sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Irmãos Grimm (Os três anões do bosque)


Era uma vez um homem que perdera a mulher, e uma mulher que perdera o marido, ficando viúvos os dois. O homem tinha uma filha e a mulher outra. As moças se conheciam, passeavam juntas e às vezes a filha do viúvo ficava em casa de sua amiguinha.

Um dia, a mãe desta última falou à outra moça:

   - Dize a teu pai que eu gostaria de casar com ele. Tu passarias, todas as manhãs, a lavar-te com leite e beberias vinho; minha filha, porém, se lavaria com água, só água beberia.

    Chegando em casa, a jovem repetiu ao pai o que lhe dissera a mulher. Ele, então, observou:

   - Que hei de fazer? Casar é bom, mas não deixa de ser um problema.

  Por fim, não sabendo o que fazer, tirou uma de suas botas e disse:

   - Leva esta bota, que tem um buraco na sola, até o sótão e pendura-a no prego grande. Enche-a depois com água. Se a bota conservar a água, casarei de novo; se a água passar pelo buraco, não me casarei.

    A jovem fez o que lhe foi mandado. A água contraiu o couro e a bota ficou cheia até a borda. Correndo, a moça dirigiu-se ao pai para lhe contar o que acontecera. Ela subiu ao sótão e, vendo que a filha dissera a verdade, encaminhou-se à casa da viúva para pedir-lhe em casamento. E celebraram-se as núpcias.

  Na manhã seguinte, quando as duas moças se levantaram, a filha do marido encontrou leite para se lavar e vinho para beber, enquanto a outra não tinha senão água para se lavar e para beber. No outro dia, encontraram água para se lavar e água para beber, tanto a filha da mulher como a do esposo. E na terceira manhã, a enteada da mulher encontrou água para se lavar a para beber, e sua filha, leite para se lavar e vinho para beber. Daí por diante, continuou sendo assim.

A mulher odiava a enteada e não sabia mais o que inventar para tratá-la cada vez pior. Tinha-lhe, também inveja, por ser tão linda e graciosa quanto sua filha era feia e desajeitada.

    Certa vez, no inverno, estando as montanhas e os vales cobertos de neve, a mulher fez um vestido de papel e, chamando a enteada, disse-lhe:

   - Toma, põe este vestido, vai à floresta e enche este cesto de morangos, que estou com vontade de comer alguns.

   - Meu Deus! - exclamou a moça. - Não há morangos no inverno, a terra está gelada e a neve cobriu tudo. E por que devo por este vestido? Lá fora faz um frio horrível! O vento passará  pelo papel e os espinhos arrancarão do meu corpo.

    - Queres desobedecer-me?- gritou a madrasta. - Anda, sai em seguida e não voltes sem me trazer o cesto cheio de morangos!

    Deu-lhe um pedaço de pão, bem duro, e acrescentou:

   - É para passares o dia.

   Estava convencida de que a moça iria morrer de frio e fome e que jamais tornaria a vê-la.

   Obediente, a jovem pôs o vestido de papel e saiu com o cestinho. Fora, tudo estava coberto de neve e não se via ao menos um raminho verde. Chegando ao mato, ela avistou uma casinha, de onde três anõezinhos olhavam pela janela. Deu-lhes "bom dia" e bateu, discretamente, à porta. Eles convidaram-na a entrar e a moça sentou-se num banquinho, junto ao fogo, para aquecer-se e comer sua merenda. Os homenzinho lhe pediram:

   - Dá-nos um pedacinho?

   - Com muito prazer,- respondeu ela, e, partindo seu pedaço de pão, lhes ofereceu a metade. Perguntaram, então, os anões:

  - Que fazes aqui no bosque, no inverno, e com esse vestido tão fininho?

   - Ah!- suspirou ela. - Devo encher este cesto de morangos e não posso voltar para casa antes de colhê-los.

   Depois de comer seu pedaço de pão, os anões lhe deram uma vassoura, dizendo:

   - Varre para nós a neve da porta dos fundos.

  Enquanto a jovem estava do lado de fora, eles se reuniram em conferência:

   - Que lhe daremos por tão obediente e boa que até repartiu seu pão conosco?

Disse o primeiro:

   - Farei com que ela se torne, cada dia, mais bela!

  E o segundo:

   - Farei com que lhe caia uma moeda de ouro da boca a cada palavra que disser!

  E o terceiro:

  - Farei vir um rei que casará com ela.

   Enquanto isto, a menina fez o que os homenzinhos lhe haviam pedido e varreu toda a neve detrás da porta. E o que pensam vocês que ela encontrou? Uma porção de moranguinhos, bem maduros, assomando vermelhos, no meio da neve. Contente, encheu o cestinho e, depois de agradecer aos pequenos hospedeiros e ter dado a mão a cada um, dirigiu-se para casa a fim de entregar à madrasta à sua encomenda.

   Quando entrou em casa e disse " boa noite", cai-lhe da boca uma moeda de ouro. Pôs-se, então, a contar o que lhe sucedera e, a cada palavra, caíam moedas de sua boca, de modo que, em pouco tempo, o chão ficou rebrilhando de ouro.

    - Vejam só! - exclamou a irmã.- Esparramar dinheiro desse modo!

   Por dentro, no entanto, sentia inveja. Por isso, quis ir ao bosque colher morangos. Sua mãe se opôs, dizendo-lhe:

   - Não, filhinha; faz muito frio e poderás morrer gelada.

   Mas a filha insistia sem lhe dar sossego e ela acabou cedendo. Preparou-lhe um magnífico casaco de peles e depois lhe deu uma provisão de pão com manteiga e bolos.

  A jovem foi ao bosque e dirigiu-se, diretamente, à casinha. Os três anõezinhos estavam, novamente, à janela, mas a moça não os cumprimentou e, sem dar-lhes atenção, entrou, sentou-se junto ao fogo e começou a comer pão e bolo.

   - Dá-nos um pouco. - pediram os homenzinhos.

    Ela, entretanto, respondeu-lhes:

    - Nem tenho que chegue para mim. Como posso repartir com outros?

    Quando terminou de comer, eles disseram:

   - Aí tens uma vassoura, varre para nós a neve da porta dos fundos.

   - Ora! Varram vocês! - respondeu ela.- Não sou criada de ninguém!

    Vendo que eles não lhe iam dar presente algum, saiu da casa. Os homenzinhos, então, se reuniram, de novo, em conferência:

   - Que lhe daremos? Ela é grosseira, tem coração maldoso e cheio de cobiça e é incapaz de repartir com outros.

    Disse o primeiro:

   - Farei com que cada dia se torne mais feia!

    E o segundo:

   - Farei, a cada palavra que ela diga, saltar-lhe um sapo da boca.

   E o terceiro:

   - Farei com que tenha uma morte horrível!

   A jovem, lá fora, pôs-se a procurar morangos, mas, não encontrando nenhum, voltou, aborrecida, para casa. Quando abriu a boca para contar  à mãe o que lhe acontecera, eis que, a cada palavra sua, um sapo lhe saltava da boca! E todas as pessoas se afastaram dela, enojadas.

    Aquilo fez com que a mulher  se enchesse ainda mais de ódio e, daí por diante, só pensava num meio de maltratar o mais possível a filha do seu marido, que ia ficando mais bonita dia a dia.

Por fim, pegou uma caldeira e a pôs no fogo para ferver a linha crua, a fim de amaciá-la. Uma vez cozida, colocou-a toda nos ombros de sua enteada, deu-lhe uma machadinha e mandou que ela fosse ao rio congelado, para que lá abrisse um buraco e lavasse a linha. Obediente, a jovem dirigiu-se ao rio e começou a abrir um buraco no gelo. Enquanto fazia isso, passou por ali uma esplêndida carruagem em que viajava o rei. Este mandou parar o carro e indagou?

    - Quem és e o que estás fazendo aí, minha filha?

    - Sou uma pobre moça e estou lavando linha.

  O rei, compadecido, vendo-a tão bela, disse-lhe:

   - Queres vir comigo?

   - Oh, sim! - apressou-se ela em responder, contente por se livrar da madrasta e a irmã.

    Saiu na carruagem e partiu com o rei. E, quando chegaram ao palácio, celebraram o casamento com grande pompa, tal como os anões haviam destinado para a sua amiguinha.

Depois de um ano, ela deu a luz um filho. E a madrasta, a quem havia chegado a notícia de sua grande felicidade, encaminhou-se ao palácio, acompanhada de sua filha, sob o pretexto de fazer uma visita.

Como o rei se ausentara e ninguém estivesse presente, a malvada mulher agarrou a rainha pela cabeça, enquanto sua filha a pegava pelos pés e, tirando-a da cama, a lançaram pela janela a um rio que passava embaixo. Logo depois, aquela horrenda criatura se meteu na cama e a velha cobriu-a até a cabeça. Ao regressar, o rei quis falar com a esposa, mas velha o deteve, dizendo:

    - Silêncio, Silêncio! Agora não! Ela está suando muito e deve deixá-la em paz.

    O rei, sem pensar em nada de mal, retirou-se. Na manhã seguinte voltou e começou a falar com sua falsa esposa. Mas, à medida que ela respondia, sapos iam saltando de sua boca, quando antes o que caía eram moedas de ouro. O rei perguntou o que significava aquilo, mas a madrasta disse-lhe que era devido ao suor excessivo e que passaria sem demora.

    Aquela noite, porém, o ajudante da cozinha viu quando uma pata entrava nadando pelo cano da sarjeta e falava:

– Rei, em que estás ocupado? Estás dormindo ou estás acordado?

    E, como não recebesse resposta, prosseguiu:

   - E o que faz a minha gente?

    O ajudante da cozinha, então, retrucou:

   - Dorme profundamente.

   A pata continuou perguntando:

   - E onde está meu filhinho?

   Respondeu o rapaz:

    - Dormindo no seu bercinho.

   A pata, tomando, então, a forma da rainha, subiu ao quarto da criança, deu-lhe de mamar e arranjou-lhe sua caminha; depois, retomando a aparência de pato, saiu nadando pela sarjeta. Nas duas noites seguintes voltou a apresentar-se e na terceira disse ao ajudante:

    - Vai ao rei e dize-lhe que traga sua espada e que, no portal, dê três voltas com ela em cima da minha cabeça.

   Assim fez o criado; o rei, saindo com sua espada, a brandiu três vezes sobre a pata e, depois de faze-lo pela terceira vez, sua esposa apareceu diante dele, viva e cheia de saúde como antes.

    O rei sentiu uma alegria imensa, mas escondeu a rainha num quarto, onde ela ficou até domingo seguinte. Nesse dia iam celebrar o batizado de seu filho. Depois da cerimônia, ele perguntou:

    - Que merece uma pessoa que tira outra da cama e a joga na água?

    - Nada menos, - respondeu a velha - que a metam num tonel crivado de pregos e o façam rolar do alto da montanha até cair no rio.

    Ao que disse o rei:

     - Pronunciaste a tua própria sentença!

     E ordenou que trouxessem um tonel daqueles, e metessem a velha e sua filha dentro. Depois de o fecharam, fizeram-no rolar montanha abaixo, até cair no rio.

Fonte:
Contos de Grimm. Publicados de 1812 a 1819.

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