sábado, 3 de dezembro de 2022

Lucília Alzira Trindade Decarli (Inquietude) 2


A FORÇA DO AMOR SOFRIDO


Difícil de compreender
a força do amor sofrido,
mas bem fácil de entender
depois de tê-la sentido…


A inquebrantável força de um amor
resiste ao tempo, à dor e à despedida;
ignora a culpa, esquece do amargor,
veemente, segue incólume na vida.

Atenta ao coração do sofredor,
leva a esperança e a calma comedida;
despreza a solidão e, sem pudor,
oferta-lhe a presença destemida.

Contudo, quando o amor, senil, cansar-se,
a força ativa, sem jamais quedar-se,
não deixará que prostre, entregue à sorte.

Honradamente irá retroagir,
o amor fará no sonho submergir...
Trará a ilusão, que pode adiar a morte!
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AMOR INFINDO

Nas asas da eternidade
descanso este amor infindo;
se hoje é pleno de saudade,
um dia o verei sorrindo!

Nas suas mãos coloco o meu sentir
— um sonho louco dentro deste ocaso —
e ao desnudá-lo a mim vou permitir
pedir desculpas pelo extenso atraso.

Mas de remorsos quero me eximir,
— sei que este amor não foi um mero caso —
pois nunca é tarde para consentir
que o sonho voe, visto não ter prazo...

Ressurge, assim, das cinzas... De repente,
quebra o silêncio, expõe-se o amor ardente,
depois de longa estrada percorrida.

Disponha dele como bem quiser,
saiba, porém, não é coisa qualquer,
mas, sim, amor que segue além da vida!...
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CANTO NOVO

Ao rejeitar canto triste,
percebi que entre a alegria
do acorde feliz existe
a mescla da nostalgia...


Para os meus versos quis um novo canto,
onde a alegria, audaz, predominasse,
sem permitir, presente, nenhum pranto:
— só melodia, e a mais feliz se entoasse!

Sondei o amor... Embora, ali, buscasse
todo o calor de um reforçado manto,
— que do sofrer dolente os resguardasse —
vi a nostalgia entrando no acalanto.

E rejeitando, então, melancolia,
vesti nos versos rica fantasia,
mas concluí que os deturpei, demais:

—  que o amor nem sempre traz felicidade,
combina mesmo, e muito, com saudade,
por isso, dela o poeta fala mais...
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PÉS ANDARILHOS

O trem sua meta alcança,
girando as rodas nos trilhos…
Meu caminhar que, hoje, avança,
conta com pés andarilhos!


Não sei dizer, quanto em quilometragem,
nem quantas as estradas percorridas...
Posso afirmar: depois de longa viagem
meus pés estão dispostos a outras idas.

Sendo andarilhos, levam na bagagem
minhas vitórias — poucas — conseguidas;
também derrotas, e essa desvantagem
é que impulsiona para mais corridas!

"Tanta importância dada aos pés, no entanto,
parece injusta e traz calado espanto
a um corpo, quase todo" — alguém diria.

Lembro que, ao corpo, dão sustentação
e exalto, aqui, o poder: locomoção...
Porque sem pés, andar não poderia!...
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PORTAS…

No mundo, as portas abertas
nem sempre irão ajudar…
As fechadas são mais certas
para a luta impulsionar!


Contemplo a porta... Há séculos subsiste.
São tantas portas num planeta imenso...
Algumas portam lenho que resiste,
outras desgastam-se ante o tempo extenso.

A porta aberta é franca e sempre assiste,
seu livre acesso faz seu uso intenso,
porém fechada, eu creio que consiste
na restrição que torna o mundo tenso.

Portas talhadas para entrar, sair,
dar liberdade ao homem de ir e vir,
por certo são aquelas mais prezadas.

Portais sagrados, por detrás espantos...
Ali se prega: "a porta aberta aos santos
será fechada às almas condenadas!…"*
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* “Eu sou a Porta, se alguém entrar por mim será salvo, – …e quem não crer, será condenado" (Jesus, João 10,9 e Marcos, 16, 16 b)
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Fonte:
Lucília Alzira Trindade Decarli. Inquietude. Bandeirantes/PR: Sthampa, 2008.
Livro entregue pela poetisa.

Um comentário:

Regina Rinaldi disse...

Que maravilha!!! Lucília Decarli, poetisa de escol. Belos sonetos!!!