O velho chamou o filho e disse:
– Vá ao pasto, pegue a mulinha e apronte-se para irmos à cidade, que quero vendê-la.
O menino foi e trouxe a mula. Passou-lhe a raspadeira*, escovou-a e partiram os dois a pé, puxando-a pelo cabresto. Queriam que ela chegasse descansada para melhor impressionar os compradores.
De repente:
– Esta é boa! – exclamou um viajante ao avistá-los. – O animal vazio e o pobre velho a pé! Que despropósito! Será promessa, penitência ou caduquice?...
E lá se foi, a rir.
O velho achou que o viajante tinha razão e ordenou ao menino:
– Puxa a mula, meu filho. Eu vou montado e assim tapo a boca do mundo.
Tapar a boca do mundo, que bobagem! O velho compreendeu isso logo adiante, ao passar por um bando de lavadeiras ocupadas em bater roupa num córrego.
– Que graça! – exclamaram elas. – O marmanjão montado com todo o sossego e o pobre menino a pé... Há cada pai malvado por este mundo de Cristo... Credo!...
O velho danou e, sem dizer palavra, fez sinal ao filho para que subisse à garupa.
– Quero só ver o que dizem agora...
Viu logo. O Izé Biriba, estafeta do correio, cruzou com eles e exclamou:
– Que idiotas! Querem vender o animal e montam os dois de uma vez... Assim, meu velho, o que chega à cidade não é mais a mulinha; é a sombra da mulinha...
– Ele tem razão, meu filho, precisamos não judiar do animal. Eu apeio e você, que é levezinho, vai montado.
Assim fizeram, e caminharam em paz um quilômetro, até o encontro de um sujeito que tirou o chapéu e saudou o pequeno respeitosamente.
– Bom dia, príncipe!
– Por quê, príncipe? – indagou o menino.
– É boa! Porque só príncipes andam assim de lacaio à rédea...
– Lacaio, eu? – esbravejou o velho. – Que desaforo! Desce, desce, meu filho, e carreguemos o burro às costas. Talvez isto contente o mundo...
Nem assim. Um grupo de rapazes, vendo a estranha cavalgada, acudiu em tumulto, com vaias:
– Hu! Hu! Olha a trempe de três burros, dois de dois pés e um de quatro! Resta saber qual dos três é o mais burro...
– Sou eu! – replicou o velho, baixando a carga. – Sou eu, porque venho há uma hora fazendo não o que quero, mas o que quer o mundo. Daqui em diante, porém, farei o que me manda a consciência, pouco me importando que o mundo concorde ou não. Já vi que morre doido quem procura contentar toda gente...
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Moral: Quem quer contentar todo mundo não contenta ninguém. Sobre todas as coisas há sempre opiniões contrárias. Um acha que é assim, outro acha que é assado. Devemos fazer o que nos parece mais certo, mais justo, mais conveniente. E para nos guiar temos a nossa razão e a nossa consciência.
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Vocabulário:
* Raspadeira – Espécie de pente de ferro usado para raspar o pelo das cavalgaduras.
Fonte:
Monteiro Lobato. Fábulas.
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