quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Carolina Ramos (Poesias Esparsas) 7


MILAGRE


Tão esplêndida foi nossa curta ventura!
Tão rica de emoções - e que emoções grandiosas!
A envolver nossa vida em lençóis de ternura
tecidos de poesia e pétalas de rosas!

A um tempo doce e amarga, essa estranha tortura,
ao vencer a aridez das metas pedregosas,
demarcava o final de uma longa procura,
prenúncio do esplendor das horas mais gloriosas!

E eis que a morte, a exibir seu tétrico sorriso,
invejosa, talvez, desta felicidade,
quis roubar-te de mim, traiçoeira e sem aviso!

Louca de dor, parti a minha vida ao meio!
Por ti, dei parte a Deus, guardando só metade!
- Mas, o milagre, amor… o milagre não veio!
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MILAGRE (2)

Já nem sei se vivia... estava quase morta...
Apenas o dever ao corpo me prendia...
Era triste palmeira a sucumbir, já torta,
ao látego da vida, à intensa ventania!...

E chegaste a sorrir, como alguém que recorta
um retrato, sem cor, de outro alguém que não ria...
E ao retoque sutil da mão que reconforta,
um resquício de vida, incrédulo, surgia.

Morta-viva, trancada em minha tumba escura,
pouco a pouco, senti que o sol ressuscitara
à luz do teu carinho, ao calor da ternura.

Pacientes, pedra a pedra, erguemos o castelo
que o vendaval da vida, um dia, derrubara!
- Um milagre de amor… e que milagre belo!...
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Paladino do amor
Tributo a Martins Fontes

Gota a gota, sorveste as volúpias da Vida,
na embriaguez total de quem sonhos procura.
E em base de Ideal, foste a ânsia incontida,
que arrasta e que arrebata aos vórtices da altura!

Paladino do Amor! Foste, em missão cumprida,
a Bondade que alenta! A Esperança que cura!
Tié-Fogo santista, a Glória é refletida
no perfil que deixaste esboçado em ternura.

Em teus rumos de luz, venceste, Martins Fontes,
com fúria de vulcão, as mais torpes campanhas!
E no céu da Poesia, além dos horizontes,

és astro a fulgurar, com brilho eterno e nobre!
Bem acima da inveja e suas artimanhas,
és Sol que não se apaga! A terra não te encobre!
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O BEIJO DO HOMEM BOM

Eu era pequenina...eu era bem pequena...
três anos, nada mais... e o ver chegar, sorrindo,
aquele homem tão bom, de face alegre e amena,
aos seus braços corria! E com afeto infindo,

colava o rosto ao seu, na entrega pura e plena.
E aquele homem tão bom, o meu rosto cobrindo
de beijos, encantava a minha alma serena…
Era o sol de verão, que o céu fazia lindo!

E a Vilazinha triste, feia e tão modesta,
ganhava nova cor e animação de festa,
aureolada de luz e graças imprevistas!

O homem bom que, em criança, amigo me beijava,
era um grande Poeta, eu soube, e se chamava
Martins Fontes, "Tié-fogo" - orgulho dos santistas!
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PRECE DE PAZ

Senhor, que a angústia imensa bem conheces,
dos que enterram, chorando, os próprios sonhos
e ao fazer do silêncio a voz das preces,
seguem rumos sem luz… frios, tristonhos...

Senhor, que reconheces a amargura
daqueles que ainda clamam por Justiça;
daqueles que, sem pão e sem ternura,
nem sabem porque a Luz se faz omissa...

Senhor, que tens um coração de Pai,
maior, talvez, que o de um Juiz austero,
esquece as trevas Em que o mundo vai,
pela cegueira de Teus filhos! Vero,

é o desencanto que Te envolve! Sábios,
os impulsos que amarram as palavras
de castigo que morrem nos Teus lábios,
na sentença que hesitas... e não lavras!

Tombado sob o peso da incoerência,
o homem sucumbe ao próprio mal que faz!
E a erguer os olhos, grita por clemência,
sacode o mundo! E o mundo pede Paz!

A Paz para poder sonhar e, ainda,
provar uma fatia de Esperança!
A Paz de acreditar que a vida é linda,
e, mesmo tarde, tentar ser criança!

Senhor! Atende ao desespero extremo!
Devolve a Paz à Terra Prometida!
E há de ter prova o Teu Amor Supremo
de haver criado, uma outra vez, a Vida!

Fonte:
Carolina Ramos. Destino: poesias. São Paulo: EditorAção, 2011.
Livro enviado pela poetisa.

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