéus/BA: Mondrongo, 2014.
Livro enviado pelo autor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário