quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

José de Alencar (Ao Correr da Pena) Rio, 3 de junho: O Livro da Semana


Passou ligeira e fugitiva como todos os prazeres deste mundo, a semana das belas noites, dos magníficos luares, dos brilhantes saraus musicais!

Passou, envolta entre as sombras da noite, e como que temendo crestar as suas asas diáfanas e o seu manto cor do céu aos raios ardentes do sol de nossa terra!

Passou, como essas crepusculares que adejam às últimas claridades do sai; ou como essas flores modestas que vivem à sombra, e se expandem à claridade suave das estrelas e ao brando sopro das auras da noite!

Havíeis de vê-la surgir, entre a tíbia claridade do crepúsculo da tarde, com uma lira d’ouro na mão, o olhar em êxtase, o gesto inspirado; e, de envolta com os últimos rumores do dia, talvez lhe ouvísseis os prelúdios harmoniosos.

Mas passou; e agora só nos restam as recordações das horas de prazer que nos deu, e que vamos desfolhar uma a uma, como as páginas de um belo livro, que lemos pela segunda vez frase por frase, apreciando a elegância do estilo, os lindos pensamentos e as brilhantes imagens.

E, se ao menos uma dessas mãozinhas feiticeiras quisesse for da semana, que abrimos aos nossos leitores, e do qual bem sentimos não lhe poder dar mais do que uma pálida tradução.

Muito; não é um livro, é um álbum de músicas e desenhos, um lindo keepsake, em que os mais hábeis artistas trabalharam para fazer uma dessas obras-primas, dignas das mãozinhas delicadas para que são destinadas.

E, se ao menos uma dessas mãozinhas feiticeiras quisesse folhear comigo as páginas desse pequeno livro da vida, talvez pudesse ler nele coisas bem lindas, que diria aos meus leitores, visto que não sou egoísta.

Abriríamos as primeiras páginas, e poderíamos ver essas belas noites de luar que tem feito, e um céu tão puro, e umas estrelas tão brilhantes, que ficaríamos encantados.

Poderíamos sentir a frescura dessas tardes serenas, ou acompanhar esses bandos de moças que passeiam, e ouvir as suas falas doces e os seus risos alegres e festivos. 

Se tendes queda pelos antigos costumes dos nossos pais, que já vão caindo em desuso, iríamos correr as barracas do Espírito Santo, e talvez nos lembrássemos daquelas novenas do campo tão encantadoras com as suas ruas de palmeiras e as suas toscas luminárias.

Também podíamos passear aos belos arrabaldes da cidade, a Botafogo, às Laranjeiras, ao Engenho Velho ou a Andaraí, e, fugindo o gás, ir apreciar o luar na sua beleza primitiva, no meio das árvores e por entre as folhagens.

Mas voltemos a página. Estamos na terça-feira, no salão do Teatro Lírico, assistindo ao concerto do Arnaud.

Podemos ouvir boa música, de diferentes maestros e de gostos diversos, desde o travesso romance francês até a verdadeira música italiana cheia de sentimentos e de poesia.

Arnaud tocou, com o gosto que todos lhe conhecem, uma fantasia sobre motivos da Sonâmbula, e duas composições suas dedicadas a S.M. a Imperatriz e ao Rei de Nápoles.

A Charton cantou, entre outras coisas, uma ária de Marco Spada, tão graciosa na música como na letra. É um lindo gorjeio de rouxinol francês que acaba por este estribilho:

Vous pouvez soupirer,
Vous pouvez espérer;
Mais, songez-y bien,
Je n’accorde rien.

Já vêem, pois, as minhas leitoras que a tal ária do Marco Spada bem se poderia chamar ária dos bonitos olhos, que não dizem mais do que aquele estribilho enigmático.

O primeiro requebro de olhos que vos lança uma bela mulher, o primeiro sorriso de esperança que anima os vossos desejos, é o primeiro verso, é uma permissão, um consentimento tácito. Vous pouvez soupirer.

Daí a muito tempo, quando ela vê que já estais ficando tísico de tanto suspirar, pode ser que se condoa do vosso estado, e que vos lance um segundo olhar; é uma meia promessa Vous pouvez espérer 

Ficais muito contente, fazeis loucuras e extravagâncias, julgai-vos o mais feliz dos homens, começais a ser um pouco exigente, quando lá vem o terceiro olhar carregado de uma ameaça. Mais, songez-y bien!

E não tardará muito que um último volver desdenhoso não venha deitar água fria na vossa paixão e intimar-vos a sentença final. Je n’accorde rien.

Ora, vós sabeis que toda a ária tem repetição (reprise); por conseguinte, depois deste primeiro ritornelo, os olhos cantam uma segunda vez o mesmo estribilho, e acabam executando um duo, porque também depois da ária quase sempre nas óperas se segue o dueto.

Não sei se lá no concerto sucedeu semelhante coisa, porque quase todo o tempo estive fora do salão com muitas pessoas, para quem não havia lugar dentro.

Ora, isto é uma prova de que o artista que dava o concerto é tão bem aceito da nossa sociedade, que mereceu uma grande concorrência; mas também é prova que o salão do teatro não se presta a uma reunião de mais de quinhentas pessoas.

Do contrário, dar-se-á o que sucedeu terça-feira, a se verão obrigados a fazer aquela mesma separação de homens e senhoras, que decerto não é nada galante.

A música é uma coisa muito bela, mas seguramente não é um fogo de Vesta que tenha o poder de nos afastar da companhia amável das senhoras e privar-nos da sua espirituosa conversação.

Não cuidem que digo isso por mim; apesar de sentir bastante aquela separação anti-social, anti-religiosa e anti-política, se tomo o negócio tão a peito, é unicamente por causa das senhoras, que eu adivinho haviam de estar desesperadas.

Os motivos do desespero são diversos.

Em umas era porque lhes faltava o quer que é, porque não ouviam uma fineza, não sentiam em torno o murmúrio de admiração a que estão talvez habituadas.

Em outras é porque não tinham quem lhes fosse ver o copo d’água, quem lhes dissesse de que maestro era a música que se tocava, quem informasse da hora que era, enfim quem lhes servisse de partner num pequeno jogo de alusões maliciosas.   .

Mas deixemos os desconcertos, e voltemos ao concerto.

As glórias musicais da noite couberam a um trio do Padre Martini, composto em 1730, e que Ferranti foi desencavar não sei onde: é o trio das risadas. 

Foi executado pela Charton e por Ferranti e Dufrene com muita graça e naturalidade.

Que excelente música para quando se está triste! Diz um provérbio que quem canta seus males espanta. O tal terceto, porém, faz mais do que espantar os males; obriga a rir; começa-se cantando, e acaba-se às gargalhadas.

Voltemos outra página.

Entramos no Teatro de São Francisco na quarta-feira à noite; representam-se duas pequenas comédias muito engraçadas e espirituosas.

Se quereis passar uma noite alegre e rir de coração durante umas duas ou três horas, não deixeis de ir aos domingos e às quartas-feiras ver as representações desse pequeno teatro.

Ouvireis as cômicas facécias de um artista que agora começa, mas que promete muito futuro, se o animarem e souberem dirigir. Vereis como a mobilidade extraordinária de sua fisionomia se presta admiravelmente às expressões de todos os sentimentos e de todas as paixões.

Lá de vez em quando, no meio dessas cenas espirituosas e cômicas, assistireis a um lance dramático, em que uma excelente artista já vossa conhecida pinta com a maior naturalidade o amor, a emoção, o susto ou o terror.

E vereis tudo isto no meio de uma sociedade escolhida, e admirando talvez pelos camarotes algumas  moças bonitas e elegantes que começam a proteger a nascente empresa, e que prometem em pouco tempo fazer deste pequeno salão um dos mais agradáveis passatempos da cidade.

A sociedade tem lutado com muitas dificuldades, e uma delas, talvez a principal, seja a repugnância que tem ainda a classe pobre por esta profissão.

São prejuízos de tempos passados, de que ainda se ressentem os paises pouco ilustrados, e que devemos procurar destruir como um erro muito prejudicial ao desenvolvimento da arte dramática.

O cômico hoje em dia já não é aquele volantin ou palhaço de outrora, sujeito aos ápodos e às surriadas do poviléu nas praças públicas; já não é aquele ente desprezível, aquele paria da sociedade, indigno do trato da gente que se prezava.

Todo o trabalho é nobre, desde que é livre, honesto e inteligente; toda a arte é bela e sublime, logo que se eleva à altura do espírito ou do coração.

O cômico pertence a esta grande classe de artistas que trabalham na grande obra da perfeição: é irmão do pintor, do estatuário,do músico, do arquiteto, de todos esses apóstolos da civilização que seguem por uma mesma religião e um mesmo culto: a religião da natureza e o culto do belo.

Cessem, pois, esses escrúpulos irrefletidos que muitas vezes cortam uma carreira e falseam uma vocação decidida.

Quantos grandes pintores da Itália e o mundo inteiro não teriam perdido, se o desprezo pela arte e os maus conselhos tivessem abafado na alma do artista o fogo sagrado, fazendo de um Ticiano e de outro um mau advogado ou um péssimo fidalgo?

Quem sabe também quanta menina pobre e quanto moço sem fortuna há por aí por esta grande cidade, e cujas esperanças não passam de um obscuro casamento ou de um emprego mesquinho, e que entretanto têm em si o germe de um brilhante futuro, perdido talvez por uma falsa idéia da arte?

Atualmente todo o mundo entende que seu filho deve ser negociante ou empregado público: e, tudo quanto não for isto é um desgosto para a família. Quanto à classe rica e abastarda, esta não quer outra coisa que não seja o sonoro título de doutor.

Doutor atualmente equivale ao mesmo que fidalgo nos tempos do feudalismo. É um grau, um distintivo, um título, uma profissão, um estado.

No tempo da revolução, os fidalgos, os condes, marqueses e barões emigraram e fizeram-se torneiros, sapateiros, pintores e mestres de meninos

É provável que daqui a dez anos, com a fertilidade espantosa das nossas academias, o mesmo venha a suceder aos doutores.

Tudo isto, porém, parte de um grande erro.

Todas as profissões encerram um grande princípio de utilidade social; todas, portanto, são iguais, são nobres, são elevadas, conforme a perfeição a que chegam.

Um mau discurso de deputado não vale um gorjeio ou uma volta da Charton. Um poema insulso, uma poesia sem sentimento não se compara a uma cena pintada por Bragaldi. Um desenho sem gosto não prima sobre as formas elegantes e graciosas que o nosso artista Neto costuma dar a um móvel trabalhado por ele.

E assim tudo o mais: o homem é que faz a sua profissão; a sua inteligência é que a eleva; a sua honestidade é que a enobrece.

Já é tempo de voltarmos a quarta página deste livro das noites, que me comprometo a traduzir-vos.

Chegamos à história de uma representação dada no Teatro de São Pedro, quinta-feira à noite, em benefício de um artista nacional.

Conheceis a comédia, e por conseguinte saltemos por ela para ouvir a Jacobson cantar a ária do Átila, que tão bem representava no Teatro Lírico.

Se a natureza não dotou a esta artista de uma voz doce e suave, deu-lhe em compensação o gosto, o sentimento e a inteligência necessária para compreender todos os mistérios desta arte divina que tem cordas para cada uma das pulsações do coração humano.

O beneficiado tocou no seu violoncelo uma fantasia do Trovador. Nesse momento, algumas pessoas distintas que aí se achavam sentiram decerto um assomo de orgulho e de brios nacionais, quando viram o artista brasileiro, filho da vontade e do estudo, arrancar aplausos no meio dos hábeis instrumentistas estrangeiros que tão cavalheirescamente se prestaram a coadjuva-lo.

.O violoncelo é um admirável instrumento. Fala, chora, geme e soluça como voz humana; se não diz as palavras, exprime os sentimentos com uma força de expressão que arrebata.

Como todos os instrumentos de cordas animais, ele tem com o coração humano essa afinidade poderosa que faz que cada uma das vibrações daqueles nervos distendidos arranque uma pulsação das fibras mais delicadas do homem.

Ainda uma página; a última do livro.

Voltamos ao Teatro Lírico para ouvir Ana Bolena em benefício do Bouché.

Ana Bolena foi uma das oito mulheres desse rei volúvel que estava destinado para nascer sultão na Turquia, mas que por um capricho do acaso, tornou-se filho de uma rainha de Inglaterra.

O caso é que tão mau como se diz que foi Henrique VIII, se ele não tivesse feito as suas brejeiradas, nós não teríamos passado antes de ontem uma tão bela noite.

O que foi esta bela noite sabem os leitores: foi música de Donizetti cantada por Bouché e pela Charton.

Ora, dizer que o Bouché cantou bem seria repetir o que já disse, e isto é sempre monótono e aborrecido.

Quanto a Charton, que brilhou no romance e no rondó final, já não tenho nada de novo que escrever.

Portanto, como os meus leitores não poderiam suportar que lhes falasse do Teatro Lírico sem falar de sua cantora predileta, não há remédio senão, depois de esgotados os prós, recorrer aos contras.

De agora em diante vou estudar-lhe os defeitos, e afinar o ouvido para ver se ela canta em si bemol ou em la sustenido.

Naturalmente hei de descobrir alguma coisa, assim como já descobri que Casaloni canta pelo nariz e que o Capuri é ventríloquo.

Não se admirem se me calo sobre Ghioni, a nova comprimária, que fez nessa noite a sua estréia. Depois que Dufrene me enganou com as suas maneiras estudadas, não arrisco o meu juízo senão depois da terceira representação.

Entretanto, enquanto nada me animo a dizer, ficam sabendo que a nova comprimária tem uma bela figura em cena, e que foi aplaudida depois da ária do segundo ato.

O vestuário era todo novo, rico e a caráter. Henrique VIII estava trajado com muito gosto; mas Ana Bolena tinha um feio roupão de veludo roxo dobrado de cetim azul com uns galões de cor duvidosa, que por felicidade ficou esquecido à vista do elegante vestido de cetim preto com que apresentou no último ato.

Todo este vestuário veio-nos instruir de uma verdade que não se encontra nos livros de histórias; e é que naquele tempo os homens usavam de coleira e as mulheres de asas.

Ora, como as modas revivem, é natural que hoje se dê a mesma coisa; com a diferença que senhoras e homens trazem as suas asas e coleiras escondidas para que ninguém as veja. Antigamente havia mais franqueza.

Temos concluído felizmente a má tradução deste livro, que abrimos na primeira página e percorremos até a última.

É natural que os meus leitores me perguntem o que havia no verso da página.

Eram notas sobre a política, apontamentos a respeito de alguns discursos parlamentares, notícias curiosas do Paraguai, mas tudo em borrão, num tal estado de confusão, tão mal escrito e tão sem nexo, que não me animo a traduzir-vos esses trechos informes.

Prefiro antes dar-vos uma ligeira resenha de tudo, e fazer algumas pequenas observações...

Mau! lá secou-se-me a tinta!

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Dois dias sem Postagens

Dia 24 e 25 não haverão postagens, pois estarei em viagem. 26 retornam ao normal, caminhando em direção a 10 mil postagens.

Deixo meus votos de boas festas a todos que estiveram comigo em mais este ano.
José Feldman


Trova 238 - Francisco José Pessoa (CE)


Mário de Sá-Carneiro (Um Pouco Mais de Sol)

Formatação por Mário Plácido, in http://tertuliadogarcia.blogspot.com

Olivaldo Junior (Ao Fim de Mais um Ano)


“Mais um ano chega ao fim. Chego também. Mesmo que o tempo seja uma ilusão, é a mais verdadeira que conheço.”

Faltava um ano para o fim deste ano, e estou ao fim de mais um ano. Um ano não é nada na clepsidra, no relógio d’água, de Deus, mas no meu, todo técnico e ilógico, um ano é muito, o muito pra se pensar na vida.

Ao fim de mais um ano, vê-se o povo de volta às calçadas, colegas e amigos na mesma toada: comprar e pagar, contando com o décimo terceiro sal diário. Rio de gente, para um mar de lojas, ninguém à margem, luz.

Mas, no meu peito, ao fim de mais um ano, não é isso que existe. O que existe é um pensar na vida, um viver de andar e ter que usar um pé depois do outro, caminhar. Trabalhei, trabalhei e cumpri o que de mim esperavam. Esperei o que não tive. Tive o que não quis. Não, ainda não há ninguém para fazer a trilha por que meu som passeie. Não consigo achar quem toque para que eu cante. Parece um sonho tão simples, mas todos estão ocupados, com uma vida de que não faço parte. Parte de mim não se conforma. E a outra se revolta. Volta e meia, vivo a dar com os burros n’água. Cada um desses burros sou eu. Burros sem corpo, sem forma, só de ideia. Os ideais nem sempre se realizam. A brisa nem sempre traz sementes.

Tenho muitos conhecidos, muitos contatos, mas ainda não tenho amigos que me cheguem a qualquer hora, sem que seja preciso ligar para saber se estou em casa, sem as tais formalidades que só desfazem as surpresas.

Um violão, que não é meu, me olha dia a dia e me questiona sobre quando vou cantar. “Amanhã, amigo, depois, rapaz...”, digo eu, mas sem saber quando é que vou deixar que o canto se desencante em mim, soando a todos sem parar. Parar. Como é que a gente faz para parar de esperar pelo que não vai acontecer? Acontece de eu fazer mais um poema, e eu já me vejo lá, estou cantando.

Cantar é o que quis fazer desde menino. O ninho não é sempre o mundo afora. Fora de mim, minha mãe, meu pai e meu irmão. Houve uma vida que eu tinha e que não vive mais, mas eu não morro. Morte é sonho?

Sonhava tanto... Mas tenho sonhado mais dormindo do que acordado. Os dados de Deus nunca param, e eu paro para ver se saiu o meu número. Romeu só não morre na história que eu mesmo criar. Criar-se-á 2013.

Fonte:
O Autor

J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 8


Ângelo de Sousa
(Santos/SP, 8 dezembro 1871 – São Paulo/SP, 4 outubro 1901)

" BOCA INFERNAL "

Bipartido morango, os lábios frescos
de um rubro de framboesa machucada!
Há, nessa boca fina, e delicada
curvatura de raros arabescos.

Os prazeres vivazes e grotescos
- licenciosa volúpia exagerada! -
foram todos pousar, em revoada,
nesse ninho de gozos sultanescos.

Deixem-me, pois, viver a vida amante
a beijar uma tão divina boca
toda ambrosia, feita de desejos;

e enquanto eu sonho assim, a fulgurante
boca pequena a minha prendo, louca,   
numa valsa fantástica de beijos!
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Anna Amélia
(Anna Amélia Queiroz Carneiro de Mendonça)
(Rio de Janeiro/GB, 27 agosto 1896 – Rio de Janeiro, 31 março 1971).

" MAL DE AMOR "

Toda pena de amor, por mais que doa,
no próprio amor encontra recompensa.
As lágrimas que causa a indiferença,
seca-as depressa uma palavra boa.

A mão que fere, o ferro que agrilhoa,
obstáculos não são que amor não vença.
Amor transforma em luz a treva densa.
Por um sorriso amor tudo perdoa.

Ai de quem muito amar não sendo amado,
e depois de sofrer tanta amargura,
pela mão que o feriu não for curado.

Noutra parte há de em vão buscar ventura.
Fica-lhe o coração despedaçado,
que o mal de amor só nesse amor tem cura.
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Anthero Bloem
Anthero Augusto de Albuquerque Bloem
Campinas/SP, 7 fevereiro 1878 – Rio de Janeiro/GB, 23 outubro 1919)

" CRISTO DE MARFIM "

Quando depões sabre o teu Cristo Amado,
esse Cristo que pende de teu peito,
ungido de ternura e de respeito,
um beijo de teu lábio imaculado,

eu, sacrílego, sinto-me levado
- ou seja por inveja, ou por despeito -
a arrebatar o Cristo de teu peito
e em teu peito morrer crucificado . . .

Mas, quando vejo de teu lábio crente
cair sobre o Jesus a prece ardente,
talvez por nosso amor, talvez por mim,

ardo na chama intensa dos desejos
de arrependido, sufocar meus beijos
nesse teu alvo Cristo de Marfim . . .
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Antonio Braga   
(S. João da Barra/RJ, 1898 – ?)

" CARRO DE BOIS... "

A pensar neste amor, nesta tarde cinzenta,
tão distante de ti - primavera gloriosa -
paira o meu triste olhar pela estrada poeirenta,
onde um carro de bois segue em marcha morosa.

Rola o carro a gemer nessa música lenta
que me faz recordar tanta coisa saudosa!
Velho carro de bois! O seu gemer aumenta
esta ânsia que me põe toda a alma dolorosa.

Eu invejo, afinal, esse carro gemente,
que parece ter alma e parece que sente
a tristeza do amor que palpita em nós dois...    

Coração! Coração! A saudade é infinita.
E não podes gritar como esse carro grita,
e não podes gemer qual o carro de bois! . . .
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Antonio Lôbo 
(Antônio Francisco Leal Lôbo)
(São Luiz/MA, 4 julho 1870 – São Luiz/MA, 24 junho 1916)

" IMUTÁVEL "

Decerto estranharás que nos meus versos,
nestas quadras de amor que vou rimando,
nunca o teu nome passe, perfumando
os meus pobres vocábulos dispersos.

E quedarás talvez, triste, pensando,
- os negros olhos em pesar imersos -
que os meus afetos de hoje são diversos
desses que outrora eu te contei, cantando.

E, no entanto, este amor, velado, embora,
é ainda o mesmo que ele foi outrora,
da mesma forma ainda o meu astro anima.

Que eu oculte o teu nome, nada prova,
porque estás toda, inteira, em cada trova
e vives palpitando em cada rima.
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Antonio Zoppi
(Americana/SP, 12 setembro 1923 – 16 julho 2010)

" AGRADECIMENTOS "

Hoje eu regresso à minha vida antiga,
despreocupado com o meu futuro.
E embora vendo meu presente escuro,
olho o passada e me conformo, amiga.

A vida é assim: nos dá, depois castiga...
E quando lembro aquele amor tão puro
que dediquei a um coração perjuro,
aumenta a mágoa que meu peito abriga.

Porém, não ligo, sou indiferente.
A própria dor vai ensinando a gente
a não chorar o que já se perdeu.

Pois ao contrário de ficar sentido
estou feliz, e muito agradecido,
pela saudade que você me deu...
=================

Apollo Martins

" ALMA CRUENTA"

Vinte e seis anos só... Tão pouca idade,
tão pouca idade e tantos desenganos...
Como me fere fundo uma saudade!
Como me causam, suas garras, danos!

Não tive infância, em minha mocidade
cercado fui de afetos desumanos
de mim, sempre fugia a alacridade,
possua a fé e a crença dos profanos!

E, como um bardo sonhador, eu sigo
sentindo que a meus ombros um castigo
muito maior que o de Jesus me pesa...

E tu, visão formosa, loura e santa,
se passares por mim – de leve, canta...
Se pensares em mim – baixinho, reza…
=====================

Aracy Dantas de Gusmão
(Porto Alegre/RS, 26 novembro 1886 – Rio de Janeiro, ???)

" NÓS DOIS "

Tu és a força, eu a fragilidade.
Tu tens cérebro, e eu tenho coração...
A tua vida pautas na vontade,
e a minha vida toda é uma ilusão.

Tens a lei do trabalho e da igualdade,
exaltas tudo quanto é nobre e são,
e eu fiz a minha gloria da humildade
de viver sob o jugo dessa mão.

Tu tens o olhar dominador, profundo,
eu tenho o olhar mais triste que há no mundo,
cheio sempre das sombras do sol-por...

Eu e tu. . . Tão diversos! Mas, no entanto,
como é que nos queremos tanto e tanto
se eu sou tão fraca e tu tão forte, amor?

" O SHEIK "

Foste rei de uma tribo - e eu fui, de certo,
a tua predileta companheira,
aquela que, a sorrir, seguiu de perto
a tua vida nômade e altaneira.

O teu rosto moreno é um livro aberto:
- vejo os leques rendados da palmeira,
o oásis a sorrir para o deserto,
e a tenda pequenina e hospitaleira.

Teus olhos - cor da treva e do pecado -
fazem meu coração descompassado
mil romances esplêndidos sonhar...

E em teu vulto sorrindo a minha frente
vejo a Arábia, o deserto, a noite ardente,
e a glória de ser livre para amar!

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou". 1a ed. 1963

Teatro de Ontem e de Hoje (Diário de um Louco)


Adaptado do conto homônimo de Nikolai Gogol, o monólogo do funcionário público que vive a fantasia esquizofrênica do poder e da riqueza é realizado pelo Teatro do Rio, em 1964. A interpretação estilizada, entre o ridículo e o patético, marca a carreira de Rubens Corrêa. Trinta e quatro anos depois, o texto ganha nova leitura, interpretado por Diogo Vilela, com direção de Marcus Alvisi.

O monólogo é uma adaptação do conto de Nikolai Gogol, escrito no século XIX, que antecipa a fase áurea do realismo russo. O autor constrói um funcionário público, Axenty Ivanovitch Propritchine, que é a encarnação da insignificância: sua existência pobre e solitária se mostra no pequeno quarto em que vive, sua falta de importância no emprego é pateticamente simbolizada pela função que ocupa: funcionário de apontar penas de escrever. Para escapar da pequenez de sua vida, ele cria para si um mundo de fantasias, uma nova identidade que cresce até fazer dele um rei. A segunda parte da história o coloca em um manicômio. Metáfora sobre a alienação, o texto mergulha profundamente nas causas sociais da loucura mostrando que, na cisão entre realidade e desejo, entre o mundo que se oferece para ser vivido e o mundo a que não se tem acesso, cria-se um abismo que cinde a personalidade.

A montagem de 1963 salva o Teatro do Rio de uma crise financeira que parecia irreversível. Com o teatro fechado e pagando dívidas, os sócios Rubens Corrêa e Ivan de Albuquerque ensaiam durante um ano e meio em tempo integral, dividindo-se entre o palco, o estudo do texto e a pesquisa da cultura russa. Embora a adaptação do texto já tivesse sido encenada na França, no Brasil eram incomuns tanto a transposição de textos literários para o palco quanto os monólogos. 

A iniciativa tem excelente repercussão e durante três anos, com intervalos para outras montagens, o espetáculo faz novas temporadas e turnês pelo país. No entanto, apesar de aplaudir a iniciativa e a qualidade da montagem, a crítica em geral se dedica mais ao elogio do texto do que à montagem - e o espetáculo não recebe nenhum prêmio. O ator Rubens Corrêa, vinte anos depois, em entrevista a Simon Khoury, considera este trabalho o melhor desempenho de sua carreira, o mais difícil tecnicamente e o que lhe exigiu maior entrega: 

"A sensação mais próxima de pronto que eu tive foi no Diário de um Louco. (...) Talvez nesse espetáculo eu tenha estreado perto do que queria, e quando acabou eu achava que estava perto também do meu objetivo. Recordo muito bem que nas últimas semanas (...) minha comunicação com o público estava tão linda, tão fácil, que comecei a querer enfeitar demais, aí me tranquei com o Ivan no teatro e comecei a limpar tudo, tirar os excessos, extirpar o supérfluo até atingir aquele grau de pureza absoluto, aquele ponto de simplificação total. Quando consegui alcançar esse ponto, ficou ótimo, e falei comigo mesmo: Rubens, agora realmente você pode parar de fazer o espetáculo, porque você não tem mais nada a declarar. (...) Nessa peça foi onde me aproximei mais das pessoas, onde cheguei mais perto delas. Penetrei em suas entranhas, fazia o que queria com o interior delas".1

Em 1997, Diogo Vilela retoma o papel, e a encenação fica a cargo de Marcus Alvisi. O diretor procura dar ao texto um tratamento leve, centrado mais na personagem do que no mundo que o esmaga. Há pinceladas de humor e a tentativa de se descolar da linguagem realista, ao mesmo tempo que se desenha o trajeto do espetáculo pela relação emotiva com a platéia. No teatro da Casa da Gávea, o público, acomodado em uma arquibancada, se encontra bem próximo à exígua área cênica. A intimidade que se cria entre o ator e a platéia é utilizada por Diogo Vilela com uma interpretação olho a olho e a projeção da interioridade do personagem.

A crítica Barbara Heliodora aplaude a realização da Casa da Gávea, recém-inaugurada e já com perfil definido, "fazendo clara opção por montagens austeras (...), vem encontrando um caminho digno de nota, no qual a qualidade tem sido a força norteadora".2 A crítica enaltece também a tradução de Luís de Lima e a dramaturgia de Roberto de Cleto. O trabalho de Diogo Vilela recompensa, segundo ela, a ida ao teatro: "Mais conhecido por suas atuações em comédia, Diogo Vilela consegue dar a gradação correta ao trajeto do personagem, numa atuação rica, variada e obviamente trabalhada com muito amor; se o seu pobre funcionário é patético e vítima de uma sociedade injusta, ele colabora para o próprio destino com suas invejas e manias, ele não é apenas um boneco na mão do destino, ele existe e é multifacetado".3

O crítico Macksen Luiz comenta os elementos do espetáculo: "A música vai um pouco de encontro com este detalhamento da cena ao sublinhar aquilo que o ator vive com economia de meios expressivos. Os dois momentos da personagem - a dissociação da realidade e o confinamento no manicômio - estão bem marcados pelo diretor, que consegue aproveitar a pausa (inclusive para a mudança do cenário) para criar um belo impacto cênico para registrar a transformação do tempo. A iluminação de Marcus Alvisi também marca com desenho detalhista as passagens de tempo, e os figurinos de Kalma Murtinho mostram um requinte de criação na precariedade da sua pobreza, enquanto o efeito cênico da camisa de força explode numa beleza melancólica no adereço da coroa de talheres".4

Notas

1. CORRÊA, Rubens. Depoimento prestado a Simon Khoury. In: ATRÁS da Máscara. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984. v. 2, p. 324. 

2. HELIODORA, Barbara. Arte inspirada na perturbação mental. O Globo, Rio de Janeiro, 20 set. 1997.

3. Ibid.

4. LUIZ, Macksen. A grandeza humana numa pequena jóia literária. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 set 1997.

Fonte:

Antonio Brás Constante (Hoje o Mundo não Acabou...)


Hoje... O mundo não acabou...

Acabaram-se, porém, as balas que estavam no tambor de uma arma, atiradas contra um corpo que jaz sem alma, cujo tempo se encerrou.

Acabou a fome da criança, esqueleto sem vida, lançada numa sarjeta esquecida, suja e encardida, que nasceu sem amor.

Acabou-se a alegria de uma mulher amada, por animais estrupada e degolada, deixada como lixo na beira da estrada.

O que acabou foi à jornada de alguns trabalhadores, presos em um ônibus em chamas por traficantes “socialmente desajustados”. Pessoas carbonizadas, símbolos da insegurança.

Hoje... O... Mundo não acabou...

Apenas jorrou sangue inocente, que entre súplicas cheias de dor, foi humilhado e espancado até que seu ultimo suspiro soltou.

Acabaram-se os sonhos de futuro, do casal jogado contra um muro, por um sujeito totalmente dopado em seu possante carro envenenado, que desgovernado lhes atropelou.

O que parou foi um coração viciado, que batia em busca de viagens e fantasias, sendo vítima de uma overdose de drogas que em si mesmo injetou.

Hoje... O... Mundo... Não acabou...

Mas tantos se acabaram, mergulhados em garrafas de líquido embriagante, jogando fora à própria felicidade e alegria em troca de copos de alcoólica bebida.

Acabou-se o brilho nos olhos do estudante, que por não ter dinheiro o fio de uma navalha a sua vida ceifou.

Hoje... O... Mundo... Não... Acabou. O sol renasceu para os sobreviventes, que perambulam por este planeta doente, e que felizmente ou infelizmente a morte ainda não libertou.

Fonte:
O Autor

Jornais e Revistas do Brasil (Diário de Minas)


Período disponível: 1866 a 1875 
Local: Ouro Preto, MG 

Lançado em 1º de junho de 1866, o Diario de Minas é considerado o primeiro jornal informativo da província de Minas Gerais, o que lhe confere lugar especial na história da imprensa mineira. O primeiro jornal desta província, de 1823, foi o Compilador Mineiro, publicação voltada para o apoio ao governo imperial. 

Jairo Faria Mendes, na tese “O Silêncio das Gerais: O nascimento tardio e a lenta consolidação dos jornais mineiros”, baseia-se na periodização da história da imprensa brasileira proposta por Nelson Werneck Sodré: Colonial (1808 a 1822) , Publicista (1823 a 1885), Informativa (1885 a 1927) e Grande Imprensa (a partir de 1927). Mendes insere a imprensa mineira nessa divisão da seguinte forma: Imprensa Colonial – fase que Minas não viveu; Imprensa Publicista – fase de interiorização da imprensa mineira e fortalecimento do publicismo; Imprensa Informativa e Literária – fase em que ocorre o surgimento de uma imprensa mineira informativa consistente; e Grande Imprensa – fase em que surge em Belo Horizonte o Diário da Manhã, considerado a primeira grande empresa jornalística do estado. 

Observa-se, assim, que o Diario da Manhã, embora considerado o primeiro jornal informativo de Minas Gerais, não inaugurou a fase chamada de Imprensa Informativa (inaugurada pelo jornal O Pharol), mas sim surgiu em uma fase que a imprensa mineira era basicamente publicista, ou seja, as notícias eram mais de interesse comercial e político, como informações sobre chegada e partida de navios nos portos, sobre guerras ou revoluções e, principalmente, com frequentes artigos escritos pelos próprios editores, que comandavam o jornal segundo suas opiniões ou dos grupos políticos a que estavam ligados. 

Considerado informativo por fugir do publicismo, o Diario de Minas trazia informações diversas, além das de caráter político e opinativo, e também empresarial. O proprietário, J. F. de Paula Castro, contou com ajuda do governo provincial, então ligado ao Partido Liberal, para comprar a tipografia onde era impresso, no Rio de Janeiro, uma vez que em Minas os prelos que existiam estavam em mau estado. Segundo Mendes,

Com os novos equipamentos foi possível fazer um jornal em um formato bem maior dos que circulavam na Província. Assim começou a circular o Diario de Minas, com quatro páginas standard diárias, que continham as seguintes sessões: a Parte Oficial (que era paga), Diário de Minas (o editorial), Exterior (notícias internacionais, que eram tiradas de jornais do Rio de Janeiro, principalmente o Jornal do Commercio), Interior (notícias locais), Noticiário (notas e informações variadas), Publicações a Pedido (textos literários, cartas, etc.), editais e Folhetim. Era comum algumas sessões ficarem de fora nas edições, assim como serem criadas outras. Também havia muitos anúncios, alguns bem trabalhados graficamente e com textos bem apelativos. Eles ocupavam de uma a duas páginas, ou seja, grande parte do jornal, e eram em sua grande maioria de produtos farmacêuticos. (...)
 Com o decorrer do tempo ganhariam mais espaço os anúncios de compra e venda, além dos de escravos fugidos. Também surgiam esporadicamente anúncios de peças teatrais, perfumes (...), cosméticos (...).
 A primeira edição do jornal dedicou dois terços da 1ª e 2ª páginas para falar de seu compromisso liberal.” (pág. 102 – 104)

Embora dedicado principalmente a informar, o jornal dependia das receitas provenientes das publicações oficiais, o que o levou a mudar a linha editorial quando o Partido Conservador assumiu a frente do governo provincial em 1868, dessa forma garantindo o recebimento de receitas advindas das publicações oficiais. Dez anos depois, no entanto, o Partido Liberal retornou ao poder e rescindiu o contrato com o Diario de Minas. 

Em boa parte por essa razão, gradualmente o jornal diminuiu sua periodicidade, deixando de ser diária, e os anúncios diminuíram. Em março de 1878, circulou o último número. A tipografia foi vendida e nela passou a ser impresso, no ano seguinte, A Província de Minas (1879 a 1889). 

Fonte:
http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/diario-de-minas

Soares de Passos (Anelos)


Que imenso vácuo neste peito sinto!
Que arfar eterno de revolto mar!
Que ardente fogo, que jamais extinto
Somente afrouxa para mais queimar!
Ai, esta sede que meu peito rala,
Talvez a apague mundanal prazer:
Ali ao menos poderei fartá-la,
Ou num letargo sem paixões viver.

Mas dessa taça já provei... não quero!
Quero deleites que inda não senti...
A luta, os riscos dum combate fero!
Talvez encantos acharei ali.

A luta, os riscos, em acção travadas
Guerreiras hostes disputando o chão;
O sangue em jorros, o tinir d'espadas,
O fogo e o fumo do voraz canhão!
Ali os gozos dum feroz delírio,
À luz das armas, sentirei em mim,
Ou numa delas o funéreo círio
Que à paz dos mortos me conduza enfim.

Mas não, não quero sobre a terra escrava
A vis tiranos imolar o irmão...
O mar, o mar, que em sua fúria brava
Ninguém domina com servil grilhão!

O mar, o mar! sobre escarcéus revoltos
Em frágil lenho flutuar me apraz,
Ao som das vagas e dos ventos soltos,
E das centelhas ao clarão fugaz.
Ali sorrindo da feroz tormenta,
E dos abismos que me abrir aos pés,
Dentro desta alma de prazer sedenta
Sublime gozo sentirei talvez.

Mas o mar livre tem um leito ainda
Que os meus anelos poderá suster...
O espaço, o espaço! na amplidão infinda
Talvez que possa o coração encher.

O espaço, o espaço! qual ligeiro vento
Irei lançar-me nesse mar sem fim,
E a longos tragos aspirar o alento,
Sentir a vida que desejo em mim...
Ora águia altiva, desprezando o solo,
O rei dos astros buscarei então
Ora entre as neves do gelado pólo
Voarei nas asas do veloz tufão.

Mas solitário, sem cessar errante,
De que valera na amplidão correr?...
A glória, a glória, que em painel brilhante
Me of'rece a imagem dum maior prazer!

A glória, a glória! mil troféus ganhados,
Mil verdes palmas e lauréis também;
Triunfos, c'roas e sonoros brados
Da turba – é ele! – repetindo além...
Então em sonhos duma vida infinda
Verei a chama d'imortal farol,
Que eu meu sepulcro resplandeça ainda,
Bem como a lua, quando é morto o sol.

Mas não, que a inveja com a voz mentida
A luz em sombras poderá tornar...
O amor, o amor, que redobrando a vida,
A vida noutrem me fará gozar!

O amor, o amor, celestial perfume
Que a mão dos anjos sobre nós verteu,
Doce mistério que num só resume
Dois pensamentos aspirando ao céu!
O amor, o amor, não mentiroso incenso
Que em frios lábios só no mundo achei,
Mas imutável, mas sublime e imenso
Qual em meus sonhos juvenis sonhei...

O amor! só ele poderá nesta alma
Risonhas crenças outra vez gerar,
De minha sede mitigar a calma,
E inda fazer-me reviver, e amar.

Fonte: 
Poesias de Soares de Passos. 1858 (1ª ed. em 1856). http://groups.google.com/group/digitalsource

Machado de Assis (Álvares de Azevedo: Lira dos Vinte Anos)


QUANDO, há cerca de dois ou três meses, tratamos das Vozes da América do Sr. Fagundes Varela, aludimos de passagem às obras de outro acadêmico, morto aos vinte anos, o Sr. Álvares de Azevedo. Então, referindo os efeitos do mal byrônico que lavrou durante algum tempo na mocidade brasileira, escrevemos isto:

Um poeta houve, que, apesar da sua extrema originalidade, não deixou de receber esta influência a que aludimos; foi Álvares de Azevedo. Nele, porém, havia uma certa razão de consangüinidade com o poeta inglês, e uma íntima convivência com os poetas do norte da Europa. Era provável que os anos lhe trouxessem uma tal ou qual transformação, de maneira a afirmar-se mais a sua individualidade, e a desenvolver-se o seu robustíssimo talento.

A estas palavras acrescentávamos que o autor da Lira dos Vinte Anos exercera uma parte de influência nas imaginações juvenis. Com efeito, se Lord Byron não era então desconhecido às inteligências educadas, se Otaviano e Pinheiro Guimarães já tinham trasladado para o português alguns cantos do autor de Giaour, uma grande parte de poetas, ainda nascentes e por nascer, começaram a conhecer o gênio inglês através das fantasias de Álvares de Azevedo, e apresentaram, não sem desgosto para os que apreciam a sinceridade poética, um triste ceticismo de segunda edição. Cremos que este mal já está atenuado, se não extinto.

Álvares de Azevedo era realmente um grande talento: só lhe faltou o tempo, como disse um dos seus necrólogos. Aquela imaginação vivaz, ambiciosa, inquieta, receberia com o tempo as modificações necessárias; discernindo no seu fundo intelectual aquilo que era próprio de si, e aquilo que era apenas reflexo alheio, impressão da juventude, Alvares de Azevedo, acabaria por afirmar a sua individualidade poética. Era daqueles que o berço vota à imortalidade. Compare-se a idade com que morreu aos trabalhos que deixou, e ver-se-á que seiva poderosa não existia, naquela organização rara. Tinha os defeitos, as incertezas, os desvios, próprios de um talento novo, que não podia conter-se, nem buscava definir-se. A isto acrescente-se que a íntima convivência de alguns grandes poetas da Alemanha e da Inglaterra produziu, como dissemos, uma poderosa impressão naquele espírito, aliás tão original. Não tiramos disso nenhuma censura; essa convivência, que não poderia destruir o caráter da sua individualidade poética, ser-lhe-ia de muito proveito, e não pouco contribuiria para a formação definitiva de um talento tão real.

Cita-se sempre, a propósito do autor da Lira dos Vinte Anos, o nome de Lord Byron, como para indicar as predileções poéticas de Azevedo. É justo, mas não basta. O poeta fazia uma freqüente leitura de Shakespeare, e pode-se afirmar que a cena de Hamlet e Horário, diante da caveira de Yorick, inspirou-lhe mais de unia página  de versos. Amava Shakespeare, e daí vem que nunca perdoou a tosquia que lhe fez Ducis. Em torno desses dois gênios, Shakespeare e Byron, juntavam-se outros, sem esquecer Musset, com quem Azevedo tinha mais de um ponto de contacto. De cada um desses caíram reflexos e raios nas obras de Azevedo. Os "Boêmios" e "O Poema de Frade", um fragmento acabado, e um borrão, por emendar, explicarão melhor este Pensamento.

Mas esta predileção, por mais definida que seja, não traçava para ele um limite literário, o que nos confirma na certeza de que, alguns anos mais, aquela viva imaginação, impressível a todos os contactos, acabaria por definir-se positivamente.

Nesses arroubos da fantasia, nessas correrias da imaginação, não se revelava somente um verdadeiro talento; sentia-se uma verdadeira sensibilidade. A melancolia de Azevedo era sincera. Se excetuarmos as poesias e os poemas humorísticos, o autor da Lira dos Vinte Anos raras vezes escreve uma página que não denuncie a inspiração melancólica. uma saudade indefinida, uma vaga aspiração. Os belos versos que deixou impressionam profundamente; "Virgem Morta", "À Minha Mãe", "Saudades", são completas neste gênero. Qualquer que fosse a situação daquele espírito, não há dúvida nenhuma que a expressão desses versos é sincera e real. O pressentimento da morte, que Azevedo exprimiu em uma poesia extremamente popularizada, aparecia de quando em quando em todos os seus cantos, como um eco interior, menos um desejo que uma profecia. Que poesia e que sentimento nessas melancólicas estrofes!

Não é difícil ver que o tom dominante de uma grande parte dos versos ligava-se a circunstâncias de que ele conhecia a vida pelos livros que mais apreciava. Ambicionava uma existência poética, inteiramente conforme à índole dos seus poetas queridos. Este afã dolorido, expressão dele, completava-se com esse pressentimento de morte próxima, e enublava-lhe o espírito, para bem da poesia que lhe deve mais de uma elegia comovente. 

Como poeta humorístico, Azevedo ocupa um lugar muito distinto. A viveza, a originalidade, o chiste, o humour dos versos deste gênero são notáveis. Nos "Boêmios", se pusermos de parte o assunto e a forma, acha-se em Azevedo um Pouco daquela versificação de Dinis, não na admirável cantata de Dido, mas no gracioso poema do Hissope. Azevedo metrificava às vezes mal, tem versos incorretos, que havia de emendar sem dúvida; mas em geral tinha um verso cheio de harmonia, e naturalidade, muitas vezes numeroso, muitíssimas eloqüente.

Ensaiou-se na prosa, e escreveu muito; mas a sua prosa não é igual ao seu verso. Era freqüentemente difuso e confuso; faltava-lhe precisão e concisão. Tinha os defeitos próprios das estréias, mesmo brilhantes como eram as dele. Procurava a abundância e caía no excesso. A idéia lutava-lhe com a pena, e a erudição dominava a reflexão. Mas se não era tão prosador como poeta, pode-se afirmar, pelo que deixou ver e entrever, quanto se devia esperar dele, alguns anos mais.

O que deixamos dito de Azevedo podia ser desenvolvimento em muitas páginas, mas resume completamente o nosso pensamento. Em tão curta idade, o poeta da Lira dos Vinte Anos deixou documentos valiosíssimos de um talento robusto e de uma imaginação vigorosa. Avalie-se por aí o que viria a ser quando tivesse desenvolvido todos os seus recursos. Diz-nos ele que sonhava, para o teatro, uma reunião de Shakespeare, Calderon e Eurípedes, como necessária à reforma do gosto da arte. Um consórcio de elementos diversos, revestindo a própria individualidade, tal era a expressão de seu talento.

Fonte:
Machado de Assis. Crítica Literária. Pará de  Minas/ MG: Virtualbooks, 2003.

Elias José (A Morada do Inventor)


A professora pedia e a gente levava,
achando loucura ou monte de lixo:
latas vazias de bebidas, caixas de fósforo,
pedaços de papel de embrulho, fitas,
brinquedos quebrados, xícaras sem asa,
recortes e bichos, pessoas, luas e estrelas,
revistas e jornais lidos, retalhos de tecido,
rendas, linhas, penas de aves, cascas de ovo, 
pedaços de madeira, de ferro ou de plástico.
Um dia, a professora deu a partida
e transformamos, colamos e colorimos.
E surgiram bonecos esquisitos, 
bichos de outros planetas, bruxas 
e coisas malucas que Deus não inventou.
Tudo o que nascia ganhava nome, pais,
casa, amigos, parentes e país.
E nasceram histórias de rir ou de arrepiar!…
E a escola virou morada de inventor! 

Fonte:
Revista Nova Escola

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 765)



Uma Trova de Ademar  

Deus, demonstrando poder, 
quando a mulher engravida, 
transforma a dor em prazer 
na celebração da vida!
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Liberdade sem porteiras
está nas rimas que oferto,
versos cruzando as fronteiras
das pautas de um livro aberto.
–Egiselda Charão/RS– 

Uma Trova Potiguar  

A ciência, sem suspeita, 
será no mundo aplaudida 
se a clonagem só for feita 
em benefício da vida. 
–José Lucas de Barros/RN– 

Uma Trova Premiada  

2012   -   Nova Friburgo/RJ 
Tema   -   PASSAGEM   -   2º Lugar 

Aprendi desde menino
que a vida é livro de escolhas,
e a mão firme do destino
faz a passagem das folhas!
–Adilson Maia/RJ– 

...E Suas Trovas Ficaram  

No livro azul do infinito,
as letras feitas de estrelas...
Só o autor do manuscrito
entende e faz entendê-las...
–Aloísio Alves da Costa/CE– 

U m a P o e s i a  

Eu nunca tive ambição 
por nada que tem no mundo, 
guardo no meu coração 
um amor puro e profundo; 
com muita sabedoria 
eu disse numa poesia 
com o maior desempenho: 
da vida nada reclamo... 
Não tenho tudo que Amo 
mas Amo tudo que tenho! 
–Ademar Macedo/RN– 

Soneto do Dia  

O CORAÇÃO 
–Cruz e Sousa/SC– 

O coração é a sagrada pira
onde o mistério do sentir flameja.
A vida da emoção ele a deseja
como a harmonia as cordas de uma lira.

Um anjo meigo e cândido suspira
no coração e o purifica e beija...
E o que ele, o coração, aspira, almeja
é sonho que de lágrimas delira.

É sempre sonho e também é piedade,
doçura, compaixão e suavidade
e graça e bem, misericórdia pura.

Uma harmonia que dos anjos desce.
que como estrela e flor e som floresce
maravilhando toda a criatura!